É falsa a informação que tem circulado nas redes sociais sobre uma redução de 90% no número de mortes por covid-19 depois que a Polícia Federal deflagrou uma operação no Ceará. Uma imagem publicada em um perfil pessoal no Facebook no dia 27 de maio afirma que, em dois dias, o número de óbitos do estado pelo novo coronavírus teria caído 90%. A postagem diz ainda que a Polícia Federal seria o “remédio infalível” para a redução.
De fato, a PF deflagrou uma operação, chamada de “Dispnéia”, no Ceará, no dia 25 de maio, para apurar superfaturamento na compra de respiradores para o município de Fortaleza. A ação aconteceu em parceria com o Ministério Público Federal e a Controladoria-Geral da União.
Dados do Ministério da Saúde e da Secretaria de Saúde do Ceará apontaram, de fato, para uma redução no número de mortes entre a data da operação da PF e a publicação. Mas nada próximo da queda de 90% apontada no post, como mostram os números abaixo.
O Comprova investiga conteúdos suspeitos publicados nas redes sociais sobre o novo coronavírus e a covid-19 que tenham grande viralização. A postagem original, cujo conteúdo está sendo checado, foi compartilhada 13 mil vezes no Facebook antes de ser apagada.
Muitos conteúdos duvidosos sobre a covid-19 fazem parte de narrativas usadas em disputas políticas e podem direta ou indiretamente levar as pessoas a minimizar os efeitos da pandemia e relaxar os cuidados com a higiene pessoal, uso de máscaras e o distanciamento social, medidas importantes para conter a transmissão do novo coronavírus.
O conteúdo investigado pelo Comprova se insere também no contexto da disputa entre governadores que decretaram medidas de distanciamento social e o presidente da República, que reiteradas vezes minimiza o impacto do novo coronavírus e pede o isolamento apenas de grupos de risco.
Falso para o Comprova é todo o conteúdo inventado ou que tenha sofrido edições para mudar o seu significado original e divulgado de modo deliberado para espalhar uma mentira.
A verificação foi realizada em duas etapas. Primeiro, o Comprova investigou se houve, de fato, uma operação da Polícia Federal no Ceará em datas próximas à da postagem e se havia relação com o contexto da pandemia do novo coronavírus. Em seguida, checou os registros de óbitos do estado em datas próximas à da postagem para verificar se houve uma redução de 90% dos registros.
O Comprova entrou em contato com a Polícia Federal por e-mail, em 1º de junho. A assessoria de comunicação da Superintendência da PF no Ceará informou que há uma investigação em curso que apura um possível desvio de recursos públicos federais na compra de respiradores através de duas dispensas de licitação feitas pela Prefeitura de Fortaleza. E que, no âmbito da investigação, foi deflagrada, no dia 25 de maio, a Operação Dispnéia, que contou com o cumprimento de oito mandados de busca e apreensão em Fortaleza e São Paulo — onde fica a sede da empresa de equipamentos médicos. Detalhes da operação podem ser encontrados no site da PF.
Para a checagem dos registros de óbito, o Comprova acessou dados fornecidos pelo Ministério da Saúde, pela Secretaria de Saúde do Ceará e pela iniciativa Brasil.io, que utiliza programação para fornecer dados mais precisos ao cidadão. Nenhum deles apontou uma redução de 90% do número de óbitos nos dias subsequentes à realização da operação da Polícia Federal no estado.
Por fim, tentamos falar com a autora da postagem para entender a origem dos dados e que relação a ação da PF teria com a redução do número de mortes. Até o momento da publicação, porém, não houve resposta.
Os boletins técnicos do Ministério da Saúde, publicados diariamente pela pasta, apontam que em 25 de maio o estado registrou 169 novas mortes em relação ao dia anterior. Dois dias depois, na data da postagem, o número de mortes confirmadas em 24 horas foi de 68. A queda no número de óbitos diários foi de 60% — e não de 90%, como alega a autora do post. Os valores apontados pela pasta são os mesmos apresentados pelo Brasil.io, que reúne dados públicos a respeito de casos e óbitos de covid-19 no país.
Já os dados da Secretaria de Saúde do Ceará, embora sejam diferentes dos enviados pelo governo federal, também desmentem a redução de 90% alegada na postagem. Segundo a secretaria, 69 novos óbitos foram registrados em 25 de maio. Em 27, a quantidade de novas mortes confirmadas foi de 49, uma queda de 29% entre as duas datas.
Os dados do gráfico acima foram coletados no dia 1º de junho e — no caso do levantamento feito com a InfoSus, plataforma usada pelo governo do Ceará — podem apresentar variação se pesquisados em outras datas. Isso porque a plataforma é constantemente atualizada.
Assim que novas ocorrências são registradas, os óbitos são redistribuídos de forma retroativa, conforme a data em que efetivamente ocorreram. Portanto, entre 31 de maio e 1º de junho, os 236 novos registros de mortes também incluem óbitos que ocorreram em dias anteriores — o que explicaria o valor baixo apresentado entre 30 e 31 de maio, de 8 mortes. O atraso no diagnóstico se deve à fila para realização dos testes.
Procurada por email pela equipe do Comprova, a Secretaria de Saúde do Ceará não respondeu diretamente se houve redução de 90% no número de mortes. No entanto, a pasta enviou o link de um boletim epidemiológico, datado de 26 de maio, contendo a informação de que, em uma semana, a letalidade no Estado passou de 6,8 para 7. A taxa de letalidade mede o percentual de pacientes diagnosticados com a doença que acabam evoluindo para óbito. Ou seja: a probabilidade de pessoas com covid-19 morrerem em decorrência da doença aumentou no Ceará.
Já o Ministério da Saúde, também procurado pelo Comprova, disse por e-mail que a diferença entre os dados apresentados pelos governos federal e estadual se dá pela diferença de tempo entre a pasta ser notificada e a inclusão de todos os casos e óbitos, consolidados, no boletim diário. Enquanto a plataforma do governo estadual é atualizada várias vezes ao longo do dia, o governo federal publica os dados ligados à covid-19 uma única vez no dia.
A autora do post associa a queda no número de mortes no Estado desde o dia 25 de maio à Operação Dispnéia da Polícia Federal, que investiga suposto desvio de recursos públicos federais na compra de respiradores adquiridos pela Secretaria de Saúde de Fortaleza. Foram cumpridos oito mandados de busca e apreensão na capital do estado e em São Paulo, onde fica a sede da empresa investigada. Segundo a PF, há indícios de superfaturamento de R$ 34,7 milhões nos contratos e de ausência de capacidade técnica da empresa contratada. A polícia acrescenta que há um potencial prejuízo financeiro de R$ 25,4 milhões aos cofres públicos.
Procurada pelo Comprova, a PF afirmou, por e-mail, que investigação “está em andamento”. A corporação acrescentou à resposta o link para um release sobre a operação. No texto, a PF afirma que a ação não envolveu nenhuma apreensão de equipamentos — também não há menção sobre possíveis novas aquisições de respiradores.
“A operação policial se desenvolve sem quaisquer prejuízos à continuidade do serviço público de saúde, inclusive, não estão sendo apreendidos equipamentos que são utilizados para o atendimento à população na rede hospitalar”, diz trecho do texto sobre a ação divulgado para a imprensa.
O prefeito de Fortaleza, Roberto Cláudio (PDT) publicou um vídeo apontando “motivações políticas eleitorais” na operação da Polícia Federal. Roberto Cláudio vai ser candidato à reeleição.
A imagem foi publicada em um perfil pessoal do Facebook no dia 25 de maio. A autora se apresenta como moradora de Fortaleza e afirma que é formada em Odontologia pela Universidade Federal do Ceará. Na página, ela costuma postar mensagens a favor do presidente Jair Bolsonaro e contra o governador do Ceará, Camilo Santana (PT).
As críticas se estendem a partidos de esquerda; instituições democráticas, como o Supremo Tribunal Federal; e antigos aliados de Bolsonaro, como o ex-ministro da Justiça Sergio Moro. As postagens relacionadas à pandemia de covid-19 seguem na toada dos apoiadores do presidente, com links para sites de conteúdo de direita reclamando da quarentena e estimulando o uso da cloroquina para o tratamento da doença.
A mensagem verificada foi publicada no dia 27 de maio, viralizou rapidamente e chegou a mais de 13 mil compartilhamentos. Muitos dos comentários alertavam para o conteúdo falso da mensagem, questionando uma queda de 90% no número de mortes por covid-19 no estado. Na defensiva, a autora afirmou que usou uma “figura de linguagem” e que “pessoas com inteligência limitada” não conseguiram entender o que quis dizer. Ela acabou apagando o post.
Mas voltou a compartilhar o mesmo conteúdo, dessa vez como uma foto. O Facebook alerta para os usuários que a imagem traz informações falsas. E sugere o link para uma verificação feita pela Agência Lupa.
A equipe do Comprova entrou em contato com a autora da postagem. Perguntamos de onde são os dados que ela usou para afirmar que houve uma queda no número de mortes de vítimas do novo coronavírus no Ceará, mas não tivemos retorno até a publicação desta verificação.
Os governos estaduais são o alvo preferencial de Jair Bolsonaro na crise política e econômica causada pela pandemia do novo coronavírus. A crise começou em março, com os governos estaduais decretando medidas de distanciamento social, enquanto o presidente diminuía o impacto do novo coronavírus, comparando a covid-19 a “uma gripezinha”.
O Ceará foi um dos estados que adotou uma quarentena rigorosa. Até um sistema de câmeras foi usado para fiscalizar a circulação de pessoas. No dia 30 de maio, o governador Camilo Santana renovou o decreto de isolamento social, com foco em cidades do interior do Estado. Mas anunciou a flexibilização das medidas de distanciamento social na capital, Fortaleza, com a retomada de algumas atividades, como a construção civil. O prefeito Roberto Cláudio falou da melhora nos indicadores do município, como a redução no número de mortes, para justificar o afrouxamento. Mas nenhum dos dois associou essa queda à ação da Polícia Federal.
O Projeto Comprova já verificou críticas de apoiadores do presidente a governadores e prefeitos como forma de fortalecer o discurso do governo federal e minimizar os efeitos da pandemia. O Comprova também já checou denúncias de que governos estaduais estariam se aproveitando do caos causado pela covid-19 para desviar dinheiro público.
O jornal O Estado de São Paulo checou conteúdo semelhante sobre a redução de mortes no Rio de Janeiro.
A postagem original chegou a 13 mil compartilhamentos, antes de ser apagada. A imagem com o mesmo conteúdo teve menos alcance, com apenas 59 interações até o dia 2 de junho.
Publicações afirmando que o número de mortes por covid-19 caiu 90% no Ceará depois da intervenção da Polícia Federal também circularam no Twitter. A publicação que mais viralizou teve mais de 1,1 mil interações até o dia 2 de junho.