Sonho de bolsistas do Proupe ameaçado por falta de pagamento do Estado

Autarquias estão sem receber verba do governo há três meses. Alunos temem que isso comprometa a formatura
Margarida Azevedo
Publicado em 05/06/2016 às 5:56
Autarquias estão sem receber verba do governo há três meses. Alunos temem que isso comprometa a formatura Foto: Foto: Bobby Fabisak / JC Imagem


Rodrigo Amaral, 26 anos, mora na zona rural de Custódia, Sertão pernambucano. Cícera de Cássia, 21, também é sertaneja de Afogados da Ingazeira. Maria de Lourdes Gomes, 30, vive em um sítio em Canhotinho, no Agreste do Estado. São filhos de agricultores e os primeiros (ou únicos) da família a ingressarem na faculdade, graças a bolsas que recebem do Programa Universidade para Todos de Pernambuco (Proupe).

Eles vibram com a possibilidade de conseguir diploma para construir um futuro diferente dos seus pais ou avós, que mal terminaram a educação básica e sobrevivem do que brota da terra. Mas os sonhos deles podem ser interrompidos porque as instituições em que estudam – todas autarquias municipais – estão acumulando dívidas e atrasando salários de professores e funcionários devido ao não repasse regular da verba do programa, criado e mantido pelo governo estadual desde 2011.

Já são três meses sem receber (março, abril e maio), o que representa cerca de R$ 4,2 milhões ainda não pagos pelo Executivo este ano. A parcela de fevereiro foi quitada no último dia 25. O problema começou no ano passado, quando os atrasos também foram frequentes.

Das 13 autarquias existentes em Pernambuco (com 20 mil alunos no total e apenas uma localizada no Grande Recife), quatro têm mais de 70% do corpo discente como bolsista do Proupe: Aeset, de Serra Talhada (84%); Aemasul, de Palmares (73%); Aesa, de Arcoverde (72%) e ABCDE, de Belém de São Francisco (71%).

O programa, lançado pelo então governador Eduardo Campos, beneficia atualmente 8.808 jovens e foca sobretudo na formação de professores. Começou com 6 mil bolsas, duplicou esse número em 2014 e desde o ano passado vem diminuindo a oferta. A meta do governo é terminar o ano com 7.916 bolsistas.

“Serviços essenciais para o funcionamento das autarquias, como água, energia e internet, não estão sendo pagos. O atraso do governo compromete também a folha salarial, desestrutura investimentos e prejudica a implantação de novos cursos”, ressalta o presidente da Associação das Autarquias de Pernambuco (Assiespe), Rinaldo Remígio, que dirige a Facape, em Petrolina, no Sertão.

As autarquias de ensino são entidades de direito público, sem fins lucrativos e autônomas, ligadas às prefeituras. Juridicamente podem cobrar mensalidades porque embora sejam consideradas públicas não são mantidas pelo poder Executivo.

O Proupe surgiu na época em que as autarquias estavam financeiramente mal. Além de contribuir para a manutenção e melhoria das instituições, o programa possibilita aos jovens carentes de fora do Grande Recife a chance de ingressar no ensino superior e os estimula a se tornarem professores, principalmente em áreas críticas de mão de obra docente como na disciplina de matemática.

Segundo a Assiespe, com o Proupe houve um crescimento de 21,6% na quantidade de alunos (maior parte em  cursos de licenciatura) e redução de 70% para 5% na taxa de evasão. Outro aspecto positivo da iniciativa é contemplar vestibulandos que ficam de fora das concorridas seleções das Universidades Federal (UFPE) e Federal Rural de Pernambuco (UFRPE), interiorizadas uma década atrás; da Universidade de Pernambuco (UPE), que se expandiu também dez anos atrás; e da Federal do Vale do São Francisco (Univasf), implantada em 2002 em Petrolina.

DESAFIOS - Lourdes é casada e mãe de um adolescente. Adiou o desejo de ingressar na faculdade por causa da família. Agora cursa o 5º período de enfermagem na autarquia de Belo Jardim (fica a 75 km de Canhotinho). Sai de casa às 4h50 para 7h30 chegar na instituição de ensino. Paga por mês R$ 300 de transporte entre as duas cidades. Mais R$ 6 por dia do sítio Olho d’Água, onde reside, até Canhotinho. “Minha mãe me ajuda com as despesas do curso porque meu marido é agricultor. Sem o Proupe, eu e 90% da minha turma não teríamos como estudar”, afirma Lourdes.

Cícera está no 7º período de pedagogia na autarquia de Afogados da Ingazeira. Antes cursou normal médio (antigo magistério). Divide a graduação com aulas que leciona numa escola municipal. “Meus pais, como os de muitos dos colegas, vivem da agricultura. Com a seca, poucos conseguem ganhar dinheiro e nos ajudar. As bolsas do Proupe são a nossa chance de planejar um futuro melhor”, observa Cícera.

“Ao me formar, estarei realizando um sonho meu e de meu pai. Ele sempre trabalhou na roça. Não terminou a 2ª série. Uma das alegrias dele é me ver na faculdade. Só tentei o vestibular porque havia o Proupe. Moro em Custódia e a faculdade fica em Arcoverde (distante cerca de 80 km). Gasto uma hora, de ônibus, para chegar na autarquia”, conta Rodrigo, aluno do 7º período da licenciatura em história. “Me vejo professor, ensinando. O governo não deveria enfraquecer o Proupe. Do jeito que a educação vai, o certo seria fortalecer o programa”, opina Rodrigo.

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