Desafio é aplicar os instrumentos urbanísticos em favor da habitação

Mesmo cidades que já aprovaram essas ferramentas, em suas normas jurídicas, têm dificuldade de aplicá-las concretamente
Ciara Carvalho
Publicado em 23/09/2019 às 7:10
Mesmo cidades que já aprovaram essas ferramentas, em suas normas jurídicas, têm dificuldade de aplicá-las concretamente Foto: Foto: Léo Motta/JC Imagem


A demora na regulamentação dos instrumentos urbanísticos não é um problema só do Recife. Mesmo cidades que já aprovaram essas ferramentas, em suas normas jurídicas, têm dificuldade de aplicá-las concretamente. Pesquisa realizada, no ano passado, pelo arquiteto e urbanista Carlos Leite para o Lincon Institute revela que mais de 1.400 cidades no Brasil já regulamentaram, por exemplo, a outorga onerosa do direito de construir. Mas pouquíssimas, menos de dez, conseguiram aplicar efetivamente a legislação. São Paulo, de longe, é o caso mais exitoso. “Costumo dizer que esses instrumentos existem só para inglês ver. Está lá, no Plano Diretor ou é uma lei específica, regulamentada, mas sem aplicação real, não sai do papel”, afirma Carlos Leite, que é professor da Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da Universidade Presbiteriana Mackenzie, em São Paulo.

Autor do livro Cidades Sustentáveis, Cidades Inteligentes, o urbanista diz que, apesar da dificuldade de aplicação, a normatização urbanística reúne instrumentos fundamentais de política fundiária. As ferramentas ajudam a arrecadar e capturar recursos do mercado imobiliário nas áreas mais bem estruturadas dos municípios para aplicar nos territórios que não têm infraestrutura. “Essa função redistributiva já estava prevista no Estatuto das Cidades, de 2001, e é o que se faz na Colômbia, nos Estados Unidos, no Canadá e em todos os países que enfrentaram o problema do déficit habitacional.”

Ele cita, por exemplo, a experiência de Medellín, cidade colombiana que também é referência internacional na redução da violência urbana. Quatro gestões seguidas em Medellín aplicando os marcos regulatórios e seguindo os planos locais fizeram toda a diferença. “A questão da falta de habitação, dos assentamentos precários, bairros sem infraestrutura, não se resolvem num passe de mágica, com uma ou duas gestões. Têm que ter continuidade. Os marcos regulatórios robustos, em que os instrumentos urbanísticos sejam aplicados, vão redesenhando a cara da cidade, tornando-a mais justa socialmente.”

PLANO DIRETOR AUTOAPLICÁVEL

Outro ponto fundamental, na avaliação de Carlos Leite, é ter um plano diretor autoaplicável, para que ele tenha uma efetividade mais rápida. “O ideal é que, uma vez aprovados na Câmara dos Vereadores, no dia seguinte, todos os instrumentos urbanísticos estejam funcionando. Mas isso, infelizmente, é uma raridade, porque a maior parte das cidades brasileiras bota no plano e estabelece prazo de dois anos para a regulamentação, ou seja, remete a outras leis aquilo que está no papel”, critica o arquiteto. Justamente o que aconteceu no Recife. Os instrumentos urbanísticos na capital deveriam ter sido regulamentados em 2010, dois anos após a aprovação do atual Plano Diretor, ocorrida em 2008. Como bem previu Carlos Leite, isso terminou não acontecendo.

Para o arquiteto e urbanista Geraldo Marinho, diante de todas essas dificuldades de implementação, a outorga onerosa é mais mito do que realidade. “Alguns municípios de Pernambuco até fizeram isso, como as cidades de Caruaru e Petrolina. Mas os resultados não são tão positivos. A gente não tem bons exemplos de aplicação desse instrumento, porque, onde eles existem, terminam virando apenas um arrecadador fiscal. A questão da produção de unidades de interesse social termina não sendo a prioridade e o dinheiro é gasto em outras áreas.”

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