O retorno do presidente da República, Luiz Inácio Lula da Silva (PT), a Pernambuco, nesta quarta-feira (22), foi marcado por anúncios importantes, que vão contemplar o estado em diversas áreas, mas sobretudo por sua postura conciliadora.
Último a se pronunciar durante o evento de relançamento do Programa de Aquisição Alimentar (PAA) e recriação do Conselho Nacional de Desenvolvimento Rural Sustentável, realizado no Geraldão, Lula dispensou o discurso escrito em que falaria sobre as outras medidas anunciadas na mesma ocasião.
O motivo do "improviso" foram as sucessivas vaias direcionadas à governadora de Pernambuco, Raquel Lyra (PSDB). Enfermeiros, auxiliares e técnicos de enfermagem ocuparam as arquibancadas para cobrar o pagamento do piso salarial da categoria e não pouparam reações negativas à chefe do Executivo, principalmente quando seu nome era mencionado durante a cerimônia.
"Se tem uma coisa que aprendi na vida foi conviver e aprender a compreender as angústias das pessoas. Eu acho que, quando vocês estavam vaiando a governadora, vocês estavam me vaiando porque ela não está aqui porque ela quer estar aqui. Ela está aqui porque foi convidada por nós", disparou o presidente da República.
Lula deixou claro que Raquel Lyra não é sua inimiga, mas sua adversária política. E que as pessoas que se sentem na liberdade de vaiar uma governante deveriam ter vaiado o ex-presidente Jair Bolsonaro (PL) durante os quatro anos que ele esteve à frente da presidência.
Nas eleições do segundo turno, a então candidata a governadora pelo PSDB adotou um posicionamento neutro - sem declarar apoio tanto a Lula quanto a Bolsonaro. Entretanto sua proximidade com partidos como o PL, mesma sigla do ex-presidente, é alvo constante de críticas feitas pela oposição, que tenta associá-la ao bolsonarismo.
“A governadora pode ser nossa adversária política, mas ela é governadora do Estado. Ela foi eleita, e vou respeitá-la como governadora do Estado. Aqui virei tantas vezes quanto forem necessárias, cuidar dos interesses do povo de Pernambuco, pelas mãos dela [Raquel Lyra], pelas mãos do João [Campos], e dos outros prefeitos. É assim que rege o espírito de tudo que nós construímos na democracia desse país", disse Lula.
Ele lamentou que os anúncios trazidos por ele e uma comitiva formada por 10 ministros tenham ficado "pequenos diante da necessidade de vaiar a governadora".
Após a assinatura da homologação do acordo de compartilhamento da gestão do Arquipélago de Fernando de Noronha, em solenidade realizada no Palácio do Campo das Princesas, Lula chegou ao Geraldão acompanhado da primeira dama Janja Lula da Silva, do prefeito do Recife, João Campos (PSB), e da governadora de Pernambuco, Raquel Lyra.
Em aceno ao público, ele fez questão de que todos que estavam no palco - ministros, parlamentares e autoridades - dessem as mãos e as levantassem, em um claro gesto de unidade institucional.
As cobranças também foram feitas diretamente ao presidente da República. Enfermeiros e técnicos de enfermagem, em diversos momentos do evento, pediram que Lula assinasse a Medida Provisória para disciplinar o pagamento do piso salarial.
Pela primeira vez, o presidente da República disse como pretende pagar o piso, mas voltou a pedir paciência à categoria. Ele ressaltou que é preciso “respeitar ritos”, em referência à espera da decisão do ministro Luís Roberto Barroso, do Supremo Tribunal Federal (STF).
O ministro Barroso suspendeu em 2022 a aplicação do piso, por entender que havia necessidade de entes públicos e privados da área da saúde esclarecerem o impacto financeiro, para não haver comprometimento dos serviços de saúde.
“A gente vai tomar a decisão de subsídio para pagar parte do pagamento do piso nas Santas Casas. A única coisa que eu não posso é tomar decisão com um processo na Suprema Corte. Nosso ministro da Casa Civil foi ao gabinete de Barroso para conversar e tentar falar com ele para liberar o governo de tomar a decisão”, disse Lula.
Antes do pronunciamento de Lula, a governadora Raquel Lyra (PSDB) iniciou sua fala enaltecendo os ex-governadores Miguel Arraes, Eduardo Campos, o seu tio e ex-ministro Fernando Lyra, e defendendo a democracia.
Foram pouco mais de cinco minutos de discurso, feito sob ininterruptas vaias . "Não vivemos um momento fácil em Pernambuco, estamos há 82 dias no governo do Estado. Muita coisa precisa ser feita, mas muitas delas têm a ver com combater a desigualdade e a fome em Pernambuco", afirmou.
Ao finalizar, Raquel se dirigiu diretamente ao presidente Lula, assegurando que também iria governar para aqueles que estavam virados de costas em protesto.
"Estarei em cada recanto do nosso estado, e que cada política lançada pelo senhor aqui será a nossa política pública para chegar na vida da população. Nós vamos enfrentar a desigualdade, não com vaias, mas com muito amor. Vamos enfrentar a fome, não com vaias, mas com muito trabalho", declarou.
Em um gesto de solidariedade, o presidente Lula acompanhou todo o discurso de Raquel Lyra em pé, ao seu lado. O mesmo gesto também foi repetido pelos demais presentes no palco. Todos aplaudiram e cumprimentaram a governadora de Pernambuco.
O prefeito do Recife, João Campos (PSB), também foi vaiado durante o evento presidencial. Representantes da educação cobram ao prefeito a aplicação do reajuste do piso salarial a todas as faixas salariais dos professores da rede pública de ensino.
Esta quarta-feira (22) foi o dia em que, em todo o País, entidades sindicais protestaram pela garantia da aplicação do piso salarial.
Assim como Raquel Lyra, sempre que o nome de João Campos era mencionado, ouviam-se vaias e havia protestos entre os manifestantes presentes nas arquibancadas no Geraldão. Primeiro a discursar durante a cerimônia, o gestor fez uma saudação direta a todas as entidades de classe, sindicatos e funcionários públicos reunidos.
"A luta que nós temos é uma luta conjunta, reconhecendo o papel fundamental de todos e todas", iniciou. Por um breve momento, João Campos precisou interromper sua fala, mas retomou em seguida afirmando que a Prefeitura do Recife está aberta ao diálogo na mesa de negociação.
Inclusive, não passou despercebido o espaço que o prefeito do Recife teve ao lado de Lula nesta quarta-feira. João Campos acompanhou a comitiva oficial do presidente na agenda que ele cumpriu na Paraíba. Em seguida, esteve com o presidente no almoço oferecido pela governadora de Pernambuco, Raquel Lyra, no Palácio do Campo das Princesas.
Para o presidente estadual do PSB, Sileno Guedes, o presidente Lula deu a maior demonstração de que era preciso unir o Brasil "em torno daquilo que colocava a democracia em risco". "O exemplo que foi dado pelo presidente Lula na campanha é o que o que está nos movendo hoje, o PT e o PSB, para a gente construir uma unidade, a exemplo da unidade nacional", disse.
Por outro lado, o deputado estadual João Paulo (PT) disse que não há uma vinculação entre a participação do PT no governo de João Campos, ocupando duas secretárias - Meio Ambiente, sob a titularidade de Oscar Barreto, e Habitação, comandada por Ermes Costa -, com uma futura composição para as eleições municipais de 2024.
"Isso pode ocorrer, mas essa participação não significa uma composição para a disputa da Prefeitura do Recife, até porque nós estamos numa federação que o PSB não está. Estamos numa federação que tem o PV e o PCdoB", ponderou o parlamentar.
Convidado pelo presidente Lula para assumir a presidência do Banco do Nordeste, o ex-governador Paulo Câmara (sem partido) esteve presente na cerimônia de lançamento do novo PAA. Em um determinado momento da solenidade, ao descer do palco, Lula foi visto cumprimentado o ex-vice-presidente nacional do PSB.
Quem também esteve presente foi o ex-deputado federal e ex-candidato a governador de Pernambuco Danilo Cabral. Nos bastidores, a informação é de que tanto Paulo quanto Danilo não teriam sido convidados pelo PSB, mas pela cúpula do Partido dos Trabalhadores, para estarem presentes no evento.
Questionado sobre o assunto, Sileno Guedes explicou que a agenda do presidente Lula em Pernambuco foi organizada pelo Palácio do Planalto e que contou com a parceria da Prefeitura do Recife. "Danilo é membro da Executiva Nacional do partido. Não procede essa informação, Danilo está no coração e na mente da gente o tempo todo", disse.
O ex-deputado chegou a participar da equipe de transição do presidente Lula, mas ainda não foi contemplado com nenhum espaço no governo federal.