Uma ocupação irregular coloca em risco o primeiro túnel ferroviário do Brasil, inaugurado em 1860, no século 19. O Túnel do Pavão, no Cabo de Santo Agostinho, município do Grande Recife, teve uma das cavernas de proteção de pedestres destruída para servir de moradia. Fogueiras estão sendo acesas junto dos dormentes de madeira e o trecho do trilho que passa na frente da casa improvisada foi aterrado com barro.
Com 151,78 metros de extensão, o Túnel do Pavão faz parte da Linha Sul, que liga a capital pernambucana a Maceió (AL). E fica a poucos metros da BR-101, entre as localidades de Mercês e Charneca. A Linha Sul é originária da primeira ferrovia de Pernambuco e segunda do País, a Estrada de Ferro Recife-São Francisco, construída por ingleses e que entrou em operação em fevereiro de 1858.
Nas paredes do túnel há oito cavidades – quatro de cada lado – que funcionam como abrigo para o pedestre, caso ele seja surpreendido com a chegada de um trem. Duas estão escavadas e há restos de fogueira em outra. Lata de tinta, garrafas de plástico, panelas e uma foto 3x4 podiam ser vistas na caverna transformada em habitação, terça-feira passada (30). O morador não estava presente.
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Uma cerca feita de pedaços de pau e galhos de mato faz as vezes de porta. Tijolos do revestimento da parede do túnel foram quebrados para criar duas janelas entre a porta da casa. O barro retirado dessa manobra é reaproveitado para o aterro do trilho. Do lado de fora, um princípio de invasão se aproxima da linha férrea com plantações e casas de tábua.
“Seguindo a ferrovia, no sentido do Cabo, a invasão vai se agravando”, alerta André Cardoso, estudante de história e representante em Pernambuco da ONG nacional Amigos do Trem. O Túnel do Pavão, desativado desde 2010 quando os trens de carga deixaram de circular na Linha Sul, é um marco na história da engenharia ferroviária no Brasil. “Tem importância para o País, o Estado e o município do Cabo”, destaca André.
A escavação dos abrigos, ressalta, pode desestabilizar a estrutura e provocar o desmoronamento do túnel. “Além de ser a descaracterização de uma construção histórica”, declara André Cardoso, pesquisador do patrimônio ferroviário pernambucano, ao ser procurado pelo para comentar o assunto. A linha deixou de ser usada depois que enchentes na Zona da Mata Sul provocaram danos em trechos da ferrovia, diz ele.
ACERVO
De acordo com a arquiteta Neide Fernandes, da Fundação do Patrimônio Histórico e Artístico de Pernambuco (Fundarpe), o Túnel do Pavão não tem tombamento específico. Mas está inserido no edital de tombamento temático que protege o acervo ferroviário do Estado. Também integra o Inventário do Patrimônio Ferroviário de Pernambuco, resultado do mapeamento e diagnóstico dos bens da antiga RFFSA.
Esse trecho da linha está sob responsabilidade da Ferrovia Transnordestina Logística (FTL). Em nota enviada pela assessoria de imprensa, a empresa informa: “Como concessionária do serviço público de transporte de carga, a FTL, ao identificar ou tomar conhecimento de quaisquer ocupações irregulares, tem o dever de investigar e adotar as medidas necessárias para evitar a ocupação ilegal da faixa de domínio, inclusive adotando medidas judiciais (se necessário) para a desocupação do local.”