Publicação discute cidadania a partir de relatos de crianças e jovens da RMR

Entre os relatos, muitas histórias de medo e violência. O material foi produzido pelo Centro Dom Helder Câmara em parceria com o Instituto Papai
Cidades
Publicado em 13/09/2018 às 8:00
Entre os relatos, muitas histórias de medo e violência. O material foi produzido pelo Centro Dom Helder Câmara em parceria com o Instituto Papai Foto: Foto: Guga Matos/ JC Imagem


Falta de locais públicos de lazer, escolas com más condições estruturais, exploração infantil, preconceito, insegurança, falta de diálogo na família e exploração sexual foram pontuados por crianças, jovens e adolescentes - moradores de diversas comunidades da Região Metropolitana do Recife (RMR) - como os temas que mais afetam suas vidas. Esse diagnóstico foi feito a partir de relatos de 323 pessoas, com idades entre 4 e 24 anos, que conhecem bem a realidade de viver em cidades em que muito pouco é feito por eles. Esse levantamento foi feito pelo Centro Dom Helder Câmara (Cendhec) em parceria com o Instituto Papai e está disponível na publicação Linhas Cruzadas, lançada nessa quarta-feira (12) no Sindicato dos Servidores Públicos de Pernambuco, na área central do Recife.

A publicação foi montada a partir de discussões sobre participação política, direito e cidadania realizadas em 2016 com o intuito de catalogar as principais demandas das crianças e jovens que vivem em áreas pobres no Grande Recife. “Elaborar um diagnóstico da situação desse público alvo em Recife e RMR a partir de escutas do que eles têm a dizer é fundamental para que o resultado possa influenciar as políticas públicas de forma certeira”, comenta o coordenador do Cendhec, Ricardo Oliveira.

O medo causado pela violência é o ponto mais recorrente entre os três grupos. Crianças, apesar de entenderem pouco a realidade em que vivem, sentem medo ao saírem para brincar na rua. Entre os maiores, a insegurança é gerada pelos índices de assaltos e abusos sexuais. Além das questões ligadas à criminalidade, esse sentimento também é relatado quando pontua-se bullying e preconceito racial, religioso ou de gênero.

“No meu bairro,  a gente não pode sair à noite e voltar tarde. A iluminação é pouca e o policiamento também. Se passar das 21h, é preciso voltar para casa correndo para não ser vítima de assaltos ou coisas piores”, conta a estudante do ensino médio Isabelle Mikelle, 18 anos. A jovem vive em Nova Descoberta e foi uma das participantes das escutas realizadas pelo Cendhec. “Poder compartilhar o que vivemos na nossa comunidade é muito bom. Às vezes, queríamos falar e não tínhamos que nos ouvisse. Depois das escutas, percebemos que somos capazes de realizar mudanças no ambiente que vivemos”.

Quando iniciou o Ensino Médio na Escola de Referencia em Ensino Médio (Erem) Álvaro Lins, em 2016, a estudante se deparou com uma realidade precária. “A estrutura era ruim. Quando chovia, a água pingava nos corredores e, se fosse chuva de vento, molhava toda a sala de aula por causa da falta de vidros nas janelas. Com nosso projeto, conversamos com os gestores e conseguimos que algumas mudanças fossem feitas. É gratificante fazer parte disso e incentivar outros jovens a serem mais ativos”, conclui.

Metodologia

Os grupos ouvidos foram divididos por faixa etária e as escutas seguiram estratégias específicas para cada público. “Com as crianças, realizamos atividades lúdicas. Usamos desenhos e criamos historinhas. Com os mais velhos, utilizamos vídeos e imagens que estimularam os debates”, explica o coordenador geral do Instituto Papai, Sirley Vieira.

Todos os participantes ouvidos deveriam se encaixar em, pelo menos, um destes critérios: estudar em escola pública; estar articula com movimentos ou ser beneficiário de projetos sociais; e morar em áreas de extrema vulnerabilidade. Foram 226 crianças e 97 jovens, divididos entre meninos e meninas.

Agora, com o material publicado, os organizadores esperam que o método seja repetido por outros grupos e que os pontos destacados sirvam de base para a adoção de políticas públicas efetivas. “Nossa ideia é que os conselhos de direitos humanos, secretarias municipais e estaduais e instituições possam analisar esse levantamento e identificar quais pontos lhe competem para a criação de soluções”, finaliza Ricardo Oliveira.

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