Pobreza na infância é motivo de preocupação para o Unicef

A campanha "Mais que promessas: compromissos reais com a infância e a adolescência no Brasil" aponta os principais problemas que atingem a infância no País, cobrando respostas dos candidatos
AMANDA RAINHERI
Publicado em 16/09/2018 às 8:00
A campanha "Mais que promessas: compromissos reais com a infância e a adolescência no Brasil" aponta os principais problemas que atingem a infância no País, cobrando respostas dos candidatos Foto: Foto: Leo Motta/ JC Imagem


Aos nove anos, Diane*, não sabe o que é ter uma casa. No barraco improvisado onde vive com a mãe e a irmã Tatiana, de dois anos, em Jaboatão dos Guararapes, Grande Recife, falta tudo, inclusive a dignidade. As duas costumam brincar às margens de um esgoto que corre a céu aberto, entre lixo e animais mortos. Longe dali, em Olinda, Jonas, de 10 anos, se viu obrigado a trabalhar para ajudar a mãe com as despesas após o irmão mais velho ser preso. No contraturno da escola, ele limpa carros para juntar alguns trocados. A pobreza que permeia a vida das três crianças é motivo de preocupação para o Fundo das Nações Unidas para a Infância (Unicef). E superá-la vai muito além de ações pontuais de distribuição de renda.

No Brasil, 18 milhões de crianças vivem em domicílios com renda insuficiente. Além delas, há outras 14 milhões que sofrem privação de, pelo menos, um de seus direitos fundamentais, como acesso à educação de qualidade, à informação, água segura, saneamento, moradia adequada e proteção contra violência. A maioria (58%) é negra. Os números são da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (Pnad) de 2015 (mais recente). “A redistribuição de renda é muito importante e os programas com essa finalidade tiveram impacto na melhoria dos indicadores de pobreza, principalmente nos últimos 10 anos. Mas enfrentar o problema significa enxergar além”, defende Bóris Diechtiareff, especialista em monitoramento e avaliação do Unicef.

Para ele, preocupa o número de crianças sem acesso à água, saneamento básico e moradia. “A ausência de infraestrutura leva a outros problemas sérios, como complicações de saúde. Por isso, queremos chamar atenção para a pobreza multidimensional. Não basta melhorar a renda. Para melhorar a vida das crianças são necessárias políticas específicas, em diferentes áreas. A falta de água e saneamento, por exemplo, são problemas que existem há muito tempo e afetam milhares de crianças, principalmente nas regiões Norte e Nordeste do País.”

Em Pernambuco, a situação é alarmante. Um levantamento realizado pela Fundação Abrinq, com base nos dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), revelou que o Estado tem o quinto pior percentual de infância exposta à pobreza do Brasil. A Pnad aponta que 22,7% dos meninos e meninas com idades entre zero e 14 anos vivem em situação de extrema pobreza, quando a renda da casa é inferior a um quarto de salário mínimo. Quando se aumenta o recorte para famílias que vivem com até meio salário mínimo, o indicador passa a englobar 60,5% das crianças do Estado. “A pobreza na infância é um reflexo da pobreza da família como um todo. Trata-se de um problema histórico, que se agravou nos últimos anos devido ao desemprego, sobretudo. Alguns mecanismos, como o Bolsa Família, ajudaram a reverter esse cenário, mas ainda há muito o que ser feito”, reconhece o secretário-executivo de Assistência Social, que integra a Secretaria de Desenvolvimento Social, Criança e Juventude (SDSCJ) do Estado.

Mais de 280 mil meninos e meninas com idades entre zero e 17 anos vivem em favelas no Estado. A maioria não tem condições mínimas de saneamento básico. Em Pernambuco, a situação é acompanhada pela SDSCJ através do Cadastro Único para Programas Sociais (CadÚnico). “Temos 70% das crianças e adolescentes já inseridas no cadastro. Ele é estratégico para identificar esse tipo de situação. Assim, conseguimos mapear as regiões de maior vulnerabilidade para que elas sejam priorizadas nas ações do governo. A partir desse gerenciamento, também é possível orientar as gestões municipais, já que muitos desses problemas são da esfera do município. O desafio agora é inserir toda a população na base e manter os dados atualizados”, explica o secretário.

A vulnerabilidade dos jovens é evidenciada nos índices de trabalho infantil. De acordo com o IBGE, em 2015, 123.299 meninos e meninas com idades entre cinco e 17 anos estavam ocupados. “O trabalho infantil é causa e consequência do problema. Ele ajuda a perpetuar o chamado ciclo intergeracional da pobreza. A criança que trabalha é filha do adulto que também começou a trabalhar precocemente e teve seus direitos fundamentais negados”, destaca a procuradora Jailda Pinto, do Ministério Público do Trabalho (MPT-PE). No Estado, as maiores incidências do trabalho infantil estão na agricultura, no comércio, nos serviços e nas atividades domésticas. “É muito nocivo para a criança ou adolescente. Causa baixo rendimento ou evasão escolar, acidentes e até mortes. Além disso, quase a totalidade dos jovens em conflito com a lei começaram a trabalhar desde cedo. Isso desmente a ideia de que, se está trabalhando, o jovem não está fazendo coisa errada.”

SOLUÇÕES

Para o Unicef, algumas medidas podem ser tomadas para combater a pobreza muldimensional. Entre elas, a inclusão de módulos com monitoramento periódico, como segurança alimentar e saúde na Pnad contínua e nas pesquisas estaduais; a criação de uma subcomissão na Comissão Nacional para os Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS) e promoção de programas de formação de mães e pais.

* Os nomes são fictícios, para preservar as crianças

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