O lamento saía fraco, quase inaudível. Mas a força da pergunta se impunha, contundente. “Por que ele matou meu filho? Por que?”. Eram as únicas palavras que a dona de casa Maria de Lurdes da Silva, no transe causado pela mistura de desespero e calmantes, conseguia proferir, na chuvosa manhã de ontem.
Dor e revolta tinham endereço: a pequena casa de três cômodos no bairro de Loteamento Luiz Gonzaga, em Itambé, a 90 quilômetros do Recife. Foi para lá que convergiram os olhares da cidade, desde que foi anunciada a morte de Edvaldo da Silva Alves, de 20 anos, na madrugada de ontem.
Após 25 dias internado no Hospital Miguel Arraes (HMA), em Paulista, no Grande Recife, ele não resistiu a um ferimento na perna, provocado pelo tiro de uma arma não letal de um policial militar, dado à queima-roupa, no último dia 17 de março. O motivo: uma manifestação em que parte da população fechou a PE-75 – principal acesso à cidade – para pedir mais segurança. Com a perna sangrando, o jovem foi arrastado, agredido com tapas no rosto e jogado abuptamente na caçamba de uma viatura. A arbitrariedade dos militares foi registrada em vídeo e repercutiu no País.
A morte do rapaz provocou reações em cadeia na sociedade. No início da manhã, o governador Paulo Câmara emitiu nota oficial lamentando o episódio e prometendo empenho na punição dos culpados. O Conselho Nacional de Direitos Humanos (CNDH) divulgou um documento em que faz recomendações ao governo do Estado e prometeu levar o caso à Organização das Nações Unidades (ONU).
Antes do episódio, Edvaldo era apenas Pretinho. Um rapaz bem humorado e ativo, que gostava de tocar violão – o forró era o gênero preferido – e andar de skate nas praças da cidade. “Era difícil ficar triste perto dele, sempre saía alguma gaiatice. Era um bom humor que contagiava todo mundo”, diz a dona de casa Célia da Silva, amiga da família. Ela fez um banner de 1,50 metros com uma foto de Pretinho para guardar em casa. “É muito sofrimento, meu Deus, ele era um menino tão bom”.
Emocionado, o pai de Edvaldo, o autônomo Nivaldo Alves, ratifica a tese. “Meu filho não era bandido, era um homem de bem. Ajudava muito as pessoas e não merecia morrer dessa forma”. Perguntado sobre o que teria motivado o policial a dar o disparo, ele diz que ainda tenta entender. “Mas só pode ter sido maldade, né?”.
Familiares mostraram a carteira do rapaz, ainda suja de sangue. O celular de Edvaldo não funciona mais. Amigos chegavam a todo instante, mostrando fotos de Pretinho em seus aparelhos. “Olha aqui essa, olha como ele era um cara tranquilo”, disse um deles.
A morte de Edvaldo foi um golpe duro mesmo em Itambé, um município de 36 mil habitantes que se mistura simbioticamente com a cidade de Pedras de Fogo, no Estado da Paraíba, e que tem uma economia cambaleante, baseada em pequenos comércios. Uma típica cidade da Zona da Mata pernambucana, foi erguida sob a cultura da cana-de-açúcar e que não diversificou as atividades. Pelas esquinas, “o menino” era o assunto do dia. Não foram poucas as pessoas que, ao avistarem o carro da reportagem do JC, tentaram explicar como chegar à casa “do menino”.
O mecânico Bento Honorato, tio de Edvaldo, resumiu o sentimento dos familiares com a morte prematura do rapaz. “Não se faz o que aquele policial fez: atirar de forma covarde, e depois puxar o menino pelo chão feito um cachorro, dando tapas na cara dele. Meu sobrinho estava ali exercendo o direito de protestar, e ainda por cima pedindo mais segurança e policiamento para a cidade”. Também disse uma das poucas coisas que podem – e devem – ser frisadas em situações semelhantes. “Agora a gente quer justiça. Essas pessoas não podem ficar impunes”.
O motivo do protesto do dia 17 de março, quando Pretinho foi atingido e agredido pelos policiais militares, continua firme e forte a assombrar os moradores de Itambé. “Aqui a gente não tem paz um minuto sequer. Ontem mesmo eu vi um caminhão de abacaxi ser roubado, com carga e tudo. Colocaram arma na cara do motorista e mandaram descer”, diz um comerciante, sem se identificar. Um amigo levanta outro ponto complicador. “A droga tomou conta de tudo. Está em todo canto, em Itambé não é diferente”. “Policiamento aqui não existe. Tanto que os PMs que agiram naquele dia vieram de Condado (a 24 quilômetros). Aqui só tem três policiais para a cidade toda”, comenta Célia da Silva, amiga da família de Edvaldo.
O sepultamento do corpo de Edvaldo da Silva Alves, ou Pretinho, acontecerá às 17h no cemitério de Itambé. Desde o início da noite de ontem, o velório está sendo realizado na quadra da Escola José Mendes Filho, um dos principais pontos de encontro dos jovens da cidade. Um dos lugares onde ele costumava andar de skate e, segundo um amigo, “tocar violão para as meninas”. Os dois companheiros – skate e violão – ficaram no quarto do rapaz, testemunhas agora mudas da dor de uma família inteira.