É perto da hora do almoço, quando Thiago Fernando chega em casa com os filhos Henrique, de 4 anos, e Tarsila, 9, cada um comendo um saco de salgadinho. Também trouxe um refrigerante. Desempregado, ele cata e vende garrafas PET, papelão, vidro e latinhas de alumínio para garantir o sustento dos filhos. Além deles, tem Yasmin de 2 anos e Heloísa, que está para chegar a qualquer momento.
Com a alta na inflação dos alimentos, a regra é comprar o que dá. O salgadinho, por exemplo, engana a fome das crianças, é considerado uma "guloseima" e custa entre R$ 1 e R$ 2 o pacote, nas barraquinhas das comunidades.
O problema é a explosão no consumo desses produtos de baixo valor nutricional entre os brasileiros em geral e, principalmente, entre a população em situação de pobreza e pobreza extrema.
O fenômeno foi chamado por especialistas de "fome gorda". É o consumo de produtos ultraprocessados, como salsicha, biscoito, suco em pó, miojo, mortadela e salgadinho, que tem aumentado a taxa de obesidade entre a população pobre, enquanto as pessoas continuam passando fome e estão malnutridas.
Estudioso de Josué de Castro (autor de Geografia da Fome), o sociólogo e membro da Coordenação Executiva da Rede Brasileira de Pesquisa em Soberania e Segurança Alimentar e Nutricional (Rede Penssan), Renato Carvalheira, destaca o papel que a indústria de alimentos passaram a ter no País, alterando os hábitos de consumo.
"Hoje nós temos a questão dos ultraprocessados. Na época de Josué de Castro não falava disso, porque o Brasil ainda era muito agrário. Mas já apontava para a chamada fome oculta, que falava da monotonia alimentar, de sempre comer a merma coisa. Trazendo para os dias de hoje, os ultraprocessados são uma classificação da Faculdade de Saúde Pública da USP, reconhecida mundialmente, que divide os alimentos em in natura, processados e ultraprocessados", observa Carvalheira.
Essa divisão alerta para um problema sério que o Brasil está vivendo de uma transição nutricional, em que se convive com a fome (escassez e quantidade) e com a fome de qualidade, de nutrientes, da má-nutrição.
"As pessoas têm comido menos carne, menos legumes, menos frutas e aumentado o consumo de salgadinhos, macarrão instantâneo, salsicha. É uma fome qualitativa", alerta.
No caso da carne, a queda no consumo é recorde. Com a volta da fome e a escalada da inflação é difícil encontrar quem esteja consumido carne nas comunidades de baixa renda.
Até o ovo faz tempo que saiu do cardápio e foi substituído pela salsicha no prato das classes D e E. Com um pouco de molho é como se "virasse" uma carne.
Desde 2020, a carne foi sumindo do prato do brasileiro. Pelos dados históricos da Companhia Nacional de Abastecimento (Conab), em 2006 o País teve um consumo recorde de 42,8 kg de carne bovina por pessoa.
Para este ano, a previsão é de um recorde ao contrário, com a menor média registrada, ficando em 24,8 kg por pessoa.
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