Conteúdo verificado: Tuíte de deputada federal traz o trecho de uma entrevista da diretora do Centro de Controle e Prevenção de Doenças (CDC) dos Estados Unidos. Na legenda, diz que o órgão sanitário estaria admitindo que as vacinas contra a covid-19 não previnem a transmissão e que isso mostraria a “total inutilidade do passaporte sanitário”.
Para criticar o chamado “passaporte da vacina” adotado em dezenas de municípios brasileiros para reduzir o risco de contágio e incentivar a vacinação, a deputada federal Bia Kicis (PSL-DF) compartilhou no Twitter um trecho de uma entrevista antiga de Rochelle Walensky, diretora do Centro de Controle e Prevenção de Doenças (CDC), órgão sanitário dos Estados Unidos. O conteúdo havia sido veiculado dois meses antes na rede de televisão CNN e não sustenta o argumento da deputada, de que vacinados e não vacinados apresentam o mesmo risco de transmissão do coronavírus e, portanto, a medida seria inútil.
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Sem o contexto original, o trecho solto de uma fala de Walensky causou confusão nas redes. Na época da entrevista, início de agosto, os Estados Unidos enfrentavam uma escalada no número de casos de covid-19 por conta da variante Delta. Diante desse fato e de estudos comprovando que pessoas imunizadas também poderiam transmitir o vírus, o CDC passou a recomendar novamente o uso de máscaras para toda a população em espaços públicos fechados, como forma de reduzir o risco de contágio.
Walensky aparece na entrevista reforçando a necessidade das medidas de prevenção, como uso de máscaras, e convocando as pessoas para que se vacinassem assim que possível. No trecho recortado pela deputada Bia Kicis, a diretora do CDC afirma que as vacinas “continuam funcionando excepcionalmente bem” em prevenir quadros graves e mortes, mas que elas “não podem mais prevenir a transmissão” em um cenário de avanço da Delta.
Isso não quer dizer que vacinados e não vacinados tenham a mesma chance de serem contaminados e passar o vírus adiante. Os fabricantes das vacinas aprovadas nos Estados Unidos comprovaram, por meio de estudos, que elas funcionam para diminuir as infecções na população, além de drasticamente reduzir a chance de quadros graves e mortes. O que ocorre é que elas não são infalíveis — no momento em que existe uma alta circulação do vírus, o número de casos da doença entre pessoas vacinadas, ainda que menos frequente, também aumenta.
Estudos científicos demonstram ainda que a Delta consegue romper essa barreira com mais facilidade do que outras cepas do vírus. Porém, novas pesquisas com as vacinas mostram que elas continuam sendo eficazes contra a Delta. E mesmo que haja uma infecção entre os vacinados, essa pessoa tende a transmitir menos o vírus do que aqueles que se recusam a tomar o imunizante, o que vem sendo associado por especialistas a uma carga viral mais baixa e a uma duração mais curta dos sintomas.
A posição atual do CDC, atualizada em 15 de setembro, é de que “pessoas totalmente vacinadas têm menos probabilidade do que pessoas não vacinadas de adquirir Sars-CoV-2” e de que as eventuais “infecções com a variante Delta em pessoas vacinadas têm potencialmente menos transmissibilidade do que as infecções em pessoas não vacinadas, embora estudos adicionais sejam necessários”.
O Comprova classificou o conteúdo como enganoso porque a deputada usa informações de forma a induzir uma interpretação errada – de que as vacinas não auxiliam a reduzir a transmissão do vírus para diminuição de casos. A deputada foi procurada, mas não retornou o contato.
Como verificamos?
Primeiramente, o Comprova buscou no Google o link do vídeo original da entrevista feita pela CNN dos Estados Unidos, encontrando no Facebook da emissora. Em seguida, foi procurada uma transcrição completa. Além disso, também foram buscadas notícias que repercutiam as falas do vídeo com Rochelle Walensky.
A partir dessas informações, o Comprova foi em busca de dados sobre o número de vacinados e de pessoas que testaram positivo para a covid-19 nos Estados Unidos na data que a entrevista foi ao ar.
Foram contatados os especialistas Juarez Cunha, presidente da Sociedade Brasileira de Imunizações (SBIm), e o doutor em Imunologia e professor da Universidade Federal do Espírito Santo (Ufes) Daniel de Oliveira Gomes.
A reportagem também consultou a biomédica Mellanie Fontes-Dutra, coordenadora da Rede Análise Covid-19, difusora de dados sobre o coronavírus em redes sociais, e a epidemiologista e professora da Ufes Ethel Maciel. Por fim, o Comprova contatou o CDC e a deputada Bia Kicis, autora do post verificado, mas não obteve resposta de ambos até a publicação desta checagem.
O Comprova fez esta verificação baseado em informações científicas e dados oficiais sobre o novo coronavírus e a covid-19 disponíveis no dia 11 de outubro de 2021.
Origem do vídeo
A postagem é da deputada federal Bia Kicis (PSL-DF), presidente da Comissão de Constituição e Justiça e de Cidadania na Câmara. A parlamentar é uma das lideranças da base aliada de Jair Bolsonaro (sem partido) na casa legislativa.
Na legenda, a deputada escreve: “A diretora do CDC, Rochelle Walensky, agora admite que a v4c1n4…não pode prevenir a transmissão. Isso mostra a total inutilidade do passaporte sanitário, além da grave violência à liberdade”. Kicis substituiu a palavra “vacina” por letras e números. Essa é uma tática utilizada por muitos perfis e páginas que buscam escapar do monitoramento das redes.
O vídeo é apenas um trecho de uma entrevista em inglês de Rochelle Walensky para a rede de televisão CNN, dos Estados Unidos. Quem faz as perguntas é o jornalista Wolf Blitzer.
A partir dessas informações, o Comprova pesquisou no Google por “Rochelle Walensky CNN Wolf Blitzer” e encontrou o conteúdo original na página da CNN no Facebook. A entrevista é de 5 de agosto deste ano — ou seja, Bia Kicis resgatou um conteúdo de quase dois meses antes e o compartilhou como se fosse uma revelação recente.
O Comprova encontrou ainda a transcrição completa do programa The Situation Room daquele dia e uma notícia publicada no site da CNN repercutindo as declarações da diretora do CDC.
Um tuíte de Wolf Blitzer confirma ainda a data e o horário da entrevista com Rochelle Walensky e o motivo do convite: os Estados Unidos haviam registrado mais de 100 mil casos de covid-19 em 24h. Era o começo de uma nova onda de covid-19 no País, segundo dados do órgão de saúde, cenário atribuído ao aumento do número de casos da variante Delta, quando metade da população tinha o esquema vacinal completo.
O que diz a entrevista
O vídeo original postado pela CNN tem 3 minutos e 25 segundos, enquanto o trecho usado por Bia Kicis no Twitter explora apenas 26 segundos. De acordo com a transcrição completa do programa, a participação da especialista durou cerca de 20 minutos.
No recorte da deputada, Walensky diz: “Nossas vacinas estão funcionando excepcionalmente bem. Elas continuam funcionando bem com a Delta em relação a quadros graves da doença e mortes. Elas previnem isso”.
E completa a seguir: “Mas o que elas não podem mais fazer é prevenir a transmissão. Então, se você está indo para a casa de alguém que não foi vacinado ou que não pode ser vacinado, imunossuprimido ou um pouco frágil, com comorbidades de alto risco, eu sugiro que você use uma máscara em ambientes públicos fechados”.
A postagem engana porque dá a entender que o posicionamento oficial do CDC é de que uma pessoa vacinada tem a mesma chance de transmitir o vírus do que alguém que não tomou a vacina, o que não é verdade. Esse tipo de alegação desconsidera o fato de que a imunização reduz a possibilidade de infecção em primeiro lugar, conforme os estudos científicos que resultaram na aprovação dos imunizantes pelo órgão sanitário.
Na entrevista, Walensky falava sobre as chamadas taxas de “breakthrough”, ou seja, sobre os casos de pessoas totalmente vacinadas que eventualmente se contaminam com o vírus da covid-19. Nenhuma vacina elimina completamente a chance de pegar o vírus, desenvolver a doença ou mesmo vir a óbito, mas é fato que os imunizantes protegem a população, dificultam a infecção e reduzem drasticamente a chance de agravamento do quadro.
Nesse ponto, as vacinas contra a covid-19 se assemelham a outras, como a do rotavírus, que não conseguiram chegar a um patamar esterilizante. Esse debate não é uma novidade: especialistas alertavam para esse fato desde o começo do ano, quando os países davam os primeiros passos na imunização.
Vacinação X transmissão
Na época, a entrevista da diretora do CDC repercutiu em uma reportagem da CNN. A publicação lembra, por exemplo, que na semana anterior, em 30 de julho, o órgão sanitário havia divulgado um estudo indicando que a variante Delta poderia produzir uma quantidade semelhante de vírus em pessoas vacinadas e não vacinadas no caso de uma contaminação. “Dados sugerem que pessoas vacinadas que pegam o vírus podem apresentar uma tendência parecida de espalhar o vírus em relação aos não vacinados”, informa o conteúdo. Com o estudo, que foi considerado uma “descoberta fundamental” na época, o CDC voltou atrás na recomendação sobre máscaras em ambientes fechados.
Meses antes da entrevista de Walensky, já era discutido entre cientistas a questão da transmissibilidade em pessoas vacinadas, como é possível ver em matéria da BBC de fevereiro: “Não há evidências de que qualquer uma das vacinas covid-19 atuais possa impedir completamente a infecção de pessoas – e isso tem implicações em nossas perspectivas de obter imunidade coletiva”.
E na da revista Fapesp, em março: “Estudos clínicos sobre as formulações em uso revelam que elas são eficazes na prevenção da enfermidade, reduzindo os sintomas e evitando quadros graves, mas não se sabe ainda se também conseguem impedir que o vírus invada as células humanas e inicie o processo de replicação”.
Para Juarez Cunha, presidente da Sociedade Brasileira de Imunizações (SBIm), sempre se soube que, mesmo com a vacinação, o vírus continuaria circulando. “No início, não se tinha muitas respostas, mas a partir do momento que veio a variante Delta isso mudou. Ficou bem estabelecido, que independente da vacina utilizada, mesmo a pessoa vacinada, ela pode se infectar e transmitir”, afirma.
Além disso, ele ressalta que, no caso dos EUA, há dois fatores importantes: uma taxa bastante elevada de pessoas não vacinadas e, ao mesmo tempo, uma alta circulação da variante Delta, que é o que não tem sido observado no Brasil, já que aqui a Delta não circulou com tanta força.
Reportagem da Nature, de 12 de agosto, destaca que “relatórios de vários países parecem confirmar o que os cientistas temiam depois que a variante atravessou a Índia com velocidade alarmante em abril e maio: a Delta tem mais probabilidade do que outras variantes de se espalhar por pessoas vacinadas”.
“Dados de testes covid-19 nos Estados Unidos, Reino Unido e Cingapura mostram que as pessoas vacinadas que são infectadas com Delta SARS-CoV-2 podem carregar tanto vírus no nariz quanto as pessoas não vacinadas. Isso significa que apesar da proteção oferecida pelas vacinas, uma proporção de pessoas vacinadas pode passar para a Delta, possivelmente auxiliando no seu aumento”, acrescenta o conteúdo.
Publicação no site da Universidade Johns Hopkins traz que os dados do estudo do CDC mostraram “que pessoas vacinadas infectadas com a variante delta podem carregar cargas virais detectáveis semelhantes às de pessoas não vacinadas, embora nos vacinados esses níveis diminuam rapidamente. Também há dúvidas sobre o quão cultivável – ou viável – esse vírus recuperado de pessoas vacinadas realmente é”.
Segundo a publicação, embora pareça desencorajador, é importante manter três coisas em mente: as vacinas permanecem altamente eficazes na prevenção de doenças graves; infecções disruptivas entre indivíduos vacinados permanecem incomuns e a maioria das novas infecções por covid-19 nos Estados Unidos estava ocorrendo entre pessoas não vacinadas.
O texto destaca que é fundamental entender que o estudo é derivado principalmente de um local no qual as atividades e os ambientes que estavam levando a infecções não são necessariamente representativos da vida cotidiana de um indivíduo totalmente vacinado. O estudo descreve 469 residentes de Massachusetts que foram infectados em um surto de julho no Condado de Barnstable, que inclui o destino de férias de verão Provincetown. Nenhuma morte foi relatada entre eles.
Pesquisas recentes
Uma série de estudos científicos contrariam a tese de que vacinados teriam o mesmo risco de adquirir a doença — e consequentemente de transmiti-la — do que não vacinados, mesmo em um cenário de prevalência da variante Delta. Desde o final de agosto já existem dados para os quatro imunizantes aplicados no Brasil — Coronavac, Astrazeneca, Pfizer, Janssen — como mostra essa reportagem do UOL.
Cientistas da Universidade de Oxford, por exemplo, recentemente divulgaram um artigo em que examinam 139 mil contatos próximos rastreados de 95 mil casos de covid-19 no Reino Unido entre janeiro e agosto deste ano. O objetivo era comparar qual foi o impacto de uma ou duas doses das vacinas da Astrazeneca e da Pfizer na transmissão da doença contra as variantes Delta e Alfa.
De acordo com esse estudo, pessoas que haviam recebido duas doses da vacina da Pfizer tiveram 58% menos chance de pegar a variante Delta de uma pessoa contaminada com a qual tiveram contato. No caso da Astrazeneca, o risco foi reduzido em 36%. Esse percentual sobe para 82% e 63% contra a variante Alfa. Os autores, por outro lado, alertam para uma redução da efetividade três meses depois da segunda dose, algo que também já vinha sendo debatido na comunidade científica e que indica a necessidade de doses de reforço em grupos de risco. Apesar de ainda não ter sido revisado e publicado, o estudo foi citado pela Nature, uma das principais revistas científicas do mundo.
Nos estudos que embasaram a aprovação da Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) no Brasil, realizados ao longo do ano passado, os imunizantes da Pfizer e da Astrazeneca tiveram 95% e 70,4% de eficácia geral, ou seja, reduziram o risco de casos sintomáticos da doença nessa proporção. A Coronavac teve 50,38% e a Janssen, 67%.
Outras pesquisas focaram na comparação entre contaminados no grupo de pessoas vacinadas versus pacientes não vacinados — e mais uma vez, o grupo protegido se saiu melhor nessas análises preliminares. Pesquisadores das universidades de Harvard, Yale e Columbia, nos Estados Unidos, analisaram amostras de 175 indivíduos infectados de uma liga de basquete. Vacinados ou não, eles atingiram o pico de carga viral de forma semelhante, por volta do terceiro dia. Só que os vacinados conseguiram eliminar o vírus já no quinto dia, contra sete a oito dias nos demais. O artigo ainda passa por revisão
Dessa forma, apesar de estudos anteriores, na época da fala de Walensky, descobrirem que as pessoas infectadas com Delta têm aproximadamente os mesmos níveis de materiais genéticos virais em seus narizes, pesquisas mais recentes sugerem que as pessoas vacinadas têm menos probabilidade de espalhar o vírus se subsequentemente contraírem Delta.
Como aponta um artigo escrito para a revista Nature, encaminhado ao Comprova pela epidemiologista Ethel Maciel, os níveis de vírus presentes no nariz de pessoas vacinadas caem mais rápido do que os de pessoas infectadas não vacinadas — e elas também são menos propensas a contaminar contatos próximos.
O que dizem especialistas e órgãos de saúde
A posição oficial do CDC está disponível no site do órgão sanitário norte-americano, com atualização mais recente em 15 de setembro de 2021. De acordo com o texto, “dados mostram que mostram que pessoas totalmente vacinadas têm menos probabilidade do que pessoas não vacinadas de adquirir SARS-CoV-2, e infecções com a variante Delta em pessoas com esquema vacinal completo estão associadas com menos desfechos clínicos graves”.
O CDC afirma ainda que “as infecções com a variante Delta em pessoas vacinadas têm potencialmente menos transmissibilidade do que as infecções em pessoas não vacinadas, embora estudos adicionais sejam necessários”. A nota lembra que o risco não pode ser completamente eliminado enquanto existir uma elevada circulação do vírus na comunidade.
Da mesma forma, o posicionamento da Organização Mundial da Saúde (OMS) é que os dados apontam que a chance de infecção e de transmissão é menor entre os vacinados, mas a entidade sugere que esse poder das vacinas é menos crítico comparado à queda de hospitalizações e mortes. A OMS também destaca que existem incertezas a partir do momento que surgem novas variantes de preocupação.
Juarez Cunha, da SBIm, explica que “as pessoas vacinadas, quando se infectam, têm uma carga viral mais baixa comparada com os não vacinados, ou seja, transmitem muito menos que uma pessoa com a doença natural. Para as formas graves e óbitos, a eficácia das vacinas, mesmo com a variante delta, tem se mantido bastante elevada”.
Segundo o médico, com esse cenário, é fundamental manter as medidas farmacológicas, em especial o uso de máscaras. “As vacinas não são só a proteção do indivíduo, mas a proteção da coletividade. Quanto maior o número de pessoas vacinadas, menor as chances de continuar circulando os vírus, inclusive de aparecerem novas variantes”, comenta.
A biomédica Mellanie Fontes-Dutra observa que as vacinas podem impactar na proteção contra infecção (proteger contra a entrada do vírus na célula) e podem reduzir a replicação viral do Sars-Cov-2 na célula (o que gera menos partículas virais).
Assim, os vacinados, reforça Mellanie, a partir dessa redução da replicação viral, liberam menos partículas virais para o ambiente, permanecem contagiosos por um tempo menor (comparado com não vacinados), além de se protegerem contra a doença sintomática e suas versões mais sérias.
“Portanto, já temos um conjunto de evidências demonstrando que vacinados transmitem menos do que não vacinados”, frisa a especialista, que atua na Rede Análise covid-19, equipe Halo da ONU, grupo InfoVid, Todos Pelas Vacinas e União Pró-Vacina.
Ela também já havia abordado o assunto em postagens no Twitter, como a que diz que imunização reduz transmissão de delta e indivíduos vacinados transmitem menos e a que apresentou dados de Harvard sobre infecção e transmissão entre vacinados e não vacinados. Nessa publicação, ela pontua como as vacinas contribuem para a redução do contágio.
'Passaporte da vacina'
O chamado “passaporte sanitário” citado pela deputada Bia Kicis — ou “passaporte da vacina” — é como ficou conhecida popularmente a exigência de comprovante de vacinação contra a covid-19 para que as pessoas frequentem certos ambientes, sejam eles públicos ou privados, como bares, restaurantes, academias, shows, museus e outros estabelecimentos durante a pandemia.
Diferentemente do que sugere a parlamentar, esse tipo de medida poderia, em tese, diminuir o risco de contágio ao barrar a presença de pessoas suscetíveis ao vírus dentro de um ambiente fechado, por exemplo. Já existem pesquisas indicando que as eventuais falhas vacinais – que é quando a vacina não gera imunidade efetiva, portanto, se exposta ao agente infeccioso, a pessoa pode adoecer – geralmente resultam em menor carga viral e duração reduzida de sintomas, o que contraria a ideia de que o potencial de transmissão seria o mesmo independentemente de quem frequenta o local.
Além disso, esse tipo de medida costuma ser imposta pelo poder público como um incentivo para a população buscar o posto de saúde. Em um boletim técnico divulgado em 1º de outubro, a Fiocruz recomendou a adoção da medida em todo o território nacional como forma de incentivar a imunização no País e de proteger mais a população.
O professor da Ufes Daniel de Oliveira Gomes ressalta que a alegação da deputada, relacionando a transmissibilidade ao passaporte da vacina, não procede.
Embora seja de conhecimento público, desde o início da vacinação, que nenhum dos imunizantes bloqueia a transmissão, Gomes observa que a parlamentar desconsiderou que, ao ser vacinada, a pessoa tem menos possibilidade de manifestar a doença nas fases moderada e severa e, portanto, de ser hospitalizada.
“É bom lembrar que são raras as vacinas que bloqueiam a transmissão; não é nenhum demérito da vacina da covid. Não impede a transmissão, mas previne uma evolução clínica com gravidade”, pontua.
Na avaliação de Gomes, o passaporte sanitário é uma importante estratégia de política pública porque, indiretamente, leva mais pessoas a se vacinar. “Porque se flexibilizadas todas as situações, sem necessidade de comprovação da vacina, o indivíduo que naturalmente é mais resistente vai falar que não precisa se vacinar. O passaporte é uma forma de fomentar a própria campanha de vacinação”, argumenta.
O professor faz ainda ponderações do ponto de vista de saúde pública. Ele diz que o passaporte vai restringir o acesso a locais eventualmente com aglomeração, e se as pessoas estão vacinadas, apesar da possibilidade do vírus circular, reduz-se a incidência de infecção.
“O vírus pode ser disseminado, mas o indivíduo tem anticorpos neutralizantes (protetores) que impedem de acessar, infectar as células. E, caso infecte, não vai impactar de maneira significativa”, reforça.
De acordo com um levantamento da Confederação Nacional de Municípios (CNM), ao menos 249 municípios brasileiros impuseram algum tipo de regra desse tipo até o final de setembro. A pesquisa ouviu gestores de 2.461 cidades, de um total de 5.568.
A exigência está presente em uma série de localidades fora do Brasil, como Nova York, nos Estados Unidos. Driblando as restrições, o presidente Jair Bolsonaro apareceu em uma foto comendo pizza na calçada durante a viagem para a Assembleia Geral da ONU. Ele afirma que não se vacinou até hoje.
Reportagem do G1 de agosto cita ainda os exemplos de França, Itália, Israel e China. Outra notícia, do El País, do começo de agosto, menciona ao todo 21 países da União Europeia, incluindo Portugal, Grécia e Dinamarca. Um terceiro levantamento, da CNN Brasil, acrescenta informações sobre os casos de Japão e Coreia do Sul.
Críticas de bolsonaristas
A postagem de Bia Kicis, uma das principais aliadas do presidente Jair Bolsonaro na Câmara, vai ao encontro das declarações recentes do presidente e de outros integrantes do governo, como o ministro da Saúde, Marcelo Queiroga.
Bolsonaro se posicionou contra o “passaporte”, inclusive, em seu discurso na ONU. “Apoiamos a vacinação, contudo o nosso governo tem se posicionado contrário ao passaporte sanitário ou a qualquer obrigação relacionada a vacina”, afirmou o mandatário brasileiro, que causou desconforto no evento diplomático como único líder do G20 a sustentar publicamente que recusou o imunizante.
Em 27 de agosto, em uma agenda no Rio de Janeiro, Queiroga classificou a adoção do “passaporte” como uma medida “descabida”. “Você começar a restringir a liberdade das pessoas, exigir um passaporte, carimbo, querer impor por lei uso de máscaras para estar multando as pessoas, indústria de multa, nós somos contra isso”, disse.
Outro a atacar a medida foi o secretário especial de Cultura, Mário Frias. “Nenhum prefeito irá decidir o que os órgãos vinculados a mim irão ou não fazer. Não aceitarei fazer parte do teatrinho autoritário sanitarista. Nas entidades vinculadas da Cultura, não iremos adotar o abominável passaporte de vacinação, ponto final”, escreveu em sua conta no Twitter, no dia 24 de setembro.
Por que investigamos?
Em sua quarta fase, o Projeto Comprova checa conteúdos de redes sociais sobre políticas públicas do governo federal e sobre a pandemia que alcancem uma grande quantidade de visualizações, reações e compartilhamentos.
O tuíte da deputada Bia Kicis teve quase 10 mil curtidas e mais de 3,5 mil retuítes em pouco mais de uma semana, de acordo com a plataforma CrowdTangle. Publicações enganosas sobre as vacinas contra a covid-19 são perigosas porque podem levar a população a colocar a saúde em risco.
O Comprova já verificou anteriormente que a deputada defendeu o uso da ivermectina contra a covid-19, mesmo que o vermífugo não tenha eficácia comprovada contra a doença, e afirmou que máscaras podem causar problemas à saúde, o que também é mentiroso.
Enganoso, para o Comprova, é o conteúdo retirado do contexto original e usado em outro de modo que seu significado sofra alterações; que usa dados imprecisos ou que induz a uma interpretação diferente da intenção de seu autor; ou ainda aquele que confunde, com ou sem a intenção deliberada de causar dano.
Texto produzido pelo Comprova, coalizão de veículos de imprensa para verificar conteúdo viral nas redes sociais. Investigado por: O Estado de S. Paulo, Revista Piauí, GZH e A Gazeta. Verificado por: Correio de Carajás, Correio do Estado, Poder 360, UOL, Correio do Povo e Folha de S. Paulo.