O corredor do Hospital Evangélico de Pernambuco, no bairro da Torre, Zona Oeste do Recife, está apinhado de gente. Pacientes, a maioria idosos, esperam pelo jovem médico Esaú da Silva Santos, 29 anos. É lá onde o cirurgião vascular passa as manhãs de sexta-feira. É um dos lugares onde põe em prática o sonho que começou na adolescência. Que tinha tudo para dar errado. Mas que com esforço, persistência, estímulo da família e solidariedade de desconhecidos, tornou-se realidade.
“Na infância não sabia muito o que esperar do futuro. Vivíamos em uma comunidade carente, na zona rural de Jaboatão, rodeado de dificuldades por todos os lados. Mas meus pais sempre guiaram, a mim e a meu irmão, para a educação, que eu acredito ser o caminho que transforma vidas de verdade”, diz Esaú.
Ele e o irmão Jacó, 31, formado em ciências sociais, aprenderam a ler em casa, com a mãe, Quitéria da Silva, quando eram crianças. “Morávamos em um sítio porque era mais fácil conseguir alimentação. Podia cultivar cana, banana. Mas era bem complicado para chegar, ruim de pegar ônibus”, relembra o médico. A mãe vendia cosméticos e o pai era agricultor. Hoje o casal e Jacó moram no bairro de Marcos Freire, também em Jaboatão dos Guararapes, no Grande Recife.
“Algumas vezes faltou comida. Houve momentos em que não podíamos estudar numa escola de melhor qualidade por não ter como pagar a passagem de ônibus. Faltavam professores, tinha a dificuldade de acesso a livros”, diz Esaú. Tanto que o pai, Severino dos Santos, que só estudou até a 4ª série do ensino fundamental, trazia para os filhos livros que encontrava na rua. Muitas vezes usaram roupas e calçados doados por pessoas conhecidas.
Esaú não esquece, no final de 2006, do dia em que viu o nome no listão do vestibular, aprovado em primeiro lugar entre os candidatos egressos da escola pública, na Universidade de Pernambuco (UPE), no segundo ano em que a instituição adotou a política de cotas. Foi o primeiro momento marcante de sua vida, aos 16 anos.
Sem telefone nem acesso a computador, foi com Jacó até a Biblioteca Pública Estadual, ao lado do Parque Treze de Maio, no Centro do Recife, conferir o resultado da seleção, pois lá havia internet gratuita. “Nem acreditei. Quando voltamos para casa, meu irmão me colocou nas costas e entrou gritando: Ah, é medicina, ah, é medicina!. Me emociono até hoje quando lembro desse momento.”
Ele sabia que era uma exceção. “Na época foi uma coisa incrível. No meio em que eu vivia não conhecia nenhum médico e ninguém da escola passou em medicina. Espero que hoje isso tenha mudado, que mais jovens se tornem médicos. Percebi que meu caso não era nada do outro mundo e que é possível conseguir”, atesta Esaú. Além do Hospital Evangélico, ele atende nos Hospitais da Restauração, Esperança e São Marcos, no Recife; e Guararapes, em Jaboatão dos Guararapes.
Não foi fácil para o cirurgião concluir a faculdade, em dezembro de 2012. Pensou em desistir nos primeiros períodos da graduação. Para chegar à UPE, em Santo Amaro, área central do Recife, caminhava meia hora. Depois, uma hora de ônibus. Em seguida, outra meia hora no segundo ônibus. Não tinha dinheiro para pagar passagens, alimentação, xerox. Sua história foi parar na televisão, no Programa de Faustão, da Rede Globo, em abril de 2008. Outro momento decisivo na sua vida.
Muita gente passou a ajudá-lo. Doação de livros, cestas básicas, sapato. “A solidariedade e a união fazem diferença no mundo. Muitas pessoas me ajudaram, até de outros Estados. Algumas me acompanharam até o fim da faculdade, foram para minha formatura. Depois que começaram as doações, pude me dedicar só ao curso”, relembra Esaú. “O extremo é quando você vê faltar alimento... deveria ser o básico para qualquer pessoa, ninguém deveria se preocupar com isso”, comenta.
“Também conheci muitas histórias que me serviram de inspiração. Muita gente se viu ali, naquele momento, e eu acho que foi a melhor parte de tudo. As pessoas dizerem ‘olha, eu passei a dificuldade que você passou, e estou aqui. A gente não vai deixar você ficar pelo caminho não’. Isso foi muito importante”, destaca o médico.
Na festa de formatura, ele se deu conta da nova realidade. “Eu era médico e tinha que ganhar não só o meu sustento, mas também trazer benefícios para a vida das pessoas com o meu trabalho. Escolhi ser cirurgião vascular porque é uma especialidade que dá oportunidade de lidar com pacientes de diferentes situações”, afirma.
“Busco sempre saber alguma coisa a mais do paciente, porque não é só a doença. Tem uma família, têm os sentimentos da pessoa. Às vezes, o problema maior não é o que ela está me trazendo, há algo por trás e eu tenho que buscar isso também. Então o melhor instrumento é realmente ouvir”, diz Esaú. “O paciente é o maior professor do médico”, complementa.
No Hospital Evangélico, os elogios ao cirurgião são muitos. “É um médico fora de série, nota mil. Paciente, não é arrogante. Examina, olha para o doente, conversa. Outros nem sequer olham para gente. Gosto tanto dele que se um dia doutor Esaú sair daqui, para onde for eu procuro saber onde é o consultório dele e vou atrás”, garante a aposentada Josefa Vieira, 71. Ela conta, sorridente, que nos corredores o apelido de Esaú é doutor gato.
A agricultora Maria Suely da Silva, 38, diz que o cirurgião escuta os doentes. “Além de ser responsável, atende muito bem, ajuda quem precisa. Sempre que posso trago uma fava, um feijão de corda, um perfume, qualquer coisa que lhe agrade. Eu dou um oferecimento porque gosto muito dele”.
Casado com a também médica-cirurgiã Gabriella Santana, que conheceu na época da residência médica, Esaú é o exemplo de que vale investir nos sonhos. “Sempre busquei aprender. E minha família é muito unida, o que ajudou bastante. Entre você achar que não consegue e conseguir, às vezes, é um passo muito pequeno. E a pessoa está ali presa porque acredita que não vai dar certo. Tive muitas dificuldades. Mas continuei trilhando o caminho sem baquear, sem pestanejar e visando um objetivo maior, a medicina.”