"O bebê vai nascer", diz a enfermeira. A paciente que dará à luz é Mariana (nome fictício), uma criança de 10 anos, vítima de abuso sexual durante a infância. O agressor permanece impune e a mãe da vítima consentia com o crime. Este foi um dos casos que a conselheira tutelar Ana Soares pôde presenciar e acolher durante os oito anos que atua na profissão. Em pleno Dia Nacional do Enfrentamento ao Abuso e à Exploração Sexual, nesta sexta-feira (18), mais um estupro de vulnerável acontece e situações como esta voltam a se repetir.
Fernanda (nome fictício), de 13 anos, também entra para as estatísticas. Abusada desde os 11 anos, a garota conseguiu denunciar o crime, apesar das constantes ameaças que sofria da mãe de criação, marido da mulher e amiga da família, que aliciavam a menina constantemente.
O crime não vê dia, hora e nem lugar para acontecer. De acordo com a Secretaria de Defesa Social (SDS), entre os meses de janeiro a abril deste ano, Pernambuco registrou mais de 770 vítimas de estupro. Destas, 340 são crianças e adolescentes. Em pesquisa realizada no ano de 2017, o Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea) concluiu que dos casos de estupro em todo o País, 70% são menores de 17 anos.
Com mudanças extremas no comportamento, as crianças e adolescentes vítimas do abuso deixam "recados" de que é preciso ajuda. "Elas muitas vezes não pedem socorro, porque pensam que aquilo é normal, foram criadas nessa situação. Não sabem o que é certo ou errado. Simplesmente aceitam até que venham entender a gravidade disto", conta a conselheira tutelar.
Além da violência física, o traumas psicológicos acompanham as vítimas, que têm uma infância frustrada e interrompida pela violência. A psicóloga Silvana Melo conta que receber no consultório pacientes que foram alvos deste crime quando mais jovens se tornou algo comum. "Pessoas adultas guardam este segredo consigo desde pequenas, e quando crescem se tornam seres extremamente traumatizados", diz Silvana.
Juliana (nome fictício) dormia quando foi despertada por alguém tocando seu corpo. "Eu não reagia porque não sabia o que fazer. Fiquei congelada", conta a jovem que tinha 14 anos na época.
Sob efeitos de drogas, o homem de 25 anos, que morava na mesma casa que a menina, viu nela um alvo fácil, vulnerável. "Isto durou cerca de três dias, sempre da mesma forma. Ficava parada até ele cansar", diz sobre o medo que teve ao se sentir coagida quando ainda criança. Sem penetração sexual, mas com toques libidinosos, que já definem o estupro, a garota foi mais uma vítima que é surpreendida por este crime dentro do próprio lar.
"Como muitas vezes os abusadores são pessoas muito próximas e até mesmo da família, pode ocorrer uma negação. Quando existe grandes laços afetivos com o abusador, a família não tem coragem de denunciar", conta a psicóloga.
Por presenciar tantas histórias de brutal violência contra a criança e o adolescente, Ana Soares faz um apelo para que o ciclo da violência seja quebrado. "Enquanto a vítima está em instituições, o agressor está solto", lamenta a mulher.
Através do Disque 100, histórias como as de Mariana, Fernanda, Juliana e de tantas outras crianças e adolescentes anônimos não precisam se repetir. O canal funciona 24 horas por dia, todos os dias da semana. O denunciante não precisa se identificar.