O PIX e como o Governo Federal teve que se render a um influencer das redes sociais
Fábula da galinha e da pata é bem peculiar para mostrar os dois lados da moeda de um acontecimento que chacoalhou mundo político e digital brasileiro

Há uma fábula muito conhecida a respeito do marketing pessoal da galinha e da pata. Ela mostra que a galinha põe um ovo e já sai a carcarejar, chamando a atenção sobre seu produto que faz o maior sucesso no mercado. Já pata não faz barulho depois de pôr seus ovos e o resultado é que quase ninguém se interessa pelo ovo da pata, que é bem maior e mais nutritivo. Neste quesito, a galinha ganha de 10 a 0.
Esse exemplo é bem peculiar para mostrar os dois lados da moeda de um acontecimento que chacoalhou o mundo político e digital brasileiro na semana passada e causou pânico nos milhões de trabalhadores informais do País, obrigando o Governo Lula a desistir de fiscalizar as operações do PIX a partir do valor de R$ 5 mil mensais para pessoas físicas e R$ 15 mil para pessoas jurídicas.
Ataque instantâneo
Como um rastilho de pólvora, as novas normas sobre o PIX, que entraram em vigor em 1º de janeiro mas ficaram no anonimato da grande massa de trabalhadores durante uma semana, foram “vendidas” pelo Governo na sua comunicação analógica, que quase ninguém vê, através de explicações técnicas do Banco Central. Até que a oposição, que está anos-luz à frente neste quesito, como a galinha está da pata, colocou a boca no trombone e liquidou em 48 horas todo o esforço governamental.
Um único influencer bolsonarista, o deputado federal Nikolas Fereira (PL de Minas Gerais) pôs no chão a comunicação governamental com um vídeo de pouco mais de 4 minutos visto em pouco tempo por 250 milhões de brasileiros. Resultado: o Governo se rendeu e revogou as medidas, fortalecendo os opositores ao ponto de Nikolas ter parado o trânsito esta quinta-feira em governador Valadares, onde mora em Minas, ao descer do carro para tomar um café na padaria.
Nos meios políticos, já se comenta que se ele tivesse idade – tem apenas 28 anos – sairia dessa exposição como candidato a presidente em 2026 (a idade mínima para se candidatar a presidente é 35 anos). O novo ministro das Comunicações, Sidônio Palmeira, já tomou posse com a confusão criada e propôs um vídeo para tentar rebater a oposição; mas o próprio Lula – inicialmente disposto a manter as medidas – se rendeu quando foi convencido de que não havia mais nada a fazer e autorizou a revogação das normas.
Era fake news?
Da forma como a oposição explicou o assunto nas redes sociais – que o Governo batizou de fake news mas poucas mensagens poderiam ser consideradas como tal, incluindo a mais importante, de Nikolas Ferreira – qualquer um dos 38% dos brasileiros que vivem na informalidade compreenderia num piscar de olhos que se movimentasse mais de R$ 5 mil mensais pelo PIX, correria o risco de ser enquadrado pela Receita.
Afinal, para que a Receita queria a informação se não fosse para cobrar imposto? Esse foi o raciocínio simples que ganhou as rodas de conversa no País, levando até barraqueiros de praia e vendedores de gás na periferia a exigir pagamento em dinheiro quando ninguém mais tinha moeda disponível.
Que explicação governamental pode vencer um pânico deste nível num país que se acostumou, desde que o PIX foi criado, a fazer quase todos os pagamentos, inclusive de flanelinhas, via digital? E a não carregar mais cédulas ou moedas, fugindo de assaltos e da insegurança que permeia as cidades brasileiras?.
O PIX juntou a fome com a vontade de comer, caiu no gosto popular, e Lula não tinha outra coisas a fazer senão liquidar com o assunto para revolta de alguns petistas como o deputado federal petista Zeca Dirceu que escreveu nas redes sociais: “estou com paciência zero após o recuo sobre o PIX”.
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Além de queda, coice
Afinal, não foi fácil para o PT passar parte do dia de quarta e toda quinta-feira vendo e ouvindo gozações pelas redes sociais e pela mídia tradicional. No “X” o ex-presidente do NOVO, João Amoedo, resumiu assim as consequências : “o Governo acaba de dividir os brasileiros em três grupos. Os que concluem que o Governo é fraco e refém das fake news; os que concluem que temos um Governo fraco e mentiroso pois não se tratava de fake news; e aqueles que acham que o Governo é fraco e mentiroso”.
Em outras palavras foi isso o que disseram, os analistas políticos nacionais. O jornalista Fernando Gabeira afirmou que o Governo “errou no início e no fim” e explicou que não se poderia acusar a oposição de exploração política do fato, lembrando que “era isso que o PT fazia quando estava na oposição”. Para Gabeira, independente de fake news, o que oposição fez foi usar seu poder nas redes sociais para criticar um ação governamental. No caso de Nikolas, ele em nenhum momento falou em taxação do PIX. Disse apenas que na época das blusinhas chinesas, o Governo disse que não ia taxar e acabou fazendo isso.
Faltou sinceridade
A saída, para quase todos os analistas, teria sido o Governo explicar desde o início que o controle maior do PIX era para evitar a sonegação e encontrar uma saída para acalmar o trabalhador informal, inclusive o orientando adequadamente. Eles ficaram sem saber como agir para receber no PIX até valores superiores a R$ 5 mil que não ficavam no bolso deles, pois compram para revender, pagando a outros pela mercadoria, e entraram em parafuso.
E para tristeza do Governo, como a galinha que sabe vender os ovos que põe, a oposição ainda faturou mais em cima da desgraça governamental. Disse que foi ela que derrubou a proposta de Lula e não o presidente.
Além de todos os vexames que enfrentou, o Governo acabou atacado exatamente no momento em que está tentando virar a chave da sua comunicação. Afinal, o episódio demonstrou que não é todo dia que se encontra um influencer como Nikolas Ferreira, que já bateu o próprio presidente em seguidores no Instagram, e defende com unhas e dentes as causas nas quais acredita. Sem esse tipo de comunicador, a Internet por si não vai conseguir fazer milagre.
Outro erro é imaginar que os técnicos digitais do prefeito João Campos vão conseguir transformar o presidente em um ás no Tik Tok – a rede que catapultou o prefeito - ou no Instagram, embora Lula, com o todo respeito, já tenha o cabelo nevado, que João Campos usou, com sucesso, no carnaval.