Cinco esqueletos humanos completos e várias ossos isolados foram desenterrados na zona rural do município de Abreu e Lima, no Grande Recife. Longe de ser um caso de polícia, os sepultamentos preservam informações que auxiliarão arqueólogos da Universidade Federal de Pernambuco (UFPE) a conhecer um pouco mais sobre a história da ocupação de uma das primeiras áreas de povoamento do Litoral Norte do Estado.
As ossadas encontram-se no cemitério do antigo Engenho Jaguaribe, implantado no século 16 e que se manteve em atividade até o século 19, no período colonial brasileiro. Estudos mais simples conseguem estimar sexo, idade e estatura das pessoas enterradas no cemitério colonial, informa Andrea Lessa, professora do Museu Nacional do Rio de Janeiro, que está em Abreu e Lima acompanhando a pesquisa arqueológica desenvolvida pela UFPE.
A datação por radiocarbono, diz ela, pode indicar em que época as pessoas viveram. E a partir da análise dos esqueletos é possível saber o que comiam, doenças que contraíram e o estilo de vida que levavam, acrescenta a arqueóloga, especialista em bioarqueologia com experiência em estruturas funerárias e sepultamentos. As ossadas foram retiradas nessa quinta-feira (5) e transferidos para o câmpus da UFPE na Cidade Universitária, Zona Oeste do Recife, onde serão examinadas.
De acordo com Andrea Lessa, os esqueletos completos são de adultos e começam a aparecer a 30 ou 35 centímetros do atual nível do solo. “É uma profundidade muito pequena”, observa. Mas levando-se em consideração que houve a abertura de uma estrada nas terras do antigo engenho, a camada de solo sobre os sepultamentos poderia (ou não) ser maior no passado, pondera.
Todos foram sepultados no sentido paralelo à entrada da capela do engenho, dedicada a Santo Antônio. “Normalmente, nos enterros eclesiásticos, a orientação da cabeça ou dos pés é voltada para o altar”, relata Andrea Lessa. Os ossos desarticulados do cemitério colonial de Abreu e Lima estão a cerca de um metro de profundidade, são mais antigos e devem ter sido remexidos pelos enterros mais novos (os esqueletos completos). Os pesquisadores recuperaram crânio, mandíbula, fêmur e fragmentos de ossos.
“Encontramos esqueletos com os braços cruzados sobre a pelve, o tronco ou o peito, indicando sepultamento com ritual cristão”, afirma. Não há vestígios de caixões ou de objetos associados às ossadas, como botões, peças de metais e colares. “O caixão surge em meados do século 19 para as famílias de maior poder aquisitivo, por ser um item caro. Inicialmente, servia apenas para o transporte dos corpos, não era usado no enterro”, explica a arqueóloga.
No período histórico e pré-colonial necrópoles não costumavam ter marcação individual para os enterros e a reutilização dos espaços acontecia com frequência, continua Andrea Lessa, que veio a Pernambuco a convite da arqueóloga da UFPE Cláudia Oliveira, coordenadora das pesquisas no Engenho Jaguaribe. A professora do Museu Nacional disse que ainda é cedo para afirmar se as pessoas enterradas seriam escravos ou faziam parte da população livre e pobre.
Cláudia Oliveira realiza escavações no engenho, uma das unidades da Sesmaria Jaguaribe, desde 2015. Por falta de recursos, o trabalho é executado aos poucos, em ações com cerca de 30 dias de duração. Ela descobriu o cemitério colonial de Abreu e Lima em julho do ano passado. Na época, afloraram três esqueletos completos e ossos isolados. “Retornamos em 19 de agosto deste ano para novas escavações e encerraremos essa etapa amanhã (esta sexta-feira, 6)”, diz a arqueóloga da UFPE.
O cemitério fica próximo da porta de entrada da Capela de Santo Antônio, hoje em ruínas. “Ampliamos a escavação para tentar delimitar a área dos sepultamentos. Achamos uma estrutura de pedra calcária que pode ter sido o armazém de açúcar do engenho, o trecho localizado do cemitério encontra-se entre a estrutura e a capela, mas a área escavada ainda é muito pequena”, declara Cláudia Oliveira. Possivelmente há mais esqueletos no terreno.
Formada pelos Engenhos Jaguaribe, Inhamã (Igarassu) e Paratibe, a Sesmaria Jaguaribe ocupava uma área doada por Duarte Coelho, primeiro donatário da Capitania de Pernambuco, a Vasco Fernandes de Lucena em 1540. A pesquisa na região integra o Programa de Preservação Ecológica e Cultural da Sesmaria Jaguaribe, lançado por Cláudia Oliveira em 2005.
O trabalho finalizado nesta sexta-feira (6) tem apoio do Fundo Pernambucano de Incentivo à Cultura (Funcultura), da Prefeitura de Abreu e Lima e do Departamento de Arqueologia da UFPE. Participaram do estudo 15 pesquisadores da equipe permanente e 15 alunos vinculados à graduação e pós-graduação em arqueologia da UFPE, ao Instituto Federal de Pernambuco (IFPE) e ao Museu Câmara Cascudo (RN) que fizeram um minicurso de escavação de estruturas funerárias conduzido por Cláudia Oliveira, Andrea Lessa e Sérgio Monteiro, coordenador do Laboratório de Arqueologia Biológica e Forense (Labifor) da UFPE.