''Vivo em paz e realizado com o que pude fazer de bem ao povo'', diz Jarbas Vasconcelos

Senador completa 50 anos de vida pública em 2020. Em entrevista ao JC, ele contou sobre a sua trajetória e da perspectiva para o futuro na política
Renata Monteiro
Publicado em 06/09/2020 às 8:16
O senador Jarbas Vasconcelos (MDB) Foto: Foto: divulgação


. - Eleições 2020

Cinco décadas depois de participar da sua primeira campanha eleitoral, o senador Jarbas Vasconcelos (MDB) não nega ter cometido erros, mas mostra-se orgulhoso do seu legado político, demonstrando não precisar se reconciliar com nenhuma fase da sua vida. Em entrevista ao JC, o parlamentar relembrou momentos marcantes da sua trajetória, disse não ser “prisioneiro dos desacertos”, apontou as eleições municipais deste ano - que serão realizadas sem o contato direto com o povo - como o grande desafio a ser superado por candidatos de todo o País e afirmou ter esperanças de que o MDB, sob a condução do deputado federal Baleia Rossi, possa ter seus valores de base resgatados para o futuro.

JORNAL DO COMMERCIO - O senhor iniciou a sua vida pública há 50 anos, com o Brasil completamente mergulhado em uma ditadura militar. Como nasceu o seu interesse pela política partidária? Naquela fase, em algum momento passou pela sua cabeça trilhar um caminho diferente?

JARBAS VASCONCELOS - Meu interesse pela política aconteceu de uma forma natural e sem precipitação. Entrei no curso de direito da Universidade Católica de Pernambuco em pleno ano de 1964, quando o País mergulhou em um de seus momentos mais tenebrosos. Durante minha formação, cheguei a trabalhar na área jurídica da Poty, onde até pensei em seguir carreira. Porém, o ambiente político e as pessoas do meu convívio acabaram me mostrando outro caminho. Acompanhei de perto nessa época a luta e a atuação do meu primo Egídio Ferreira Lima, uma das pessoas que mais de influenciou ao longo da minha vida. Ao lado dele e de pessoas como Osvaldo Lima Filho e José Ermírio de Moraes, participei da fundação do PMDB em Pernambuco, em 1966. Vi Egídio ser cassado e Osvaldinho afastado da secretaria-geral do partido, cargo que acabei ocupando. Me vi tendo que ajudar na reestruturação do PMDB e me formei em pleno ano do AI-5, (baixado) em 13 de dezembro de 1968. Então a necessidade de lutarmos para combater o regime de força, para defender nossos ideais e de muitos companheiros presos ou cassados, acabou me levando naturalmente para a política. Ou seja, uma coisa me levou a outra. Fui eleito em 1970 deputado estadual aqui em Pernambuco buscando a defesa da democracia, do estado de direito e da liberdade.

JC - Trinta anos depois da redemocratização, temos novamente um presidente militar, desta vez colocado no poder por meio do voto, pelo povo. Não é incomum, porém, ouvir analistas políticos falando sobre uma escalada autoritária no País. O senhor concorda com essas análises? De acordo com a sua percepção, o cenário político brasileiro atual lembra de alguma forma o pré-1964?

JARBAS - Não votei no presidente Jair Bolsonaro, mas devo dizer que ele não enganou seus eleitores. Desde a campanha ele demonstrava sinais de instabilidade emocional e revelava falta de compostura com a liturgia da representação política que deve ter um presidente da República. Isso é claramente perceptível na sua conduta diária, mas é preciso reconhecer que ele chegou amplamente legitimado pelo voto dos brasileiros, e isso precisa ser respeitado como uma regra de ouro no regime democrático. Seu viés autoritário salta aos olhos, mas isso não representa qualquer ameaça institucional e política. A democracia brasileira chegou a um sólido amadurecimento onde não cabem aventuras. Temos a imprensa livre, independente, e instituições fortes que todos os dias comprovam suas competências guardando obediência à Constituição. Quanto a militares participarem de seu governo, não tenho preconceito, desde que sejam reformados e tenham conteúdo, preparo e talento para exercerem suas funções com capacidade de entrega de corretas políticas públicas. Finalmente, não vejo semelhança entre os dias de hoje e o golpe de 1964.

JC - O senhor acumula várias passagens pelo Poder Executivo. Na sua avaliação, qual o maior legado que as suas administrações deixaram para o Recife e para Pernambuco?

JARBAS - Foi uma responsabilidade muito grande receber por duas vezes, em tempos diferentes, a confiança do povo do Recife e depois em mais duas vezes o crédito da população para exercer o governo de Pernambuco. Isso marcou minha vida, história e percepções. Entrei para exercer essas funções públicas com grandes compromissos, em especial no desenvolvimento social e econômico. Não posso dizer que durante esse período tive algum dia fácil. As preocupações de um gestor público quando comprometido são duras e de pressão permanente. Muito tinha por se fazer. O Recife e Pernambuco são muitos em um só. Na prefeitura procurei democratizar e fazer valer a decisão da população com o orçamento participativo em um amplo programa de interação popular chamado de Prefeitura nos Bairros. Melhorias no sistema viário da cidade, e aqui cito a abertura da Avenida Arthur Lima Cavalcanti, o viaduto de Santa Luzia, a modernização e embelezamento do Cais José Estelita, a pavimentação de centenas de ruas na periferia e seus sistemas de drenagem e as intervenções nos morros do Recife. Governar o Recife olhando e apoiando suas expressões culturais talvez tenha sido a experiência com que mais tenha me identificado. Fui um prefeito de rua. Andava pelos alagados, na terra firme, tratei do território comum, e me dediquei ao resgate do Recife Antigo, em particular da Rua do Bom Jesus. No governo de Pernambuco ampliei a forma de ouvir o povo com o Governo nos Municípios, fórum em que as mais diversas regiões discutiam e manifestavam suas prioridades. Também se impunha recuperar a infraestrutura que estava completamente desatualizada. Para isso realizamos um grande esforço na área rodoviária, recuperando e duplicando a BR -232, entre Recife e São Caetano. Foram ao todo mais de 1.800 Km de estradas recuperadas e implantadas. Conquistamos junto ao governo federal a construção do novo Aeroporto do Recife, empreendimento que foi delegado ao Estado e que construímos junto com a Infraero. Por outro lado, tocamos um grande programa na área de abastecimento de água, chamado Águas de Pernambuco, onde construímos a barragem de Pirapama, concluímos a Adutora do Oeste e o Sistema Jucazinho, entre centenas de ações. Buscamos parceria com outros setores e implantamos a educação integral nas escolas públicas. Iniciativa muito acertada, replicada pelo governo que me sucedeu e também em outros Estados. Me toca em especial a associação que fizemos com cientistas, professores e profissionais de TI (tecnologia da informação) quando por muitas mãos criamos o Porto Digital. Inclusive na época fiz a cessão do prédio do Bandepe para avalizar a iniciativa no núcleo da Ilha do Recife, demarcando e embarcando o antigo no novo. Finalmente, gostaria de registrar que tanto na prefeitura como no Estado devo muito a uma equipe multidisciplinar de talentosos profissionais que me ajudaram diuturnamente, sem medir tempo e sacrifício, e que ao final tornaram-se mais que parceiros. São gratos amigos que aprendi a admirar e querer bem, na sua maioria ainda hoje os tenho por perto.

JC - Já vi e li algumas entrevistas do senhor e percebi que reconhecer erros nunca foi um tabu em sua trajetória. O senhor admitiu que errou ao não comparecer à votação do Colégio Eleitoral, em 1985, e ao votar no então deputado federal Eduardo Cunha para a presidência da Câmara, por exemplo. Hoje, olhando para trás, qual o maior erro que considera ter cometido na política? Se pudesse, voltaria atrás e faria algo diferente?

JARBAS - Nunca tive compromisso com o erro. Ele é próprio da natureza humana. Normalmente ocorre por força da pressão de circunstâncias excepcionais ou pelo descuido de uma emoção pontual na praça de luta. Mas, quando o erro acontece, o que importa é a honestidade de reconhecê-lo e buscar promover a correção do caminho, ter atitude, assumir a escolha equivocada. Acredito que a leitura que se pode ter de um homem, seja ele político ou não, deve ser a média entre seus acertos e erros. Muitas vezes as decisões de vida ocorrem na dicotomia entre tempos no decorrer de nossa existência. Não sou prisioneiro dos desacertos, sou guardião de minhas reflexões, algumas já declaradas e bem resolvidas. Vivo minha vida em paz e realizado com o que pude fazer de bem ao povo que reiteradas vezes acreditou em mim.

JC - O senhor está no MDB desde o início da sua carreira, mas já teve alguns atritos internos que culminaram até mesmo em sua saída do partido. Nos últimos anos, com escândalos relacionados a nomes de peso da sigla, seu grupo aqui em Pernambuco passou a defender uma grande reforma interna. Hoje, a sigla está sob o comando do deputado Baleia Rossi, acaba de deixar o Centrão. Como enxerga a situação atual do seu partido?

JARBAS - O MDB é para mim a casa em que politicamente nasci, cresci e me formei como homem público. Fui presidente estadual e nacional do partido. Foi na sigla que convivi de perto, quase que diariamente, com Ulisses Guimarães, Marcos Freire, Pedro Simon, Egídio Ferreira Lima, Teotônio Vilela, Paulo Brossard, e tantos outros. Foram professores do código de conduta que construí durante minha caminhada. Tivemos muitos momentos de adversidade e quase estrangulamento do pacto civil e político, mas sabíamos do risco e fomos guiados pelo espírito público, pela responsabilidade com o País. Não foi fácil desafiar a ditadura do “prendo e arrebento” implantada pelo golpe. De resto, o partido foi se transformando em uma colcha de retalhos com imperfeições de toda natureza. Depois gerações mais novas capturaram o seu comando com outros propósitos, foi quando me isolei no MDB de Pernambuco. Fiz dele minha trincheira de luta e coloquei publicamente que o partido tinha perdido suas bandeiras e seu caminho. Isso fez com que manobras regimentais me levassem a punições, como por exemplo o afastamento de comissões temáticas das quais fazia parte, na tentativa de asfixiar os mandatos que recebi do povo. Curioso que a mesma tribuna em que defendi o fim da ditadura testemunhasse em mim uma espécie de mordaça. Para um caso e para o outro, respondi sendo mais Jarbas e menos os outros. Finalmente, o atual presidente Baleia Rossi busca a unidade do partido, refaz caminhos, dialoga com o conjunto, tem o condão de mediar representações regionais e criar consensos. Ele me passa a esperança que possamos resgatar os valores do MDB para o futuro.

JC - Aos 50 anos de vida pública, o que o agora senador Jarbas Vasconcelos espera do seu futuro político?

JARBAS - Pernambuco é prioridade dentro da minha atuação em Brasília. E não poderia ser diferente. Sempre foi ao Estado que entreguei o meu esforço e dedicação, seja como deputado estadual, deputado federal, prefeito do Recife, governador e agora mais uma vez senador. Só no primeiro semestre de 2020 tivemos a liberação de cerca de R$ 40 milhões em emendas articuladas no fim de 2019. Esse recurso está sendo aplicado nas áreas de saúde e infraestrutura, em regiões e municípios da Zona da Mata, Agreste e Sertão. Seguirei nos próximos anos buscando ajudar o Estado seja em parcerias com as prefeituras ou com o Poder Executivo, até porque os estragos que a pandemia causou e vem causando são profundos e vão demandar um esforço coletivo para que possamos o mais rápido possível retomar o rumo do crescimento e desenvolvimento econômico e social.

JC - Diante de uma pandemia que já matou mais de 100 mil brasileiros e de uma crise econômica que se agrava a cada dia, como o senhor acha que o País chegará na eleição de 2022?

JARBAS - Antes de 2022 temos que lembrar que teremos as eleições deste ano, que vai ser diferente de tudo o que já vimos. Campanhas sem a rua, sem o contato direto com o povo que é o que marca e dá energia e emoção aos candidatos. Prefeito e vereadores são os cargos públicos de maior proximidade com o cidadão. São as funções públicas que estão ligadas ao dia-a-dia do povo. E imaginar que essas pessoas terão que montar suas estratégias e fazer as suas campanhas contabilizando esse distanciamento social exigido hoje por conta da pandemia, vai trazer um desafio a mais para todos. Vai ser um momento de reinvenção para todos. Já em 2022 é preciso entender que não podemos antecipar o processo político. A precipitação e a antecipação disso vai tornar ainda mais lenta a retomada do crescimento que o País tanto precisa. Se as negociações das reformas tributária e administrativa, por exemplo, começarem a fazer parte do cálculo político de quem pensa em disputar 2022, dificilmente teremos um ambiente saudável para essas eleições.

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