Cinco. Esse é o número de megatemplos localizados em um trecho de menos de 500 metros da Avenida Cruz Cabugá, no bairro de Santo Amaro, área central do Recife. A via é símbolo da força protestante em Pernambuco, o Estado com a maior concentração de evangélicos do Nordeste, tanto em números absolutos quanto em termos proporcionais. No local, há duas Assembleias de Deus (de vertentes internas diferentes), uma Universal do Reino de Deus, uma Internacional da Graça de Deus e uma Mundial do Poder de Deus.
Para se ter ideia, segundo o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), em 2010, um em cada cinco pernambucanos se declarava protestante. À época, exatos 1.788.973 pernambucanos se diziam seguidores de uma igreja de denominação evangélica, cerca de 20% da população. Se esse quantitativo não tiver sofrido alterações, ele supera em mais de 127 mil pessoas a população de todo o Recife, capital do Estado, segundo estimativas do IBGE.
Diante desses números, Pernambuco até pode ser chamado de Leão do Norte, mas quem começa a reinar por aqui são os seguidores do Leão da Tribo de Judá, expressão bíblica usada por cristãos para se referir a Jesus e que tem relação com a linhagem real do Filho de Deus.
Esse ‘reinado’ ultrapassa os limites da religião e chega também à política. Candidatos ligados ao eleitorado evangélico vêm ganhando cada vez destaque no Estado, assim como em todo o País. Desta maneira, o eleitorado evangélico vai se tornando peça-chave para quem deseja vencer disputas majoritárias em Pernambuco. É o que explica o cientista político Vanuccio Pimentel, professor da Asces-Unita.
“Na medida que o eleitorado evangélico cresce, e se organiza politicamente, ele vai se tornando cada vez mais relevante. Pernambuco já tem um grupo de parlamentares e políticos que são fruto do voto evangélico. Então, a cada dia ele vai se tornando mais importante para qualquer disputa”, afirma o especialista.
Um dos proeminentes exemplos dessa força é o clã dos Ferreiras, que hoje comanda dois partidos em Pernambuco (PL e PSC) e tem um prefeito, um deputado federal, um estadual e um vereador.
Além disso, é deste grupo que deve sair um dos nomes para o Governo ou Senado, o prefeito de Jaboatão, Anderson Ferreira (PL), que na sua reeleição, em 2020, alcançou o milagre de conseguir o apoio de um irmão na fé, mas antigo adversário político: o deputado estadual Pastor Cleiton Collins (PP), que integra outro tradicional clã evangélico no Estado.
Ao lado da esposa, a vereadora Missionária Michele Collins (PP) e, agora, do filho Alef Collins, o deputado-pastor vê sua família ocupar espaços políticos desde 2006, quando ele mesmo foi eleito para a Assembleia Legislativa de Pernambuco (Alepe), onde ocupa o quarto mandato consecutivo.
Peças essenciais para eleição do atual prefeito do Recife, João Campos (PSB), quando deram sua ‘cara à tapa’ para defender o socialista entre os evangélicos, os Collins podem estar desembarcando do projeto capitaneado pelo PSB. Bolsonaristas de carteirinha, eles têm, constantemente, se posicionado do lado oposto ao partido de Campos nos últimos meses.
No episódio mais tenso da relação, Michele chegou a ser convidada pelo vice-líder do governo, vereador Rinaldo Júnior (PSB), a deixar a base do prefeito na Câmara do Recife. A parlamentar retrucou o colega, mas não assegurou sua permanência até as próximas eleições.
Entre os evangélicos, outra 'família tradicional' também orbita em torno do poder. Trata-se do casal bolsonarista deputada estadual Clarissa Tércio (PSC) e vereador Pastor Júnior Tércio (Podemos), que em 2020 aderiram ao palanque de Anderson Ferreira, levando a Assembleia de Deus Novas de Paz, com sede em Jaboatão e liderada pelo pai de Clarissa, a marchar quase que integralmente com seu projeto.
Em 2022, no entanto, as duas famílias podem caminhar separadas, porque Clarissa deve ser candidata ao Palácio do Campo das Princesas, sede do governo estadual, em uma chapa com o ministro do Turismo, Gilson Machado Neto (PSC), cotado para o Senado. Desta forma, não sobraria espaço para Anderson Ferreira, que articulava uma chapa com a prefeita de Caruaru, Raquel Lyra (PSDB).
Além desses, outros políticos dividem o núcleo de poder dos evangélicos em Pernambuco, como os deputados estaduais Joel da Harpa (PP), Delegado Erick Lessa (PP), William Brígido (Republicanos) e Adalto Santos (PSB), que nas urnas recorre ao título eclesiástico de evangelista para angariar mais votos. Santos é o único nome da bancada evangélica filiado a um partido de centro-esquerda, o que tem lhe rendido críticas de eleitores nas redes sociais.
Nas rodas de conversas entre líderes evangélicos, teme-se que Adalto não consiga renovar seu mandato na Alepe se não mudar de partido, a exemplo do que aconteceu com a ex-vereadora Irmã Aimee Carvalho (PSB), da mesma denominação que Santos, a Igreja Evangélica Assembleia de Deus em Pernambuco (IEADPE), a maior do Estado.
“O grande problema é que, nos últimos 10 ou 15 anos, a esquerda se associou a pautas de ativismo identitário, que são rejeitadas nos meios protestantes tanto por lideranças como pelos fiéis capitaneados por pastores”, argumenta o cientista político Elton Gomes, professor da Faculdade Damas.
“Adalto, então, corre o risco de ser taxado como traidor do conservadorismo religioso se não mudar de legenda na janela de filiação”, pontua Gomes.
Para evitar ser pego pelo sentimento ‘antiesquerdista’ entre os evangélicos, o deputado federal Pastor Eurico (Patriotas), também da IEADPE, saiu do PSB há cerca de quatro anos e desde lá vem surfando na onda bolsonarista, o que, em determinados momentos, o fez entrar em rota de colisão com a cúpula assembleiana no Estado, aliada dos socialistas desde 2010, no auge da gestão Eduardo Campos.
Relação abalada
No entanto, nos bastidores, comenta-se que a relação entre as lideranças da instituição e o PSB estaria com várias fraturas, graças a ações do governador Paulo Câmara (PSB) na pandemia de covid-19, como a exigência de vacinação para quem frequentar cultos com mais de 300 pessoas — vale ressaltar que a medida foi derrubada.
Neste ínterim, a figura de Anderson Ferreira volta a aparecer. Isso porque, o prefeito de Jaboatão, que pode ser o candidato do presidente Jair Bolsonaro ao governo de Pernambuco — se a candidatura de Clarissa Tércio não vingar —, tenta convencer os pastores assembleianos a seguirem com ele na empreitada, oferecendo legenda a Adalto e Eurico, no PL, nova casa do presidente da República.
Em outubro, Anderson visitou o templo sede da IEADPE, no bairro de Santo Amaro, no Recife, para prestigiar o aniversário do pastor Ailton José Alves e foi afagado por membros e líderes da denominação, sendo até referenciado como “um irmão que sempre ajudou a igreja, mesmo sem receber qualquer pedido”.
“Se Anderson consegue amarrar o apoio da IEADPE, ele sai com força suficiente para disputar o cargo que quiser, porque ele conseguiria congregar os apoios das maiores vertentes assembleianas do Estado, a saber os ministérios Abreu e Lima, Madureira e Novas de Paz, além da própria IEADPE”, diz a cientista política Priscila Lapa, professora da Faculdade de Ciências Humanas de Olinda (Facho).
“Sem contar que ele ainda consegue sair da bolha religiosa, como mostra sua eleição, reeleição e avaliação em Jaboatão”, completa.
O mestre em Teologia e doutorando em Ciências da Religião Liniker Xavier, que estuda a relação entre política e as igrejas evangélicas, diverge de Priscila e relembra as derrotas eleitorais da IEADPE nas eleições municipais. Ele também pontua o perfil pragmático do eleitor brasileiro, do qual os evangélicos não são excluídos.
“O apoio das principais vertentes assembleianas de Pernambuco, para 2022, não será o fator decisivo, porque a piora nos indicadores sociais pode levar o fiel evangélico a ser mais pragmático e colocar a fé como fator secundário diante de um cenário de incertezas”, pontua. “Além disso, a IEADPE já não pode oferecer tantas garantias por ter saído enfraquecida das eleições municipais. Os principais nomes da denominação foram derrotados nas eleições de 2020”, conclui.
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