Quando a covid-19 foi considerada uma pandemia, em março de 2020, o militar reformado Inácio de Oliveira Flores, 71 anos, decidiu sair caminhando pelo Brasil fazendo orações e pedindo o fim da circulação do vírus. De lá até aqui já são 600 dias de caminhadas quase ininterruptas. Ao longo desse período, Seu Inácio não desistia da nota se estivesse chuvoso ou com sol.
O jornal Zero Hora descobriu o personagem e fez uma matéria sobre ele. A publicação conta que "em março de 2020, Flores começaria a percorrer 687 km em 25 dias. Partiria do Santuário do Sagrado Coração de Jesus, em São Leopoldo, onde está o túmulo de Padre Reus, até o Santuário de Santa Paulina, em Nova Trento (SC). Era para ser mais uma edição do chamado Caminho do Sul, um percurso de trekking (caminhada com pernoites), no modelo do conhecido Caminho de Santiago de Compostela, na Espanha".
No começo o grupo tinha 40 inscritos, mas foi minguando com o avanço da pandemia e o medo das pessoas. Eram de Estados como Rio de Janeiro e São Paulo, além do Distrito Federal. Assustada com as más notícias que chegavam de todas as partes do mundo, a maioria desistiu. Restaram Inácio Flores e mais três peregrinos. Mesmo em meio à incerteza, os quatro decidiram ir. No terceiro dia, porém, começaram as restrições por conta da pandemia. Estavam passando por Santa Maria do Herval e iriam a Gramado naquele dia, mas tiveram de parar.
Ainda segundo a AH, o gaúcho de São Sebastião do Caí e morador de Presidente Lucena, na encosta da Serra, voltou para casa, mas continuou as caminhadas por estradas de chão batido pelo interior dos municípios vizinhos ou na Praia de Santa Terezinha, em Imbé, com distanciamento. De lá para cá, só parou após sofrer acidente doméstico em que fraturou três vértebras, em agosto deste ano. Achou que ficaria seis meses em recuperação, mas os exames mostraram menor gravidade, e retornou após 13 dias.
Antes da pandemia, o propósito era rezar pela beatificação de Padre Reus e pela santificação da beata Albertina Berkenbrock, natural de Imaruí (SC), onde passa o Caminho do Sul. Agora, nestas centenas de dias pelas estradas, caminha e faz orações pelo fim do vírus.
600 dias de caminhada
Flores calcula que só durante a pandemia tenha andado mais de 14,5 mil quilômetros. Os 600 dias foram completados no domingo passado (21), no interior de Presidente Lucena e da vizinha Lindolfo Collor. Sempre posta um diário em seu perfil do Facebook. Em maio deste ano, após as duas doses da vacina e o período para ganhar imunidade, retomou as caminhadas longas.
Já fez o Caminhos de Caravaggio duas vezes completas e três parciais. O roteiro tem cerca de 200km e liga o santuário da Nossa Senhora de Canela ao de Farroupilha, passando pelo interior de cinco municípios - também entra em Gramado, Nova Petrópolis e Caxias do Sul, todos na Serra. Ele contou ao ZH:
— A atividade física sempre fez parte da minha vida, não consigo viver sem. Me dá paz espiritual, saúde e disposição. Nos caminhos, incentivo as pessoas. Para terem saúde, serem mais felizes — conta ele, que faz exercícios principalmente desde os 18 anos, quando ingressou no Exército, até ir para a reserva.
Flores levanta entre 4h e 5h. No máximo às 6h, já está na rua. Em média, anda de seis a sete horas por dia, cerca de 25km. Quando está viajando de carro, por exemplo, como na semana passada, quando foi a Aparecida (SP) com a esposa, Julita, pratica apenas "para o gasto", pelo pouco tempo que sobra.
Na pandemia, também fez o Caminho de Aparecida (268 km entre Alfenas, em Minas Gerais, e o Santuário Nacional), o Caminho da Fé (408km no ramal entre Mococa, São Paulo, até Aparecida) e a Caminhada na Terra do Primeiro Milagre de Santa Paulina (210km entre o santuário em Nova Trento e Imbituba, em Santa Catarina, onde foi registrado o primeiro milagre).
Em homenagem ao aniversário em que completou 71 anos de idade, dia 28 de outubro, andou 71km, no início deste mês, de Presidente Lucena até Nova Petrópolis. Saiu de casa às 3h50min, almoçou na Serra e retornou às 22h. No caminho, sempre encontra pessoas e as estimula a caminhar. E reza para que a pandemia dê, aos poucos, lugar à normalidade.
Muda o perfil em caminhos gaúchos
O vírus também alterou a rotina em roteiros de trekking em território gaúcho. Na Serra, o Caminhos de Caravaggio passou a receber mais pessoas que tinham planos de fazer algum percurso internacional.
— Muita gente que pretendia fazer Santiago de Compostela desistiu em virtude da alta cotação do euro e também das dificuldades para viajar e veio fazer o nosso caminho — percebeu o voluntário do Caminhos de Caravaggio Gilberto José Galafassi, 60 anos.
Ele já fez Compostela por duas vezes e estima que lá gastaria em média 40 euros (cerca de R$ 250) por dia mais o preço da viagem internacional. Em Caravaggio, acredita que, com R$ 150, é possível pagar alimentação e hospedagem, que são em pontos credenciados, muitas vezes em casas de família adaptadas para receber pessoas, pousadas e hotéis. Galafassi calcula que pelo menos 1,2 mil pessoas passaram neste ano pelo caminho, que é autoguiado.
Outra atração no Rio Grande do Sul é o Caminho das Missões, que foi criado por uma agência de turismo e que parou de organizar os grupos durante boa parte da pandemia, por segurança. A guia de turismo Estelamaris Dezordi, 49 anos, relata que apenas pessoas de forma individual faziam o percurso autoguiado.
As atividades em grupo retomaram em setembro, no percurso do lado brasileiro, com 325km, e feito em 14 dias entre São Borja e Santo Ângelo, que revisitam períodos da história dos Sete Povos das Missões e dos ex-presidentes do Brasil Getúlio Vargas e João Goulart.
A operadora também faz um caminho internacional de 750km em 30 dias, englobando Brasil, Argentina e Paraguai, o Camino de Las Misiones, uma parceria de agências dos três países.
— Estamos monitorando a abertura das fronteiras para retomar o caminho internacional, se possível em janeiro de 2022, pois há centenas de pessoas interessadas que entram em contato conosco — relata o sócio da Operadora Caminho das Missões José Roberto de Oliveira, 62 anos.