NÚCLEO BOLSONARISTA

Investigação relata conspiração golpista de Bolsonaro e militares de alta patente

A investida da PF que atingiu Bolsonaro e um núcleo de aliados próximos ocorreu nove dias após o vereador do Rio Carlos Bolsonaro (Republicanos), filho do ex-presidente, ser alvo de operação

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Estadão Conteúdo

Publicado em 08/02/2024 às 21:00
O ex-presidente foi proibido de manter contato com os demais investigados e seu passaporte, que estava na sede do PL, em Brasília, foi apreendido - MAURO PIMENTEL / AFP

O ex-presidente Jair Bolsonaro (PL) e ex-integrantes de seu governo foram alvo ontem de operação da Polícia Federal que investiga uma "organização criminosa" suspeita de atuar em tentativa de golpe de Estado e abolição do estado democrático de direito, além de ataques virtuais a opositores e a instituições. Batizada de Operação Tempus Veritatis (hora da verdade, em latim), a ação policial determinada pelo ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) Alexandre de Moraes implicou oficiais militares de alta patente que integravam o primeiro escalão da administração Bolsonaro ou ocupavam postos na cúpula das Forças Armadas.

Nos mandados de busca expedidos, foram citados o general Braga Netto (ex-ministro da Defesa e da Casa Civil e candidato a vice-presidente na chapa à reeleição de Bolsonaro), o general Augusto Heleno (ex-ministro-chefe do Gabinete de Segurança Institucional), o general Marco Antônio Freire Gomes (ex-comandante do Exército), o general Paulo Sérgio Nogueira (ex-comandante da Força e ex-ministro da Defesa), o almirante Almir Garnier (ex-comandante da Marinha) e general Estevam Theophilo (ex-chefe do Comando de Operações Terrestres do Exército).

Agentes da PF cumpriram diligência na casa de Bolsonaro em Angra dos Reis (RJ). O ex-presidente foi proibido de manter contato com os demais investigados e seu passaporte, que estava na sede do PL, em Brasília, foi apreendido.

PARTICIPAÇÃO DE BOLSONARO

As investigações atribuem ao ex-presidente participação direta na edição de uma minuta golpista que circulou entre seus aliados após o segundo turno da eleição presidencial - quando ele foi derrotado por Luiz Inácio Lula da Silva (PT). O objetivo seria obstruir o resultado eleitoral desfavorável ao mandatário.

Conversas encontradas no celular do tenente-coronel Mauro Cid, ex-ajudante de ordens da Presidência, sugerem que Bolsonaro ajudou a redigir e editar o documento. Em mensagens trocadas com o general Freire Gomes, então comandante do Exército, em dezembro de 2022, Cid afirma que Bolsonaro "enxugou" o texto. "Fez um decreto muito mais resumido", escreveu o então ajudante de ordens. "Algo muito mais direto, objetivo e curto, e limitado "

A versão inicial do rascunho previa, além de novas eleições, a prisão de autoridades, como os ministros do STF Gilmar Mendes e Alexandre de Moraes, e o presidente do Senado, Rodrigo Pacheco (PSD-MG). Segundo a PF, por sugestão de Bolsonaro, apenas o decreto de prisão de Moraes foi mantido. As mensagens foram trocadas após uma reunião de oficiais supostamente aliados ao plano golpista em Brasília, no final de novembro de 2022.

CODINOME ‘PROFESSORA’

Segundo a investigação, já havia até data para a prisão de Moraes. O documento aponta que no "planejamento operacional descrito pelo General Vírgilio (Laércio Virgílio, general de brigada reformado), a prisão desse relator seria executada no dia 18/12/2022, em sua residência em São Paulo".

Conforme o despacho que autorizou a operação da PF, aliados do ex-presidente monitoravam a agenda e os deslocamentos do ministro do Supremo. Ao reproduzir diálogo entre Marcelo Câmara, ex-assessor especial de Bolsonaro, e Cid, a PF aponta que o codinome "professora" foi utilizado para fazer referência a Moraes. Nas conversas, a dupla - que fazia parte de um núcleo de inteligência formado por assessores próximos ao presidente - citava compromissos, em que cidade a pessoa estava e até dados de geolocalização.

A operação da PF de ontem é um desdobramento de investigações e da colaboração premiada de Cid. O ex-ajudante de ordens da Presidência disse à PF que Filipe Martins - então assessor especial de Assuntos Internacionais do governo - foi o responsável por entregar nas mãos de Bolsonaro a "minuta de golpe de Estado". Com a minuta, diz Cid, o ex-presidente teve a iniciativa de levar o documento à alta cúpula das Forças Armadas e discutiu com os comandantes a aplicação do plano.

Martins e Câmara foram presos na ação policial. Os agentes federais prenderam também Rafael Martins de Oliveira, major das Forças Especiais do Exército. As prisões são preventivas.

RASCUNHO DE PRONUNCIAMENTO

Durante a diligência na sede do Partido Liberal, a PF encontrou na sala do ex-presidente um documento que pode implicá-lo ainda mais numa possível estratégia para a ruptura institucional. A suspeita é que se tratava de um rascunho de pronunciamento que Bolsonaro iria fazer à Nação, em rede nacional, detalhando os motivos e argumentos para a decretação de um estado de sítio e uso da Garantia da Lei e da Ordem (GLO). O documento aumenta as suspeitas sobre a participação do ex-presidente em articulações golpistas, em suposto conluio com oficiais de alta patente das Forças Armadas.

Também alvo da Operação Tempus Veritatis, o presidente do PL, Valdemar Costa Neto, foi preso em flagrante por porte ilegal de arma de fogo. Os policiais também apreenderam uma pepita de ouro de 39,18 gramas com o dirigente.

VÍDEO QUE IMPLICA BOLSONARO

A PF também encontrou, em um computador apreendido com Mauro Cid, a gravação de uma reunião entre Bolsonaro, seus ministros e assessores, em julho de 2022. Na ocasião, o presidente cobra dos auxiliares iniciativas para desacreditar as urnas eletrônicas. "Eu vou entrar em campo usando o meu Exército, meus 23 ministros", afirma o ex-presidente na reunião.

De acordo com a investigação da PF, participaram do encontro os então ministros Anderson Torres (Justiça), Augusto Heleno, Paulo Sérgio Nogueira e Braga Netto. A reunião tinha como finalidade cobrar dos presentes "conduta ativa na promoção da ilegal desinformação e ataques à Justiça Eleitoral", diz a investigação

A investida da PF que atingiu Bolsonaro e um núcleo de aliados próximos ocorreu nove dias após o vereador do Rio Carlos Bolsonaro (Republicanos), filho do ex-presidente, ser alvo de operação que apura suspeita de uso indevido da estrutura da Agência Brasileira de Inteligência (Abin). Um dos endereços abordados foi a mesma casa de veraneio de Bolsonaro, em Angra dos Reis, onde Carlos estava com o pai.

Em entrevista à Coluna do Estadão, Bolsonaro disse não saber o motivo da ser alvo da operação da PF de ontem. "Vamos buscar acesso ao inquérito, do que se trata. Por enquanto está uma incógnita aqui. Não tenho acesso ao que é, qual o motivo da busca e apreensão e o que está sendo investigado", afirmou o ex-presidente. "Me perseguem o tempo todo."

O advogado Fábio Wajngarten, ex-chefe da Secretaria de Comunicação Social do governo Bolsonaro, que agora defende o ex-presidente, disse que o documento encontrado na sede do PL é "apócrifo" e que o padrão "não condiz com tradicionais e reconhecidas falas e frases" de Bolsonaro. "Não tem limite a vontade de tentar trazer o presidente Jair Bolsonaro para um cenário político que ele jamais concordou", afirmou Wajngarten.

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