Tensão no Planalto

Entenda as consequências políticas do afastamento de Bolsonaro da cúpula das Forças Armadas

Segundo cientistas políticos, além da perda de confiança dos antigos aliados, o presidente ainda pode vê-los apoiando outro candidato em 2022

Renata Monteiro
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Publicado em 04/04/2021 às 9:00
ALAN SANTOS/PR
FORÇAS ARMADAS Bolsonaro tem ideia de utilização dos miliatares mais ampla do que a doutrina militar prevê - FOTO: ALAN SANTOS/PR
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Os momentos de tensão vivenciados na última semana entre o presidente Jair Bolsonaro (sem partido) e a cúpula das Forças Armadas mostram que, hoje, o chefe do Executivo não pode contar integralmente com uma das principais bases que deram sustentação à sua eleição em 2018 e ao seu governo até aqui. Apesar de não ter rompido completamente com os militares, que ainda ocupam vários cargos no Planalto, muitos generais já indicaram que não vão subir ao palanque do presidente em 2022. Esses militares, inclusive, têm defendido a construção de uma via alternativa para a eleição do próximo ano, que destoe da polarização que vem sendo retomada entre Bolsonaro e o ex-presidente Lula (PT).

As demissões do general Fernando de Azevedo e Silva, que ocupava o cargo de ministro da Defesa, e dos comandantes do Exército, Marinha e Aeronáutica, expôs o desconforto do alto escalão das Forças Armadas com as tentativas de aparelhamento do presidente e foram consideradas "um tiro no pé" por algumas alas militares.Na visão do general Carlos Alberto Santos Cruz, ex-ministro da Secretaria de Governo, por exemplo, o gesto de Bolsonaro foi visto como uma falta de respeito com os aliados. "Bolsonaro cometeu um erro gravíssimo de avaliação e de comportamento político e de educação", afirmou, na última semana.

Para Ernani Carvalho, cientista político da Universidade Federal de Pernambuco (UFPE), o atrito da última semana foi gerado pela divergência entre o pensamento do presidente quanto à função dos militares no governo e a própria filosofia das Forças Armadas. "O presidente tem uma ideia de utilização da força militar bastante ampla, mais ampla do que as doutrinas militares requerem. Ele alega que necessita das Forças Armadas para fazer valer a Constituição, pois outros entes estariam desrespeitando preceitos constitucionais. Esse tensionamento, no entanto, não envolvia diretamente os militares, e eles decidiram não tomar posição", pontua o docente.

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Em meio aos repetidos registros de queda na sua popularidade, à crise provocada pela covid-19 e com o País engatinhando no quesito vacinação, a reação intempestiva de Bolsonaro na tensão com os militares ainda pode trazer alguma dor de cabeça ao presidente, sobretudo durante a sua campanha à reeleição. Na última semana, um grupo de generais que já passou pelo governo disse ao jornal O Globo que defende o fortalecimento de uma terceira via para o próximo pleito e que, neste momento, o centro estaria fortalecido na disputa.

"A nova configuração das Forças Armadas é uma derrota política para Bolsonaro, e os militares podem acabar abandonando o presidente em 2022. Eles podem até não fazer isso explicitamente, mas podem apoiar um candidato de centro, esses elementos estão muito presentes nessa discussão e o presidente não teria o apoio dessa categoria como teve em 2018", detalha Antônio Lucena, cientista político da Universidade Católica de Pernambuco (Unicap).

O cientista político e professor Vanuccio Pimentel, por sua vez, pondera que, apesar de estarem saindo deste embate com a imagem de um grupo que preza pela isenção em questões políticas, militares de alta patente já fizeram declarações dando a entender que as Forças Armadas poderiam intervir politicamente no País, assim como Bolsonaro desejou que eles fizessem agora. "O presidente, quando está acuado ou em situações difíceis, sempre usa a ameaça dos militares. O problema é que, mesmo dizendo que não haverá golpe, em certa medida eles mesmos alimentaram esse temor", explica o docente.

Em 2018, por exemplo, às vésperas do julgamento de um habeas corpus do ex-presidente Lula, Eduardo Villas Bôas, então comandante do Exército, escreveu um tweet dizendo que "o Exército Brasileiro julga compartilhar o anseio de todos os cidadãos de bem de repúdio à impunidade e de respeito à Constituição, à paz social e à Democracia, bem como se mantém atento às suas missões institucionais". Algum tempo depois, soube-se que o texto, feito para pressionar o Supremo Tribunal Federal (STF) no julgamento, nasceu em uma reunião de cúpula no Exército que contou, inclusive, com a presença de generais que viriam a integrar o governo Bolsonaro.

Além da tensão com as Forças Armadas, Bolsonaro precisa administrar crise com policiais

Críticas do setor ao chefe do Executivo começaram a ganhar força no início do governo, com a reforma da Previdência, e ficaram mais intensas em 2021, com a aprovação da PEC Emergencial

Além da tensão com as Forças Armadas, Bolsonaro precisa administrar crise com policiais

Paralelamente à crise que está atravessando com as Forças Armadas, o presidente Jair Bolsonaro (sem partido) vem tendo problemas com outro grupo que o ajudou a chegar ao poder em 2018: as forças policiais. As críticas do setor ao chefe do Executivo começaram a ganhar força no início do governo, com a reforma da Previdência, e ficaram mais intensas em 2021, com a aprovação da PEC Emergencial, que trouxe consigo a possibilidade de congelamento dos salários de servidores públicos por um longo período.

Na última quinta-feira (1º), Luís Antônio Boudens, presidente da Federação Nacional dos Policiais Federais (Fenapef), afirmou que Bolsonaro "decepcionou" a categoria e que acredita que ele chegará a 2022 com menos de 20% de apoio entre esse grupo. Integrantes da União dos Policiais do Brasil (UPB), por sua vez, ameaçaram no início do mês até cruzar os braços por estarem se sentindo "humilhados" pelo governo federal. De acordo com o grupo, Bolsonaro não teria cumprido as promessas feitas à categoria durante a sua campanha.

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O estremecimento com a categoria neste momento acende um sinal de alerta para o presidente, que ainda tem nas bases das forças policiais brasileiras uma fonte de grande apoio político. Levantamento feito pelo Fórum Brasileiro da Segurança Pública em 2020 mostra que 41% dos soldados, cabos, sargentos e subtenentes (os praças) das polícias militares do Brasil fazem parte de fóruns bolsonaristas no Facebook. Deste total, 25% estão em grupos virtuais classificadas como "radicais" pelos pesquisadores.

Conscientes desse alcance, na última semana aliados do presidente tentaram, inclusive, incentivar motins nos Estados contra medidas de restrição impostas por governadores no combate à covid-19 para tentar se reaproximar dos policiais. Após a morte do policial militar Wesley Góes, da Bahia, que foi abatido após sofrer uma espécie de surto psicótico e realizar vários disparos no Farol da Barra, a deputada federal Bia Kicis (PSL) associou, sem nenhuma evidência, o caso a um ato de resistência contra o governador Rui Costa (PT).

Vice-líder do governo na Câmara dos Deputados, José Medeiros (Pode) chegou a chamar o militar baiano de "herói nacional" e o deputado estadual Soldado Prisco (PSC) tem usado as suas redes sociais para convocar militares a se manifestarem. "Sempre que há uma oportunidade, os apoiadores do governo instigam motins. Isso aconteceu quando houve a greve no Ceará, que foi uma coisa mais grave, e agora com o caso da PM da Bahia. Nesses casos eles sempre fomentam esse tipo de rebelião", observou o cientista político Vanuccio Pimentel, da Asces/Unita.

"O que os aliados do presidente têm feito, incentivando motins, é crime. A presidente da Comissão de Constituição e Justiça da Câmara, Bia Kicis, tentou fazer isso no Twitter, depois apagou o post. Se a intenção deles é tentar mobilizar essas forças de segurança para atuação a favor do governo, é muito improvável que isso aconteça", completou o cientista político Antônio Lucena.

De fato, depois das manifestações dos parlamentares bolsonaristas, poucas mobilizações militares foram registradas no País. O próprio governo da Bahia, estado onde o tema está mais quente atualmente, se pronunciou afastando, por ora, a possibilidade de rebelião dos policiais.

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