Quando as águas do Rio Una arrastaram tudo que estava pela frente no município de Palmares, na Mata Sul do Estado, a casa de dona Helena Santos, 80 anos, estava no meio. Não era a primeira vez que ela enfrentava uma enchente tampouco seria a última. Do que se lembra, vieram mais prejuízos em 2017 e 2022. Em sua casa, no bairro de São Sebastião, a poucos metros do curso d’água, o mês de agosto é o período em que os móveis voltam a ocupar os cômodos. No telhado, entretanto, permanece fixa uma maleta. São os documentos. Guardados no ponto que era considerado o mais seguro para estar. A força da água já mostrou a capacidade de encobrir até mesmo o teto da moradia.
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“Tenho medo. Quando chove muito fico com medo, pra lá e pra cá. Vou lá atrás, que dá para ver a água quando tá subindo. Nas últimas cheias perdi muita coisa”, lamenta ela.
Quem chega na sala da casa dá de cara com uma espécie de sótão aberto sobre o quarto. Ela logo explica. “Botei os colchões tudinho ali, mas na última vez que choveu cobriu a casa. Cobriu que ninguém via nem a telha em cima”.
Um pouco mais alto está uma maleta. Precisamente enganchada numa das vigas que sustentam as telhas da casa. “É documento”, explica ela apressada. “Registro, certidão de óbito (do marido), essas coisas. Meu filho sempre diz 'deixe passar agosto’. Essas coisas estavam tudo na casa de meu menino, agora que ele tá trazendo”, explica ela sobre a migração dos pertences sempre que as chuvas se aproximam.
Mesmo com tanta perda ao longo dos anos, dona Helena não foi contemplada com uma das casas prometidas aos moradores da cidade na ‘operação reconstrução’, que prometia R$ 800 milhões, pagos em parceria do Governo Estadual e Federal, a fim de construir 18 mil casas na Mata Sul de Pernambuco para a população da Mata Sul.
“Nunca passou ninguém aqui para cadastrar. Só uma única vez pegaram os meus dados, mas veio outra chuva e eu não guardei nada de documento”, explica.
Em Palmares foram prometidas quase 3 mil casas, mas nem todo mundo que sofreu com a enchente daquela época recebeu um imóvel novo. O Estado diz que tem em andamento ainda 853 casas em toda a Mata Sul, tendo entregue 13.625 imóveis.
“Botaram no cadastro lá, olharam a situação. A casa saiu, mas não ganhei porque queriam derrubar essa (casa própria próxima ao rio). Eu não aceitei derrubar. E disseram ‘então a senhora não ganha’. O problema é que tem muita gente que ganhou a casa e não derrubou. Comigo só queriam derrubar, e eu disse que não dava”, detalha a vizinha de dona Helena, Maria José da Silva, 65 anos.
“Eu já deixei de comer, de dar de comer aos meus filhos para pagar aluguel, senão o homem pedia a casa. Se eu ganhasse uma casa eu ganhava e ficava com ela até morrer. Agora, sair daqui e ter que vender…Pode ser ruim como for, se a casa é sua, ela é boa. A gente se revolta com isso, porque dão muito para uns, e para quem precisa às vezes nem chega. Não fazem questão de fazer as coisas certas”, reclama.
As casas erguidas em Palmares ficam distantes do centro da cidade. Foram construídas no alto de um morro, a maior parte delas, nos denominados Quilombos I e II. A distância e a falta de infraestrutura também foram criticadas por muitas famílias, que não viam razão para deixar para trás as moradias nas comunidades onde sempre moraram, apesar de conhecerem os riscos de estar lá.
A associação de moradores do bairro de São Sebastião estima que 100 famílias foram atingidas pelas chuvas de 2010 e deveriam receber as casas construídas por meio do programa Minha Casa, Minha Vida. Mas efetivamente, a conta da associação é que metade desse total foi alojado nas novas casas.
A reportagem do JC questionou a Cehab especificamente sobre o quantas casas foram entregues por município da Mata Sul, quantas estão em obras, se havia unidades paralisadas ou abandonadas, além de saber para onde teriam ido famílias que não aceitaram morar lá. As respostas não foram dadas.
OPERAÇÃO TORRENTES
Em 2017, a Polícia Federal deflagrou a Operação Torrentes, que culminou na condenação de sete pessoas por fraudes em licitações para socorrer as vítimas das chuvas de 2010. A operação revelou a atuação de um grupo criminoso em fraudes na execução de ações de auxílio, envolvendo membros da Casa Civil do Estado e um grupo de empresários.
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