O presidente do Tribunal Superior Eleitoral (TSE), Luís Roberto Barroso, saiu em defesa da participação das Forças Armadas na Comissão de Transparência das Eleições (CTE) e condenou as recentes tentativas de uso político dos militares pelo presidente Jair Bolsonaro (PL). Em sua última entrevista coletiva à frente do cargo, o ministro defendeu com firmeza que 'as Forças Armadas estão aqui (no TSE) para proteger a democracia brasileira, e não para proteger um presidente que quer atacá-la'.
O ministro-presidente tentou blindar o general Heber Garcia Portella, representante militar na comissão, na esteira das suspeitas de vazamento interno das perguntas enviadas pelas Forças Armadas ao TSE sobre o funcionamento das urnas eletrônicas e dos sistemas de segurança da instituição. Questionado sobre a autoria do episódio, Barroso garantiu que as informações não foram vazadas por servidores do tribunal - ou seja, fontes na caserna poderiam ser responsáveis pela disponibilização do documento a integrantes do governo e jornalistas.
Os pedidos de informação dos militares foram encaminhados à Corte em dezembro. O documento foi prontamente classificado como sigiloso, a pedido dos próprios militares. Na última quarta-feira (16) porém, a cúpula do TSE decidiu divulgar a íntegra das perguntas e respostas diante dos vazamentos e declarações falsas do presidente de que as Forças Armadas teriam encontrado 'diversas vulnerabilidades' nas urnas. Em nota, o tribunal explicou que a consulta realizada tinha como único objetivo colher esclarecimentos sobre o funcionamento dos processos de preparação das eleições.
"Nós não imaginamos ter alguém aqui para obter informações para nós sermos atacados. Não é para isso que nós montamos a comissão Eu tenho certeza que o general que integra a comissão também não tem esse propósito. Agora, a política por vezes tem alguns descaminhos", disse Barroso.
O militar com atuação no TSE foi indicado pelo ministro da Defesa, general Walter Braga Netto, pouco tempo depois de o Estadão revelar que ele teria condicionado a realização das eleições neste ano à aprovação do voto impresso pelo Congresso - a proposta foi derrotada na Câmara no mesmo dia em que militares realizaram desfile bélico na Esplanada dos Ministérios para entregar convite do treinamento militar da Marinha a Bolsonaro.
Sobre a relação do oficial militar com Braga Netto, um dos membros do governo cujo presidente deposita mais confiança e é cotado a vice nas eleições de outubro, Barroso disse que a atuação dos militares não se confunde com a função política do ministro da Defesa.
"Essa é uma indicação feita pelo ministro da Defesa que, embora exerça alguma ascendência sobre os militares, é um cargo político de governo. Eu acho que é preciso não confundir governo com Forças Armadas. Mas, seja como for, as relações do tribunal com as Forças Armadas são boas. O ministro Braga Netto é um homem do governo, mas as Forças Armadas brasileiras têm limites constitucionais e se tornaram extremamente profissionais", afirmou.
O presidente do TSE, que passará o cargo para o seu vice, Edson Fachin, na próxima terça-feira, 22, também repetiu as declarações dadas pelo seu sucessor ao Estadão: de que não acredita na possibilidade de golpe de Estado, ou contestação do resultado das eleições pelos militares, caso Bolsonaro seja derrotado nas urnas em outubro. "Sinceramente não me passa pela cabeça que qualquer liderança militar no mundo de hoje queira voltar a um cenário da década de 1960", afirmou Barroso.
"É claro que na história brasileira sempre teve os que foram aos quartéis insuflar, mas acho que eles sabem melhor do que isso para, nesta altura da vida mundial, intervirem em processos políticos. De modo que eu verdadeiramente não vejo um problema", disse. "É claro que eu fiquei triste de ver a utilização política da presença de um general na nossa comissão de transparência e provavelmente ele não tem culpa nenhuma do que aconteceu", completou.
Em entrevista ao Estadão nesta quarta, Fachin disse acreditar que as Forças Armadas não vão se atrelar a 'interesses conjunturais' do governo após as eleições. O magistrado declarou que as eleições deste ano devem ser 'o maior teste das instituições democráticas' e defendeu: "Ditadura nunca mais!".
As declarações de Barroso foram feitas em meio à escalada de tensão na relação das Forças Armadas com o tribunal. O ex-ministro da Defesa, general Fernando Azevedo e Silva, chegou a desistir de assumir a Diretoria-Geral do TSE incomodado pela manipulação política de Bolsonaro sobre os militares, com o objetivo de desacreditar o processo eleitoral, conforme revelou o Estadão.