Fim da Lava Jato

Fim da Força Tarefa da Lava Jato divide opiniões no mundo jurídico

Força tarefa da Lava Jato do Paraná foi dissolvida a partir do dia 1º de fevereiro de 2021

Luisa Farias Renata Monteiro
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Luisa Farias
Renata Monteiro
Publicado em 04/02/2021 às 20:31
EVARISTO SA/AFP
SÍMBOLO Juiz da Lava Jato, Sergio Moro entrou no governo como "superministro" e saiu acusando presidente - FOTO: EVARISTO SA/AFP
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A dissolução da Força Tarefa da Lava Jato no Paraná anunciada nesta quinta-feira (4) tem divido opiniões no mundo jurídico, entre os que consideram que a medida está dentro da normalidade e os que acreditam que o seu fim representa uma perda ao combate à corrupção no País. Há também os que consideram o fim do grupo como algo inevitável diante da condução política e personalista dos seus trabalhos. 

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O Doutor em Direito Processual Irapuã Santana lembra que a dissolução da Força Tarefa já vinha se desenhando há tempos, evidenciada nas mudanças feitas no Ministério Público Federal (MPF) durante o governo do presidente Jair Bolsonaro (sem partido). Sob o comando de Augusto Aras, nomeado pelo presidente apesar de não ter concorrido à lista-tríplice do MPF - a Procuradoria Geral da República e os procuradores da Lava Jato vinham colecionando diferenças quanto ao trabalho realizado pela Força Tarefa.

Desde quando assumiu o posto de procurador-geral, em setembro de 2019, Aras já deixava claro sua intenção de fazer uma correção de rumos" em todas as forças-tarefa do MPF, com o objetivo de combater o chamado "lavajatismo". "Isso mostra como essa parte do lavajatismo, que serviu como uma força para a eleição de Bolsonaro, acabou sendo um grande castelo de cartas. Eu vejo que seria uma sinalização muito forte para a continuidade da impunidade", afirmou Irapuã Santana. 

Com a sua dissolução, a Lava Jato do Paraná passou a integrar o Grupo de Atuação Especial de Combate ao Crime Organizado (Gaeco) do Ministério Público Federal (MPF) a partir do dia 1º de fevereiro. Quatro ex-integrantes da Força Tarefa, com mandatos até agosto de 2022, foram transferidos para o Gaeco, que já tinha outros cinco membros. Da nova formação com nove procuradores, cinco deles vão dar andamento aos casos do acervo da Lava Jato.

Outros dez membros da extinta Força Tarefa - que não integrar o Gaeco permanecerão até 1º de outubro de 2021 designados para atuar em casos específicos ou em caso de eventual necessidade.

A extinção do modelo de forças-tarefas foi determinada por uma portaria de dezembro de 2020 assinada por Augusto Aras. Irapuã considera uma medida simbólica, que sinaliza os "caminhos institucionais" que serão tomados pela PGR daqui para a frente. "Apesar de existir independência dos procuradores, uma obrigatoriedade nas investigações, eu acho que elas perdem bastante força", aponta.

Normalidade

Advogados ouvidos pelo JC consideram a dissolução da Força Tarefa da Lava Jato do Paraná uma decisão acertada e que não vai de encontro à plena atuação do MPF ou ao andamento dos processos. 

O professor de Direito Constitucional da Universidade Católica de Pernambuco (Unicap) Marcelo Labanca ressalta que, juridicamente, as forças-tarefas são criadas para tratar de necessidades específicas e temporárias, e o fato da Lava Jato ter alcançado repercussão na opinião pública não a torna uma instituição paralela ao MPF. 

"A Lava Jato vem sendo desgastada por motivos políticos e jurídicos. A sua pretensão ou de alguns de seus membros de atuar acima da lei gerou essa percepção", afirmou. Ele cita episódios como a tentativa de criação do "Fundo Lava Jato" para financiar ações de combate à corrupção com recursos oriundos de um acordo da Petrobras com a União. 

Outro fato apontado por Labanca foram as conversas vazadas entre o então procurador da Lava Jato Deltan Dallagnol e o então juiz Sérgio Moro, ex-ministro da Justiça do governo Bolsonaro, que segundo ele, contribuíram para o descrédito da operação.

Tais conversas, divulgadas pelo site The Intercept, mostram indícios de que Moro repassava informações privilegiadas aos procuradores para ajudar nos casos e também dava orientações sobre convocação de testemunhas e mudança na ordem das fases da operação. Novas conversas também foram tornadas públicas pelo ministro do STF Ricardo Lewandowski na última terça-feira (2). 

"Isso ficou muito claro nessa semana com a liberação de diversas conversas trocadas entre Dallagnol e Moro que mostraram a atuação politica deles. Se você quer ser politico, se candidate a deputado federal, não queira usar a função publica para querer conduzir a politica do pais. Funções publicas desempenhadas por profissionais do direito não podem ser utilizadas para conduzir a politica do pais. A política pertence a politica, o direito pertence ao direito", cravou Labanca. 

O presidente da Comissão de Direito Penal da Ordem dos Advogados do Brasil Secção de Pernambuco (OAB-PE), vai na mesma linha ao afirmar que, ao longo do tempo, a Lava Jato do Paraná foi perdendo gradualmente o seu objeto, que era desbaratar uma organização criminosa no âmbito da Petrobras. Isso foi causado em parte por declínios de competência, ou seja, decisões de tribunais superiores de remeter processos correlatos a outras varas em todo o País, gerando uma diminuição da demanda para a 13ª Vara. 

"Eu noto, olhando de fora como advogado no dia a dia, que não seria mais interessante que se tivesse uma forca tarefa em um só local, centralizado, com ônus grande ao estado, ao MPF, que inclusive aqueles procuradores ganhavam subsídios que dobravam ou triplicavam os seus salários, ate porque não existe mais aquela necessidade de manter uma forca tarefa em determinado local", explica. 

João Vieira Neto lembra que não haverá extinção de qualquer processo conduzido pela força-tarefa. "Eu não entendo que essa desmobilização vem afim de prejudicar, porque foi redirecionado para outro grupo de trabalho da mesma forma e os processos vão continuar, o Judiciário vai julgar as ações penais da mesma forma, o MPF vai denunciar, a Polícia Federal vai investigar", completa. 

Lava Jato

A Força Tarefa da Lava Jato do Paraná tem quase sete anos de atuação com a deflagração de 79 fases. O saldo durante o período é de 1.450 mandados de busca e apreensão, 211 conduções coercitivas, 132 mandados de prisão preventiva e 163 mandados de prisão temporária contra 533 acusados, o que levou a 278 condenações (das quais 174 foram contra nomes únicos) e um total de 2.611 anos de pena. Além disso, o grupo entrou com 38 ações civis públicas. Dessas, três foram contra partidos políticos (PSB, MDB e PP), com um termo de ajuste de conduta firmado.

A Lava Jato também atuou em parceria com órgãos de investigação internacionais, através de 735 pedidos de cooperação internacional - 352 passivos (pedidos a outros países) e 383 passivos (pedidos de outros países ao MPF). Também houve o compartilhamento de provas obtidas com outros órgãos do País, a exemplo do Tribunal de Contas da União (TCU), Advocacia-Geral da União (AGU) e Receita Federal.

Os 209 acordos de colaboração (chamadas de delações premiadas) e 17 acordos de leniência (com empresas) possibilitaram a devolução de R$ 4,3 bilhões e R$ 15 bilhões, respectivamente, aos cofres públicos.

 

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