Da Estadão Conteúdo e Agência Brasil
A entrega voluntária de bebês à adoção não é crime. Conforme o Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA), "a gestante ou mãe que manifeste interesse em entregar seu filho para adoção, antes ou logo após o nascimento, será encaminhada à Justiça da Infância e da Juventude". O sigilo no processo é direito da gestante e também da criança.
No sábado (25), a atriz Klara Castanho revelou ter engravidado após estupro e entregue a criança à adoção. "Procurei uma advogada e conhecendo o processo, tomei a decisão de fazer uma entrega direta para adoção. Passei por todos os trâmites: psicóloga, ministério público, juíza, audiência - todas etapas obrigatórias", escreveu em carta aberta.
A indicação de vontade de fazer a entrega voluntária pode ser feita em órgãos de assistência, como o Ministério Público, Centro de Referência da Assistência Social (Cras), Centro de Referência Especializado de Assistência Social (Creas) e Conselho Tutelar, por exemplo. A gestante, então, é ouvida por "equipe interprofissional" da Justiça da Infância e da Juventude.
Conforme especialistas ouvidos pelo Estadão, o pai e os avós ou tios - família extensa - podem ficar com o poder familiar ou a guarda do bebê.
Caso trate-se de estupro ou não haver a indicação de genitor e representante da família extensa apto, ocorre a destituição familiar e a criança é colocada sob a guarda provisória de quem estiver habilitado a adotá-la ou de entidade de acolhimento familiar. Em momento algum o pequeno fica desamparado.
Para proteção da criança e da gestante, o processo de entrega voluntária para adoção ocorre em sigilo. Klara, porém, denuncia ter tido esse direito desrespeitado. "No dia em que a criança nasceu, eu, ainda anestesiada do pós-parto, fui abordada por uma enfermeira que estava na sala de cirurgia. Ela fez perguntas e ameaçou: 'Imagina se tal colunista descobre essa história'." Ao chegar no quarto, deparou-se com mensagens do colunista, com todas as informações. Um segundo blogueiro buscou-a também dias depois.
"Apenas o fato de eles saberem, mostra que os profissionais que deveriam ter me protegido em um momento de extrema dor e vulnerabilidade, que têm a obrigação legal de respeitar o sigilo da entrega, não foram éticos, nem tiveram respeito por mim e nem pela criança", desabafou.
No domingo (26), o Conselho Regional de Enfermagem de São Paulo (Coren-SP) declarou que vai apurar denúncia feita pela atriz.
"O conselho seguirá os ritos e adotará os procedimentos necessários para a devida investigação, como ocorre em toda denúncia sobre o exercício profissional", disse, em nota.
Klara publicou a carta após youtuber Antonia Fontenelle dizer em live que "uma atriz global de 21 anos teria engravidado e doado a criança para adoção". O colunista Leo Dias, por sua vez, publicou um texto chamado "Estupro, gravidez indesejada e adoção: a verdade sobre Klara Castanho" que foi apagado após pressão de internautas.
Gestante tem direito de não exercer maternidade, dizem especialistas
"A gestante tem direito de não exercer a maternidade. Tendo sido ou não vítima de estupro", destaca o advogado Ariel de Castro Alves, presidente da Comissão Especial de Adoção e Direito à Convivência Familiar de Crianças e Adolescentes da OAB-SP. A previsão legal da entrega, diz, é importante "para evitar procedimentos de aborto, que são sempre traumáticos para a gestante e familiares, e situações de abandono de crianças."
Alves frisa que a criança não fica desamparada e destaca que as recém-nascidas são "rapidamente adotadas".
"A maioria dos pretendentes à adoção, que são em torno de 30 mil inscritos no Cadastro Nacional, preferem crianças com menos de 3 anos, principalmente recém nascidos", afirma. "E são menos de 6 mil crianças cadastradas e disponíveis a serem adotadas que já tiveram o poder familiar destituído por decisão judicial, ficando sem vínculos familiares até serem adotadas."
O especialista avalia que é necessária investigação sobre o vazamento de informações no caso da atriz. Os profissionais do hospital ou da vara, avalia, se divulgaram dados, podem responder por crime de violação de sigilo previsto no Código Penal, com pena de multa ou de reclusão de até seis anos.
Ele explica que o sigilo serve para preservar a gestante e o bebê. "Com a repercussão, a criança pode ser estigmatizada, já que no abrigo e nos órgãos sociais e judiciais, saberão do histórico dela."
A defensora pública do Estado do Rio de Janeiro e autora do livro Guarda Parental: Releitura a Partir do Cuidado, Elisa Costa Cruz, lembra que a entrega voluntária é definida no ECA desde 1990 - atualizado por lei de 2017. "A entrega voluntária é importante porque é o reconhecimento de que a mulher pode não exercer a maternidade."
"E pode fazer a entrega de forma segura e sigilosa", continua. Na visão dela, o que Klara passou é uma "situação de violência" "A divulgação da gravidez, parto é ilegal também pelo ECA, quanto pela privacidade, quanto da ética em saúde."
Quem pode adotar uma criança no Brasil?
Para se candidatar à adoção é necessário ter mais de 18 anos e ter 16 anos a mais que a criança a ser adotada. O processo tem várias etapas que variam de acordo com o estado e com as Varas de Infância (É possível consultar os endereços aqui). Os documentos solicitados também são distintos. De acordo com a unidade da Federação.
Segundo o Cadastro Nacional de Adoção, o procedimento geral segue o seguinte rito:
1) Procure a Vara de Infância e Juventude do seu município e se informe sobre os documentos. Para entrar no Cadastro Nacional de Adoção são solicitados: identidade; CPF; certidão de casamento ou nascimento; comprovante de residência; comprovante de rendimentos ou declaração equivalente; atestado ou declaração médica de sanidade física e mental; certidões cível e criminal.
2) Com documentos em mãos, faça uma petição, que pode ser preparada por um defensor público ou advogado particular no cartório da Vara de Infância.
3) É obrigatório fazer o curso de preparação psicossocial e jurídica para adoção. A duração do curso também varia nos estados. No Distrito Federal, são dois meses de aulas semanais.
4) O passo seguinte é a avaliação psicossocial com entrevistas e visita domiciliar feitas pela equipe técnica interprofissional. Na entrevista, é determinado o perfil da criança que deseja adotar, de acordo com vários critérios. O resultado será encaminhado ao Ministério Público e ao juiz da Vara de Infância.
5) O laudo da equipe técnica da Vara de Infância e o parecer emitido pelo Ministério Público vão servir de base para a sentença do juiz. Se o pedido for acolhido, o nome do interessado será inserido nos cadastros, válidos por dois anos em território nacional. Se não, é importante buscar os motivos. Estilo de vida incompatível com criação de uma criança ou razões equivocadas (para aplacar a solidão; para superar a perda de um ente querido; superar crise conjugal) podem inviabilizar uma adoção. É possível se adequar e começar o processo novamente.
6) A Vara de Infância avisa sobre uma criança com o perfil compatível. O histórico de vida da criança é apresentado ao adotante; se houver interesse, ambos são apresentados. A criança também será entrevistada após o encontro e dirá se quer continuar com o processo. Durante esse estágio de convivência, monitorado pela Justiça e pela equipe técnica, é permitido visitar o abrigo onde ela mora e dar pequenos passeios.
7) Em seguida, é preciso ajuizar a ação de adoção. Ao entrar com o processo, é entregue a guarda provisória, que terá validade até a conclusão do processo. Neste momento, a criança passa a morar com a família. A equipe técnica continua fazendo visitas periódicas e apresentará uma avaliação conclusiva.
8) O juiz vai proferir a sentença de adoção e determinar a lavratura do novo registro de nascimento, já com o sobrenome da nova família. Neste momento, a criança passa a ter todos os direitos de um filho biológico.