O Congresso instalou a Comissão Parlamentar Mista de Inquérito (CPMI) dos Atos Golpistas, que vai investigar os ataques às sedes dos três Poderes no dia 8 de janeiro. A primeira sessão do colegiado foi usada para eleger os cargos da mesa diretora. A presidência ficou com o deputado Arthur Maia (União Brasil-BA), do grupo político do presidente da Câmara, Arhur Lira (PP-AL). A relatoria ficou com a senadora governista Eliziane Gama (PSD-MA), aliada do ministro da Justiça, Flávio Dino.
"Nós temos que fazer aqui uma investigação do que de fato aconteceu no dia 8 de janeiro. Essa comissão estará prestando um serviço à democracia, porque não é razoável que nós tenhamos vivido aqui o que aconteceu no dia 8 de janeiro, com a invasão das sedes dos três Poderes", disse Maia em seu discurso de abertura dos trabalhos.
O presidente da comissão mista cobrou dos deputados e senadores "mediação e respeito" durante a investigação parlamentar. Maia ainda disse que eventuais obstruções dos trabalhos do colegiado vão causar "um dano enorme".
Ainda de acordo com o deputado do União Brasil, diante do fato de haver "narrativas" distintas sobre os protestos violentos em Brasília, "todos serão igualmente respeitados" pela presidência da CPMI e terão "os mesmos direitos".
Segundo Maia, enquanto uns afirmam que foi orquestrado um golpe para interromper a democracia, outros dizem que houve omissão no enfrentamento dos radicais.
A relatora Eliziane Gama afirmou, por sua vez, que "houve uma tentativa de golpe, mas não conseguiram". "Um fato é claro: todos aqui somos contra aquilo que aconteceu, independentemente de ser base ou oposição. Queremos garantir, no Brasil, a democracia cada vez mais forte e firme", defendeu a senadora.
Encerrada a sessão, a relatora afirmou que pretende dar prioridade às investigações sobre mentores e financiadores dos atos golpistas.
Eliziane ainda disse que vai solicitar documentos para pautar as depoimentos. "Eu, como relatora, vou buscar a informação no sentido de saber quem estava por trás do financiamento e da autoria intelectual", afirmou.
Apesar de ter a senadora do PSD como aliada, o governo do presidente Luiz Inácio Lula da Silva queria que a relatoria da comissão ficasse com os senadores Eduardo Braga (MDB-AM) ou Renan Calheiros (MDB-AL), mas os dois desistiram do cargo.
Parlamentares da oposição ao governo Lula ocupam 11 das 32 vagas da CPI Mista. Fazem parte desta lista aliados do ex-presidente Jair Bolsonaro (PL), como a senadora Damares Alves (Republicanos-DF) e o ex-diretor-geral da Agência Brasileira de Inteligência (Abin), deputado Alexandre Ramagem (PL-RJ). Dos 32 integrantes do colegiado (16 deputados e 16 senadores), governistas calculam que conseguem indicar 20 nomes.
A primeira sessão da CPMI dos Atos Golpistas foi marcada por bate- boca entre apoiadores do governo e representantes da oposição a Lula. O senador Marcos do Val (Podemos-ES) apresentou questão de ordem contra o nome de Eliziane para relatar os trabalhos do grupo. Ele argumentou que a senadora tem proximidade com o ministro da Justiça, que, segundo o senador, deveria ser um dos investigados.
O presidente temporário do grupo até a eleição da mesa diretora, senador Otto Alencar (PSD-BA), acusou Do Val de tumultuar os trabalhos da CPMI e disse que a comissão não será tratada como "delegacia". Alencar, que integra a base do governo, foi aplaudido.
Ainda houve um embate entre a deputada Erika Hilton (PSOL-SP) e seu colega de Casa Abilio Jacques (PL-MT). A parlamentar o acusou de interromper a fala dos integrantes do colegiado e cobrou a expulsão de Jacques da sala.
A instalação da CPI Mista se arrastou durante meses. O requerimento de criação do grupo foi apresentado em fevereiro, mas a leitura do documento pelo presidente do Senado, Rodrigo Pacheco (PSD-MG), só ocorreu no dia 26 de abril.
Recuo
Nos últimos meses houve tentativas de governistas e oposicionistas de postergar as investigações diante de fatos que desgastaram tanto Lula quanto Bolsonaro. O ex-presidente é investigado pelo Supremo Tribunal Federal (STF) por suspeita de atuar como mentor das manifestações que resultaram na invasão e depredação do Palácio do Planalto, do Congresso e do STF.
O Planalto queria postergar o início da CPMI por acreditar que o colegiado poderia atrapalhar a aprovação do arcabouço fiscal na Câmara e no Senado. O governo Lula foi contra a instalação da comissão sob o argumento de que investigações parlamentares poderiam desgastar o Executivo federal. O grupo do presidente, porém, teve de recuar após a queda do então chefe do Gabinete de Segurança Institucional (GS), general G. Dias, flagrado no palácio no dia 8 de janeiro.