Cortes na Funase turbinaram rebeliões

Redução de 40% do orçamento tornou mais difícil gestão das unidades
JC Online
Publicado em 02/11/2016 às 8:10
Redução de 40% do orçamento tornou mais difícil gestão das unidades Foto: Guga Matos/JC Imagem


Sob a justificativa da crise econômica, o governo do Estado cortou 40% dos R$ 195,8 milhões do orçamento da Fundação de Atendimento Socioeducativo (Funase) para o exercício de 2015. A redução de quase metade dos recursos agravou, ao longo do ano passado, os problemas estruturais nas 25 unidades do sistema no Estado. Funcionários denunciam a falta de itens como papel higiênico e material de escritório, além de condições subumanas para a maior parte dos 1,5 mil internos. Ingredientes de um caldeirão que vinha sendo cozinhado e que esborrou no final de outubro deste ano, com duas rebeliões violentas –em Timbaúba, na Zona da Mata, e em Caruaru, no Agreste – que resultaram na morte de 11 reeducandos.

Apenas no último motim, na unidade de Caruaru, no último domingo, foram sete mortos, a maior parte queimados vivos, além de um mutilado. A barbárie motivou a troca de comando no órgão, ainda na noite da segunda-feira: o advogado Roberto Franca, profissional de referência na área de direitos humanos, virou o novo presidente da Funase.

A falta de recursos tem influência direta no dia a dia das unidades. “Não existem coisas simples, como papel higiênico. Os adolescentes dormem amontoados em pedaços de colchões”, relata, em reserva, um funcionário da entidade. 

Não foi por falta de aviso. Um relatório divulgado pela Fundação Joaquim Nabuco (Fundaj) em abril do ano passado já pintava um quadro preocupante do sistema. “Há relatos de tráfico de drogas feitos pelos próprios agentes socioeducativos aos internos, além da prática de torturas e agressões”, diz um trecho do documento, produzido pela professora Ronidalva Melo.

De acordo com o Gabinete de Assessoria Jurídica às Organizações Populares (Gajop), o governo do Estado afirmou ter aplicado 89,7% do orçamento de 2015 da Funase. “Estava prevista a construção de unidades, mas isso não foi feito. Queremos saber o que aconteceu com esse dinheiro”, comenta o psicólogo Romero Silva, do Gajop. 

Representantes do Movimento Nacional de Direitos Humanos (MDNH) protocolaram na Organização das Nações Unidas um documento em que solicitam que a entidade faça recomendações ao Estado brasileiro no que diz respeito à situação do sistema socioeducativo de Pernambuco. “Se o pedido for acatado, a ONU pode fazer essas recomendações”, explica a advogada Edna Jatobá. Entre os pedidos, a observância da excepcionalidade da medida de restrição de liberdade, a assistência jurídica adequada (com fortalecimento da Defensoria Pública) e a abolição de tortura e tratamento desumano nas unidades. Segundo Edna, o mesmo pedido deverá ser feito à Corte Interamericana, a exemplo do que acontece com o Complexo do Curado, no bairro do Sancho, Zona Oeste do Recife.

GOVERNO

Apesar de não tornar público, o governo do Estado estuda uma grande reformulação nos sistemas prisional e socioeducativo de Pernambuco. Um indicativo é que uma das pautas levadas pelo governador Paulo Câmara ao presidente Michel Temer no último encontro entre os dois, no final de outubro, em Brasília, foi a possibilidade da liberação de verbas federais para reformas e construção de unidades para os dois sistemas. 

O novo diretor da Funase, o advogado Roberto Franca, deverá fazer um pronunciamento oficial amanhã. Nomeado ontem pelo governador Paulo Câmara, ele passou os últimos dois dias se inteirando da situação do sistema e não concedeu entrevistas à Imprensa.

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