Voto de fé: o que está por trás da romaria dos pré-candidatos à Presidência até os evangélicos?
O número de evangélicos no Brasil, segundo o IBGE, multiplicou-se por quatro desde os anos 1980 e deve ultrapassar a população católica a partir de 2032
O número de evangélicos no Brasil, segundo o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), multiplicou-se por quatro desde os anos 1980 e deve ultrapassar a população católica a partir de 2032. De olho neste vertiginoso crescimento, os principais atores políticos do país, como o presidente Jair Bolsonaro (PL) e o ex-presidente Lula (PT), além do ex-governador do Ceará Ciro Gomes (PDT), se desdobram para garantir o apoio desta importante parcela da população.
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“Os evangélicos representam mais de 30% da população do Brasil. O número de fiéis já é um elemento que justifica a romaria em busca do voto evangélico, mas há ainda outros fatores. O evangélico tem uma enorme capacidade de mobilização”, diz Liniker Xavier, mestre em Teologia e doutorando em Ciências da Religião, que estuda a relação entre política e as igrejas evangélicas.
“Ao garantir o apoio evangélico, o candidato garante também seu discurso em caixas de ressonância que reproduzem determinadas ideologias à exaustão”, completa o especialista.
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O eleitorado evangélico — que não é homogêneo, diga-se de passagem — é uma aposta da qual o presidente não abre mão. Por isso, o grupo vem recebendo constantes acenos do presidente, que escolheu o Dia do Evangélico, celebrado em 30 de novembro, para sacramentar sua entrada no Partido Liberal (PL), ao lado do filho e senador Flávio Bolsonaro, que é protestante.
Em um evento que contou com a presença de lideranças evangélicas, como pastores e bispos, o mandatário pediu ao deputado Pastor Marco Feliciano (PL-SP) que orasse pelos presentes antes de discursar e deu o tom da sua campanha para 2022, que deve ser marcada por forte apelo religioso, levado pela exaltação dos valores da "família", da "fé cristã" e da "liberdade".
Outro forte aceno do presidente ao eleitorado protestante foi a indicação do ex-ministro da Justiça André Mendonça para uma vaga no Supremo Tribunal Federal (STF). Evangélico da Igreja Presbiteriana, Mendonça foi sabatinado pelo Senado na quarta-feira (1º) e contou com uma operação de guerra, que envolve Bolsonaro, parlamentares e lideranças protestantes para aprovar o indicado, que entrou na cota do ‘terrivelmente evangélico’ prometida pelo presidente.
Os esforços surtiram efeito e Mendonça recebeu o aval de 47 senadores para assumir uma cadeira no Supremo até 2048. "É um passo para um homem, mas na história dos evangélicos do Brasil, é um salto. Um passo para um homem, um salto para os evangélicos", disse Mendonça no primeiro discurso após ter o nome confirmado pelo Senado.
Disputados por todos
Já Lula se reuniu com lideranças evangélicas no último sábado em encontro virtual transmitido pelas redes sociais. “Tive uma extraordinária relação com todas as igrejas e governei para todo mundo”, declarou o ex-presidente aos participantes.
De acordo com uma estimativa do Datafolha, em 2018, Bolsonaro recebeu cerca de 11 milhões de votos de evangélicos a mais que o candidato do PT que o enfrentou no segundo turno, Fernando Haddad. Na época, uma pesquisa do instituto feita no fim de outubro já indicava que 71% dos evangélicos do país declararam voto no atual presidente.
No entanto, o cenário é diferente a menos de um ano da disputa de 2022. Segundo pesquisa do Datafolha de julho deste ano, a popularidade de Bolsonaro com o grupo está em queda, com cerca de apenas 45% dos evangélicos declarando que votariam no candidato à reeleição no próximo ano.
Assim, Lula aproveita a realidade desfavorável para o atual presidente e tenta reconquistar votos do grupo. O petista, entretanto, ainda tem uma rejeição de 47% entre os evangélicos, segundo o Datafolha de setembro, ante 44% de Bolsonaro.
Um dos principais aliados do presidente da República, o pastor Silas Malafaia, da Assembleia de Deus Vitória em Cristo, afirmou que Lula “não vai enganar” os evangélicos. “Esse negócio de querer abrir a Bíblia, levantar a mãozinha, não funciona mais. [...] O PT votou contra tudo aquilo que temos como princípio básico e não abrimos mão. Lula não vai enganar o povo evangélico”, disse Malafaia, que em 2002 pediu votos para o petista.
Em junho, o pré-candidato pelo PDT, Ciro Gomes, gravou um vídeo de dois minutos exaltando os valores cristãos e como a política deve ser guiada por eles. Com a Bíblia numa mão e a Constituição na outra, lembrou: “O Brasil é uma República laica, mas estes dois livros não são conflitantes.”
A disputa pelo voto evangélico está longe de acabar. Isso porque o grupo é muito diverso e, portanto, cheio de vertentes que podem ser cooptadas por um ou outro lado do espectro político. É o que explica o antropólogo Mauro Lins, da Universidade Federal da Paraíba (UFPB).
“Os evangélicos formam um grupo bastante abrangente e diferenciado, que se divide entre históricos ou tradicionais e pentecostais. Isso é um prato cheio para quem quer penetrar no segmento”, explica Lins. "Hoje a gente não vê a quantidade de pastores defendendo o Bolsonaro como antes da pandemia", acrescenta.
Apesar disso, por enquanto, quando o assunto é apoio evangélico, o presidente Jair Bolsonaro sai na frente. Ele congrega o maior número de líderes do grupo religioso na comparação com seus adversários. Entre eles estão personagens de grandes igrejas pentecostais e históricas, como Assembleia de Deus e Presbiteriana, além daquelas chamadas neopentecostais, com Mundial do Poder de Deus e Ministério Internacional da Restauração, liderada pelo Apóstolo Renê Terra Nova. São essas igrejas que credenciam ideologicamente o governo, fornecendo, inclusive, quadros para os ministérios.
Raio-x dos evangélicos no Brasil |
31% da população |
Cerca de 50 denominações |
65,1 milhões de fiéis |
105 deputados federais |
15 senadores |
‘Apoio vital’
O chefe do Poder Executivo nacional sabe que manter influência política no nicho pode fazer a diferença em eventual tentativa de reeleição. Isso porque das igrejas emergiram parlamentares que retroalimentam o fenômeno do bolsonarismo, ao se beneficiarem dele e fazê-lo durar. Por isso, Bolsonaro não cansa de dar aos evangélicos uma especial atenção.
“Sem o apoio dos evangélicos, Bolsonaro estará fora, inclusive, do segundo turno das eleições. É uma questão de sobrevivência. Para todos os candidatos à Presidência, o apoio dos evangélicos é fundamental, mas, para Bolsonaro, é vital”, pontua a cientista política Priscila Lapa.
Do outro lado, Lula tem promovido encontro com líderes evangélicos influentes em seus estados como o deputado Pastor Sargento Isidório (Avante), o mais votado da Bahia em 2018, com 323 mil votos, e que já se encontra plenamente engajado na defesa da eleição do ex-presidente e na divulgação do apoio de Lula ao seu nome – usando sua inseparável Bíblia. O parlamentar divulgou, em suas redes, uma foto da mão de Lula postada sobre a edição.
Isidório é um deputado que, em plena sessão da Câmara, permanece orando, ajoelhado, sempre empunhando a Bíblia. Isidório é defensor convicto da “cura gay” e se mostra como exemplo de que ela existe, ao se autoproclamar “ex-gay”. No Congresso, ele é autor de um projeto para criar o “Dia do Orgulho Hétero” e transformar a Bíblia em “Patrimônio Nacional, Cultural e Imaterial do Brasil e da Humanidade”.
Ele foi ainda um dos parlamentares que fizeram forte defesa do jogador de vôlei Maurício Souza, demitido do Minas Clube, após publicações de teor homofóbico.
Lula também articula desde junho o apoio de uma das mais poderosas vertentes da Assembleia de Deus, o Ministério Madureira, quando apareceu em uma foto ao lado de Manoel Ferreira, bispo primaz da denominação, agitando os bastidores evangélicos. Visto que o retrato poderia sinalizar que uma igreja de peso estaria disposta a fazer as pazes com o ex-presidente.
Ocorre, porém, que a mesma Madureira tem no parlamento um dos principais aliados de Bolsonaro, o atual presidente da bancada evangélica, o deputado Cezinha de Madureira (PSD-SP). A hierarquia do Ministério Madureira é rígida nesse sentido, e Cezinha, que carrega o nome da igreja em sua alcunha política, não dá nenhum passo político sem orientação da cúpula pastoral.
Líderes evangélicos no foco
Os sinais dúbios da denominação são o fiel retrato do poder concentrado nas mãos de líderes evangélicos, que conhecem a força eleitoral que têm. Na AD Madureira, atualmente, quem comanda a igreja é o filho de Manoel, o bispo Samuel Ferreira, que em anos passados recebeu a visita de políticos como João Doria (PSDB-SP), Michel Temer (MDB-SP), Aécio Neves (PSDB-MG), Dilma Rousseff (PT-MG) e o antigo aliado Eduardo Cunha (MDB-RJ).
No braço mais tradicional da Assembleia de Deus, o Ministério Belém, porém, o apoio ao presidente parece não sofrer ameaças. Liderada pelo pastor José Wellington Bezerra da Costa desde 1980, a AD do Belém conta com proeminentes nomes do bolsonarismo, como o deputado federal Paulo Freire da Costa (PL-SP), filho de José Wellington, e o deputado federal pernambucano Pastor Eurico (Patriotas).
“Garantir o apoio dos líderes das igrejas garante um retorno eleitoral bastante considerável, porque o candidato não precisará negociar no varejo, tentando convencer cada eleitor individualmente, mas apenas chegar às lideranças e levar o atacado”, argumenta o cientista político Elton Gomes, professor da Faculdade Damas.
Apesar de a cúpula assembleiana seguir abraçada com o presidente, Mauro Lins, da UFPB, explica que nem sempre os evangélicos seguem à risca os posicionamentos dos pastores.
“Dentro da própria igreja há diferentes lideranças, que nem sempre seguem o mesmo posicionamento. O pastor que fala diretamente com o público nem sempre tem o mesmo discurso do pastor que é presidente da igreja, e isso acaba influenciando o público que o ouve", afirma.
Além disso, fatores como a alta do desemprego, a crise econômica e o aumento dos preços de itens básicos têm feito com que muitos evangélicos abandonem o bolsonarismo. “Os fiéis pentecostais, que são maioria entre os evangélicos brasileiros e estão na periferia, enfrentam o desemprego e a alta dos preços da carne, do gás, além dos vários problemas causados pela pandemia e a demora para ter acesso à vacinação. Como estamos falando de um eleitorado fragmentado, é possível que parte destes eleitores voltem a votar na esquerda”, pontua Liniker Xavier.
“Mas o desafio de Bolsonaro entre os evangélicos, certamente, será a terceira via. A possível candidatura de Sérgio Moro pode desidratar o presidente com mais velocidade entre os evangélicos”, emenda.
Por isso, com a sutileza que é característica, a campanha em templos religiosos já começou.