Paulo Câmara: "Não foi fácil o nosso governo. Fazemos uma avaliação com muito pé no chão", diz sobre 8 anos de gestão

Em entrevista ao Jornal do Commercio, Paulo Câmara (PSB) comentou as dificuldades que enfrentou e diz que deixa as contas públicas para Raquel Lyra em melhores condições do que teve nos últimos 8 anos
Adriana Guarda
Mirella Araújo
Publicado em 24/12/2022 às 9:00
Governador está deixando cargo em 31 de dezembro e fez balanço da sua gestão de 8 anos Foto: BRUNO CAMPOS/JC IMAGEM


O governador de Pernambuco, Paulo Câmara (PSB), se despede do Palácio do Campo das Princesas, no dia 1º de janeiro, quando entregará o comando da Casa à primeira governadora eleita do Estado, Raquel Lyra (PSDB). Provavelmente será o primeiro encontro dos dois após a campanha eleitoral. Bastante atacado por Raquel, na fase de transição, Paulo preferiu manter distância.

Nesta entrevista ao JC, sobre o balanço dos seus 8 anos, o governador fala sobre as dificuldades que enfrentou na condução do Estado por conta da recessão de 2015 e 2016 e da pandemia da covid-19, sobre desemprego, desigualdade, entraves para captar recursos, obras de infraestrutura, Plano Retomada, futuro na vida pública e o que ele considera ter sido a marca de sua gestão.

Jornal do Commercio - Que área que o senhor considera a marca de sua gestão ? Por quê?

Paulo Câmara - A gente tem tido uma avaliação do nosso governo de uma maneira muito pé no chão. Não foi fácil o nosso governo, porque foram oito anos muito difíceis no Brasil todo.

A crise econômica que nós tivemos em 2015/2016, onde o PIB foi negativo e muitas empresas fecharam ou precisaram diminuir de tamanho, o Estado precisou se ajustar.

Quando vem a crise, o Estado precisa crescer mesmo com a economia diminuindo, precisa aumentar a oferta de saúde, educação, a segurança. Tem sempre uma questão atrelada à vulnerabilidade social, então entendemos que precisávamos aprimorar a gestão como uma forma de vencer tantas crises. Em 2017 também houve problemas, depois tivemos a eleição …

JC - O senhor esteve reunido com o presidente eleito Lula e com a cúpula do PSB e existe uma expectativa de que o senhor possa fazer parte do governo federal. Como foi essa conversa? Houve algum convite direto por parte do presidente Lula?

Câmara - Sempre deixei muito claro, desde esse processo de defesa da candidatura do presidente Lula lá atrás, a importância histórica da vitória dele para a reconstrução do País e sempre defendi que o PSB fosse aliado de primeira hora, como foi. E fomos contemplados com com a indicação do Alckmin dentro de uma costura política muito bem feita.

Nós sabíamos que a partir do momento que nos inserimos na aliança da forma que está sendo feita, a gente tem que ajudar da melhor forma. ]

JC - Em agosto de 2021, o senhor lançou o Plano Retomada, na tentativa de recuperar o tempo perdido com a pandemia, atrair investimentos, gerar empregos e apostar na infraestrutura. Como o senhor entrega o programa, que realizações conseguiu fazer?

Câmara - O Plano Retomada pega um conjunto de ações que nós tínhamos planejado para executar em 2020 e 2021.

A pandemia atrapalhou e tivemos a necessidade de reprogramar as ações para o final de 2021 e 2022.

O Plano prevê a recuperação de todas as estradas de Pernambuco e a grande parte delas está em obras, algumas já foram inauguradas ou já estão com andamento bem avançado. Previa também a questão do abastecimento de água. Na próxima segunda-feira (26), nós estamos entregando uma etapa importante da Adutora do Agreste.

JC - Com esse movimento, o senhor deixa para a governadora eleita, Raquel Lyra, uma condição fiscal melhor do que dispôs em seu governo.

Câmara - Deixo com satisfação, porque lutei muito para não acontecer em Pernambuco o que aconteceu em Estados inclusive fortes do País, como Rio Grande do Sul, Minas Gerais, Goiás, Rio de Janeiro e o vizinho Rio Grande do Norte, que quebraram.

JC - Ao longo da gestão do senhor, Suape teve oito presidentes. O Porto não é um ativo econômico importante demais para passar por tanta descontinuidade?

Câmara - Veja, você não está confundindo presidente com vice-presidente? Tivemos Thiago Norões, que acumulou a secretaria de Desenvolvimento Econômico e o Porto de Suape, depois Marcos Batista ficou quase dois anos. Teve um período de interinidade realmente no final do nosso primeiro governo, com três presidentes, até assumir Leonardo Cerquinho.

Depois entrou Roberto Gusmão que saiu para cuidar de questões pessoais. Os presidentes ficaram, em média, 2 anos em Suape e essa oscilação não afetou nenhum investimento em Suape.

JC - Por que os investimentos foram tão baixos na gestão do senhor? Mesmo com a crise e a pandemia, Estados do Nordeste investiram mais, como Ceará, Bahia e até Alagoas.

Câmara - Quando assumimos o governo, não conseguimos captar recursos com Dilma (Rousseff). No governo Temer, do dia para a noite, ele mudou a metodologia do Capag (capacidade de pagamento), o que fez com que o Estado passasse de Capag B para C.

O Ceará nunca perdeu Capag deles, porque se enquadrou naquelas metodologias. Conseguimos investir uma média de R$ 1 bilhão a R$ 1,5 bilhão por ano, mas sabemos que isso é muito pouco para atender às demandas da população. O ideal seria aplicar R$ 3 milhões por ano.

JC - A taxa de desemprego em Pernambuco até 2014 era de um dígito (8%). Ao longo da gestão do senhor foi para dois dígitos e seguiu escalando com pequenas quedas, até alcançar o recorde de mais de 20% no ano passado, ficando entre as maiores do Brasil. O que provocou essa escalada?

Câmara - Se formos olhar de maneira muito clara, Pernambuco foi um dos estados que melhor aproveitou o bom momento da economia brasileira.

Eduardo teve a competência de trazer essas grandes obras estruturadoras, como Estaleiro, refinaria e indústria de automóveis. Mas também fomos os estados que mais sofreram com a crise foi um baque ali, principalmente na indústria naval.

Essas crises fizeram com que Pernambuco e grande parte do Nordeste sofressem muito com o aumento da taxa de desemprego. E agora estamos fazendo um caminho de volta.

JC - No início, o projeto da Cidade da Copa era menor e tocado pelo governo de Pernambuco. Depois veio a iniciativa privada por meio da Odebrecht. A construção da Arena Pernambuco foi um erro?

Câmara - Isso é uma pergunta que deveria ser feita lá atrás. Porque a pergunta era: quer Copa do Mundo em Pernambuco ou não? Todos foram a favor de ter Copa no Estado e para ela acontecer precisava construir a Arena.

Quando a Seleção Brasileira veio jogar aqui, todos unanimemente disseram que a Arena é a melhor conservada do Brasil. Obviamente, que quando assumimos o governo, vimos que aquele projeto pensado de PPP, diante da crise econômica, não ia se sustentar.

Fizemos a rescisão do contrato para criar uma Cidade da Copa, porque não tinha condições de manter o modelo que estava pensado.

Atuamos para ter um modelo de governança da Arena com parceiros privados. Avançamos na perspectiva desse modelo e a Arena começou a cumprir também um papel importante na atração de eventos e jogos. Não com a regularidade que nós gostaríamos, mas e ter jogos lá.

Veio a pandemia e atrapalhou esse planejamento dos últimos dois anos. Agora ela tá numa outra condição, ou seja, voltou a ter shows internacionais e teve o primeiro show internacional. E tem uma expectativa nos próximos anos de o Sport jogar lá porque o time vai fazer uma grande intervenção na Ilha do Retiro.

JC - Em maio de 2021, houve aquele episódio lamentável de PMs que avançaram contra pessoas que faziam um ato pacífico contra o governo de Jair Bolsonaro, no Centro do Recife. Dois trabalhadores ficaram cegos. Até hoje não houve punição para os policiais já identificados. Por que? E o que foi feito nesse último ano para combater a violência policial?

Câmara - Naquele episódio houve a instauração de todos os inquéritos, pelo que me que consta. Houve punições, alguns vão para a Justiça e não cabe a nós colocar.

Demos assistência às duas vítimas, uma delas, inclusive, não quis fazer acordo, a outra vítima quis, mas os protocolos foram devidamente trabalhados. Tanto é, que tivemos manifestações após aquele episódio e a polícia atuou de maneira muito diferente. Teve alterações de comando também. Foi um fato muito sério e muito grave. Eu espero que não haja mais em Pernambuco ações como aquela. 

Essa cobrança de finalização de inquéritos também é uma demanda que cobramos, mas nós temos legislações que esbarram em prazos legais. As informações da maioria das medidas administrativas já foram finalizadas. Agora, punição de oficial é obrigatoriamente a Justiça que dá.

JC - O Complexo do Curado se transformou em uma vergonha internacional. O CNJ esteve este ano em Pernambuco fazendo exigências. A situação parece intransponível, com criminosos comandando o presídio e a superlotação. Como o senhor tratou o problema ao longo dos seus mandatos.

Câmara - A questão da superlotação, nós buscamos abrir vagas e fizemos. Nós vamos praticamente dobrar o número de vagas quando tivermos a conclusão (das unidades prisionais) de Araçoiaba e Itaquitinga.

O Curado é um presídio de uma década lá atrás e foi feito dentro de um padrão de segurança diferente. Foi se ajustando ao tempo.

A velocidade com que se prendeu e a velocidade da construção de vagas não seguiu o mesmo ritmo, tanto é que tantas intervenções precisaram ser feitas e nós chegamos no limite do Curado. Por isso, precisou fazer essa intervenção que estamos fazendo, porque o limite chegou no momento em que poderíamos fazer os investimentos. Tanto que estão sendo gastos R$ 82 milhões, além de dar um novo formato.

Agora é um sistema prisional, a questão é complexa. Eu participei das reuniões do CNJ com a agora presidente do STJ, a ministra Maria Thereza, e ficou muito claro que tem uma cadeia que precisa ser resolvida.

Nós estamos resolvendo questões estruturais do presídio, mas ainda tem 60%, 70% dos nossos presos que são provisórios. E isso também precisa de um tratamento por parte do Ministério Público, do Poder Judiciário, que também estão atuando decisivamente para termos um horizonte melhor para frente.

Esse é um desafio que com certeza vai continuar persistindo em Pernambuco, porque há uma relação direta de aprofundamento de violência com aumento de prisões, enquanto há uma diminuição, vai haver uma estabilidade, mas se lá na frente houver aumento, vai precisar prender mais. Temos que estar preparados para essa dinâmica do sistema prisional.

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