Há mais de dez anos, as mulheres de Fernando de Noronha, distrito de Pernambuco a 545 quilômetros do Recife, não podem parir na ilha. No sétimo mês de gestação elas são obrigadas a sair de casa para dar à luz na capital. Deixam o marido sozinho e na volta ficam sabendo que foram traídas. Separam-se, mas pela escassez de moradia, continuam dividindo a mesma casa com o ex-companheiro.
“É uma situação difícil, já vi moradia que foi repartida ao meio com um muro. E quando a mulher leva um namorado para casa é que começa a confusão”, declara Matilde Martins da Costa, 60 anos, representante do Conselho Tutelar de Fernando de Noronha, ao comentar o anúncio feito pelo administrador da ilha, Luís Eduardo Antunes, de implantar, no local, uma coordenadoria específica de defesa do sexo feminino.
Na avaliação de Matilde, trabalho não vai faltar à nova coordenadoria. “A maior violência contra a mulher, em Noronha, é ela não ter direito à maternidade no lugar onde mora. Meu filho mais velho tem 42 anos, nasceu na ilha e naquele tempo o Hospital São Lucas não tinha a estrutura de hoje”, comenta. A saída da gestante para o Recife, diz ela, é sempre um transtorno para a família.
Maria Alice Nascimento, 52, moradora da ilha, também aponta as dificuldades para realização de mamografias de rotina. “Minha mãe morreu de câncer e eu tenho um nódulo no seio, mas não consigo fazer o exame todos os anos. Isso não está certo, em Noronha mulher também tem mama”, afirma Maria Alice. Ela é faxineira e mora com o filho adolescente, que nasceu no Recife em 1995.
A proposta da Coordenadoria da Mulher foi anunciada por Luís Eduardo Antunes, mês passado, no balanço dos 50 dias da gestão. “Vamos firmar uma parceria com a Secretaria das Mulheres do Estado. É uma maneira de fortalecer as políticas públicas”, diz o administrador. “Não temos problemas com roubo e assalto em Noronha, mas a violência doméstica existe”, justifica Luís Eduardo.
“Um projeto como esse pode fazer muita coisa pelas mulheres da ilha, mas a primeira coisa a se pensar é numa estrutura física. Sem uma sala, nada funciona, é só faz de conta”, observa Matilde. Ela e Maria Alice esperam que a coordenadoria, bem aparelhada, ajude a levar programas de saúde da mulher, atividades educativas, fóruns e seminários para Fernando de Noronha.
Maria Alice sugere um debate com a presença de Maria da Penha Maia Fernandes, a brasileira que inspirou a criação da Lei Maria da Penha, nº 11.340/2006, que prevê penas mais rigorosas para os crimes de violência doméstica.
ATIVIDADES
De acordo com Matilde, a iniciativa é importante. “Temos uma comunidade omissa, as pessoas sabem que há casos de pedofilia na ilha e não denunciam. Quando a comunidade se omite, torna-se cúmplice da ocorrência”, destaca. Alice acrescenta que as mulheres precisam de atividades esportivas gratuitas. “A Academia da Cidade não funciona. Só tinha um pedaço de pau e uma corda para a gente fazer os exercícios”, lamenta.
A administração local adianta que Noronha será contemplada com uma academia ao ar livre, com máquinas de aço inoxidável, semelhante aos espaços existentes no Recife. Há academias desse tipo na Lagoa do Araçá (Imbiribeira, Zona Sul da capital) , na Avenida Agamenon Magalhães (Zona Norte) e em parques da cidade, por exemplo.
Luís Eduardo Antunes explica que as grávidas são transferidas para o Recife, nos últimos meses da gestação, por segurança. O Hospital São Lucas, informa, não tem todo o suporte necessário à mulher e ao bebê, se houver alguma intercorrência durante o parto. No mês de outubro, diz ele, a administração garantiu exame das mamas e mamografia para as noronhenses.
Fernando de Noronha tem uma população de 4.667 pessoas, de acordo com Sistema de Informação da Atenção Básica. Desse total, 2.240 são mulheres, de bebês a idosas.