Um vídeo publicado no YouTube afirma que o número de mortes por covid-19, doença causada pelo novo coronavírus, é menor do que o divulgado pelas autoridades brasileiras. O autor do conteúdo atribui a informação a uma reportagem da Record TV que teria revelado a “fraude” e também o registro de mortes por pneumonia como sendo de covid-19. As afirmações são, no entanto, falsas. As mortes confirmadas pelo novo coronavírus só entram na estatística após o resultado positivo do teste.
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O vídeo foi publicado em 25 de maio no canal de Youtube “Giro de Notícias” por um homem chamado Alberto Silva, que se identifica como apresentador. Nas redes sociais e no próprio YouTube, Silva diz ter um canal de “jornalismo independente”. Com 1,15 milhão de inscritos, o canal faz críticas ao STF, defende o presidente da República, Jair Bolsonaro, e a intervenção militar.
Uma matéria do jornal O Globo, publicada neste domingo (31), mostra que o canal Giro de Notícias é um dos veículos conhecidos por divulgar notícias falsas abastecidos por verbas publicitárias de estatais. O canal, inclusive, foi o que mais veiculou anúncios da Petrobras, com 10.027 anúncios. O youtuber faturou em dose dupla com a Eletrobras. O “Giro de Notícias” veiculou 2.355 anúncios da estatal. Já seu canal pessoal, “Alberto Silva”, recebeu 1.950.
O Comprova verifica conteúdos que tenham grande repercussão nas redes sociais. No caso da pandemia, conteúdos falsos ou enganosos têm o potencial de provocar prejuízos à saúde de pessoas e à saúde pública, por incentivarem comportamentos danosos.
Este vídeo se insere em um grupo de conteúdos que tem como objetivo minimizar a extensão da pandemia e, portanto, a gravidade da situação pela qual passa o mundo e, em particular, o Brasil.
Quando da chegada da pandemia ao país, em março, o presidente Jair Bolsonaro fez diversos comentários que tinham o objetivo de minimizar os efeitos do novo coronavírus. Desde então, páginas e perfis de apoiadores têm insistido nessa estratégia. Recentemente, o Comprova verificou conteúdos que, de maneira falsa ou enganosa, tentavam reduzir o impacto da pandemia usando números de mortes registradas em cartório, de sepultamentos em um cemitério de São Paulo e o resultado de autópsias na Itália.
O Comprova entrou em contato com Alberto Silva pelo número de telefone divulgado no vídeo. Em três tentativas por WhatsApp, foi solicitado o link da reportagem da Record TV à qual ele se referia. O apresentador não respondeu às mensagens e ligação.
Além disso, o Comprova buscou, sem sucesso, reportagens da Record TV disponíveis no site da emissora que trouxessem alguma referência a uma “farsa” nos números das mortes por covid-19. A Record TV também foi procurada, mas não se pronunciou.
Procuramos também o Ministério da Saúde para entender como funciona a confirmação de casos e mortes por covid-19, com a intenção de entender as diretrizes e protocolos.
Por fim, foram entrevistados dois pneumologistas para explicar a relação da pneumonia com a covid-19.
No vídeo verificado, Alberto Silva diz que uma reportagem da Record TV teria denunciado uma fraude na contagem de mortos por covid-19 no Brasil. Segundo ele, nem toda pessoa cujo óbito entra para as estatísticas da doença morreu devido ao novo coronavírus. Silva, inclusive, insinua que todas as mortes por pneumonia estariam sendo diagnosticadas como covid-19.
“A pessoa tem um infarto, covid-19, a pessoa cai de um andaime, covid-19, a pessoa é atropelada, covid-19. A reportagem mostrou então que o nosso pico de informações pode ser possivelmente que não seja nem a metade do que eles estão anunciando. Estamos na casa de 22, 23 mil pessoas falecidas pelo covid-19, mas se forem descartadas as pessoas que não testaram, a gente não chega nem a 5 mil”, afirma Alberto no vídeo.
Durante a apresentação, Silva afirma que não poderia compartilhar o link da reportagem porque poderia ser banido do YouTube. Assim, o Comprova entrou em contato com ele solicitando o link da reportagem. Silva visualizou a mensagem, mas não respondeu.
O Ministério da Saúde, por sua vez, contesta a alegação. A pasta informou, por nota, que os números divulgados diariamente de casos e óbitos por covid-19 são informados pelos estados ao ministério por meio do Sistema de Informação da Vigilância Epidemiológica da Gripe (SIVEP-Gripe). Os casos de óbitos são confirmados pelo teste RT-PCR realizado nos pacientes antes do óbito. Até domingo (31), o Brasil registrava 29.314 mortes confirmadas.
A pasta esclareceu ainda que os dados de óbitos em investigação são os casos de pacientes que fizeram o teste e, até a data do óbito, não tinham resultado confirmado ou foram diagnosticados por critérios clínicos epidemiológicos. Após o óbito, esses casos continuam a ser investigados para confirmar a causa da morte.
A Record TV também foi procurada para comentar o vídeo, mas até o fechamento desta verificação, na sexta-feira (29), não havia respondido.
A secretaria de Estado de Saúde de São Paulo também informou, por nota, que a confirmação da morte ocorre apenas se o teste de PCR comprovar a infecção pelo novo coronavírus, com diagnóstico por laboratórios já validados na rede de saúde.
No vídeo verificado, o apresentador afirma que pessoas diagnosticadas com pneumonia estariam sendo registradas como doentes por covid-19. O Comprova decidiu, então, verificar a relação entre as doenças.
Um dos principais fatores de morte por covid-19 é a Síndrome Respiratória Aguda Grave (SRAG). Essa complicação também é observada em pacientes com pneumonia. De acordo com especialistas, a pneumonia é uma inflamação no pulmão que pode ser causada tanto por vírus quanto por bactérias.
O médico pneumologista Valderio do Valle Dettoni, professor de medicina da Universidade Federal do Espírito Santo (Ufes), explica que a covid-19 pode ocasionar um quadro de pneumonia, mas não é a única doença capaz de fazer isso porque há outros vírus e bactérias com a mesma capacidade. Dettoni esclareceu, ainda, que nem todas as pessoas com o novo coronavírus irão desenvolver a inflamação no pulmão.
“Tem muita gente com o novo coronavírus no organismo que não vai apresentar sintomas ou a doença poderá vir de forma leve”, disse ele. “A pneumonia é uma inflamação no pulmão, a complicação do quadro é que pode levar à Síndrome Respiratória Aguda Grave (SRAG), causadora da maioria das mortes por covid-19”, explica.
A pneumologista Karina Tavares Oliveira, médica da Unimed no Espírito Santo, acrescenta que a covid-19 também pode levar à morte por outros motivos. “A pessoa pode desenvolver a pneumonia e, com um pouco mais de tempo, consegue resolver a infecção no pulmão. Entretanto, o agravamento da doença pode desenvolver outras comorbidades causadoras da morte, ou seja, a pneumonia não será a fonte primária”, destacou.
O vídeo foi publicado em um momento de contínua tensão política no Brasil sobre a covid-19. Como destacado anteriormente, o presidente Jair Bolsonaro, defensor do retorno à normalidade, vem tentando minimizar a pandemia do novo coronavírus, assim como muitos de seus apoiadores. Na mais famosa declaração com este teor, Bolsonaro afirmou que a covid-19 era uma gripezinha.
Bolsonaro quer a retomada de todas as atividades econômicas no país. Essa visão contraria as orientações da Organização Mundial da Saúde (OMS) que, para países sem capacidade de testar, rastrear e isolar as pessoas com covid-19, recomenda políticas de distanciamento social para evitar a disseminação do novo coronavírus e, consequentemente, o aumento do número de casos da covid-19.
Por outro lado, os governos estaduais mantêm o isolamento em seus territórios, mesmo trabalhando para reabrir determinados setores. De acordo com a decisão do Supremo Tribunal Federal (STF), em casos de saúde pública, como a pandemia de covid-19, não há hierarquia entre os entes da federação. Ou seja, um decreto federal não vale mais que um estadual. Na ocasião, o ministro Alexandre de Moraes criticou a falta de atuação do governo federal na coordenação do combate à pandemia.
O vídeo publicado no YouTube no dia 25 de maio teve mais de 220 mil visualizações até sexta-feira (29). Já no Facebook, o conteúdo teve 9,3 mil curtidas e 6,1 mil compartilhamentos, tendo sido comentado por mais de 900 pessoas.