Povos indígenas viveram processo de genocídio e apagamento nos últimos anos. Apesar disso, população cresce

Dados preliminares do IBGE mostram que população indígena no Brasil cresceu de 900 mil para 1,4 milhão de pessoas entre 2010 e 2022. Desafio é retomar políticas públicas para atender os povos originários
Adriana Guarda
Publicado em 27/01/2023 às 22:49
Muitas crianças Yanomami estão em situação de desnutrição Foto: CONDISI-YY


Era para ser apenas uma visita com o objetivo de diagosticar o problema, mas acabou se transformando em uma operação de salvamento. Nas terras indígenas Yanomami, em Roraima, na terça-feira (17), uma equipe técnica do Ministério da Saúde encontrou-se com o desalento. As imagens de crianças indígenas esquálidas, costelas à mostra, respiração curta, fazendo força para viver abalaram o Brasil e o mundo. 

O povo Yanomami vive uma crise de saúde e humanitária, que se agravou com a multiplicação dos garimpos ilegais de ouro no território. O mercúrio, utilizado para separar os grãos de ouro de outros sedimentos, contamina a água e os peixes. 

Divulgação/Polícia Federal - Terras indígenas vêm sofrendo com exploração de garimpo ilegal de ouro

O ataque do garimpo ao Território Yanomami e a desasistência por parte do Poder Público expõe a situação dos povos indígenas no Brasil. Dados preliminares do Censo do IBGE 2022 apontam que essa população subiu de 900 mil para 1,4 milhão de pessoas. 

No Censo de 2010, o Brasil registrava 305 etnias e 274 idiomas, o novo retrato completo deve ser divulgado em fevereiro. As regiões com maiores populações são Norte (37,4%) e Nordeste (25,5%). Antes da colonização, em 1500, o País contabilizava 3 milhões de indígenas.  

Além dos indígenas aldeados e as pessoas que se autodeclaram indígenas, porque são descendentes diretos, os isolados são outro motivo de preocupação no Brasil. Há décadas, o Instituto Socioambiental (ISA) realiza um monitoramento permanente dos registros de povos indígenas isolados. Pelo banco de dados da instituição, existem 115 povos indígenas vivendo em isolamento, sendo 28 confirmados e outros 86 em investigação. 

Thiago Lucas - Tragédia do povo Yanomami
 

POLÍTICA PÚBLICA

Ao longo dos anos, a população indígena vinha aumentando e problemas de saúde como a mortalidade infantil vinha arrefecendo. Durante o governo Jair Bolsonaro (PL), com a liberação da instalação dos garimpos e uma política permissiva, os avanços se reverteram ao ponto da crise percebida atualmente entre os Yanomamis.   

O relatório Yanomami Sob Ataque, publicado em abril de 2022 pela Hutukara Associação Yanomami e pela Associação Wanasseduume Ye'kwana, com assessoria técnica do ISA, faz um balanço da extração ilegal de ouro e outros minérios nessa região. 

O problema do garimpo ilegal de ouro não é uma novidade na Terra Indígena Yanomami (TIY), o que impressiona no relatório é a escala e intensidade desse avanço. O documento traz os dados de 2021, considerado o pior momento de invasão, desde que a TI foi demarcada e homologada, há trinta anos. 

Em outubro de 2018, a área total destruída pelo garimpo na TIY somava pouco mais de 1.200 hectares.
Desde então, a área impactada mais do que dobrou, atingindo em dezembro de 2021 o total de 3.272 hectares. Foi uma destruição de 2.000 hectares em um curto espaço de tempo. 

INDÍGENAS NO PODER

No governo Lula, com a criação do Ministério dos Povos Indígenas, ocupado por Sônia Gujajara, e a primeira mulher indígena assumindo a Fundação Nacional dos Povos Indígenas (Funai), Joenia Wapichana, vão garantir que os povos originários ocupem espaços de poder e possam realizar transformações, mas o caminho não será fácil. 

"O novo governo vai encontrar a máquina pública destruída e as políticas desmanteladas. Será necessário reformular as políticas e melhorar o aparato, porque a Funai, por exemplo, tem um número insuficiente de técnicos, poucos veículos para fazer o trabalho e baixo orçamento. Além disso ainda tem o desafio de desmilitarização dos  cargos, ocupados por anti-indígenas", observa a antropóloga e uma das pesquisadoras do Atlas do Pernambuco Indígena, Lara Erendira. 

Na avaliação dela, os povos indígenas têm direito à memória e reparação histórica, ao mesmo tempo em que é preciso perceber que os povos originários mudaram ao longo do tempo. "Não dá para imaginar aquele índio romântico. Um estereótipo do indígena sem roupa, cabelo de cuia, no meio de uma floresta tropical. O povo indígena tem direito de se transformar ao longo do tempo", pontua.   

Divulgação - Lançamento do Atlas Pernambuco Indígena vai dar mais visibilidade às discussões sobre os povos originários
 

Ao longo da história, foram muitas as tentativas de apagamento dos indígenas. A pesquisadora destaca que, no século 19, um decreto acabou com as vilas indígenas, numa tentativa de fazer acreditar que os índios não existiam mais. "Mas um decreto não faz com que os povos deixem de existir e eles continuaram sua trajetória", observa Lara. 

Baseado em documentos históricos e mapas cartográficos, o Atlas do Pernambuco Indígena encontra as referências da presença dos povos originários no Estado e localiza no mapa. O trabalho ajuda a reforçar a existência das etnias no território pernambucano, além de dar visibilidade para o tema, num momento em que o País tenta dar uma virada e reestabelecer a democracia. 

PERNAMBUCO NO MAPA INDÍGENA

Engana-se quem imagina que os indígenas se concentram apenas no Norte do País. O Nordeste é a região como segunda maior população de povos indígenas e Pernambuco está em quarto lugar no Brasil.Em 2020, o IBGE divulgou dados preliminares sobre a população indígena no Estado. 

Pelos dados do Instituto, Pernambuco tem 60.995 indígenas, o maior número do Nordeste. Destes, 31.836 residiam em terras indígenas e 29.159 fora de terras indígenas. No total de 328 terras indígenas, distribuídas em 57 municípios. 

O Estado tem a peculiaridade de ter a maior parte dos povos originários vivendo no Agreste e Sertão. "O Nordeste foi a primeira frente da invasão colonial de mais de 500 anos e aqui tinha um número importante de indígenas. Aqui, eles se instalaram no Semiárido não por condições ambientais, mas por contingências históricas e por conta de políticas econômicas", explica Lara. 

Pernambuco não vive a crise de saúde dos povos Yanomami, mas convive há anos com a lentidão no processo de demarcação das terras e com a violência por conta da disputa por território. Outra dificuldade foi a saída da coordenação da Funai do Estado, que enfraqueceu as reivindicações locais.  


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