A cidade de Aracaju, capital de Sergipe, alcançou um feito que é o sonho de todo morador do Grande Recife. Eles conseguiram erradicar as palafitas da paisagem. E o que é mais importante: a conquista já completou mais de uma década. O que significa que é uma transformação consolidada no tecido urbano de Aracaju. A mudança demorou cinco anos para acontecer: começou em 2002 e se estendeu até 2007. O alvo da gestão municipal, na época comandada pelo prefeito Marcelo Deda (já falecido), foi o bairro da Coroa do Meio, que concentrava todas as construções de madeira fincadas na área de manguezal. Na ação, foram retiradas 580 palafitas. Outras 80 habitações precárias entraram no pacote. No final, 660 famílias ganharam casa nova. Mais do que isso, ganharam um bairro planejado, com avenida, ruas asfaltadas, ciclofaixa, saneamento, áreas de lazer e infraestrutura urbana.
Do ponto de vista geográfico, a Coroa do Meio guarda muitas semelhanças com o bairro do Pina, na Zona Sul do Recife, por estar localizado no estuário do rio. A área era um loteamento de renda média e alta que não foi totalmente implementado, e famílias de baixa renda começaram a ocupar, a partir da década de 1970, principalmente junto a uma área de mangue, local favorável à pesca, o que viabilizava o sustento dos moradores. Ao longo dos anos, as palafitas proliferaram, tornando-se o endereço mais miserável da capital sergipana. Na década de 90, houve uma tentativa de retirar os moradores. Iniciativa que terminou não vingando.
Na nova investida, a estratégia da prefeitura foi firmar um pacto social com os moradores para viabilizar a retirada dos casebres. À frente do trabalho social feito na época, a professora aposentada da Universidade Federal de Sergipe Vera Lúcia Alves França lembra que mais de 80% das famílias assinaram um documento de adesão, concordando em sair das palafitas. “Foi um projeto democrático, que envolvia muitas áreas, desde a universidade até a gestão municipal.”
O então projeto, batizado de Moradia Cidadã, teve um outro componente decisivo, a discussão ambiental em torno do mangue. O atual secretário municipal de Infraestrutura e presidente da Empresa Municipal de Obras e Urbanização de Aracaju, Antônio Sérgio Ferrari, conta que a construção da avenida principal serviu como contenção para evitar novas invasões. “Não chegou a 10% o que foi aterrado. Em compensação, fizemos um grande trabalho de recuperação da área de manguezal, aliado a atividades de educação ambiental junto à população, o que foi essencial para o resultado positivo”, explica.
Coincidentemente, foi ele quem esteve à frente do processo de urbanização da área lá no início dos anos 2000. “Foi mais que uma obra física. Foi uma transformação social, com capacitação profissional e atenção às necessidades dos moradores, diante das mudanças que eles precisariam enfrentar com a nova vida”, ressalta. O secretário destaca outro diferencial: a permanente vigilância da área. A prefeitura mantém uma fiscalização constante para evitar a reocupação, com novas palafitas. “Nós não deixamos que nada seja construído no local, nada que tenha base de cimento nem que possa resultar em moradias improvisadas. O próprio morador já liga e denuncia. Isso tem sido importante para manter a área livre de novos casebres.”
Antônio Sérgio Ferrari afirma que foi feito um trabalho de prolongamento das ruas, de forma que o novo bairro estivesse integrado ao tecido urbano e social da cidade. “Um dos principais erros em realocações de famílias de baixa renda é a segmentação das áreas para onde essa população é levada, porque isso impede que a cidade cresça de forma inclusiva. É fundamental aproximar as muitas escalas de renda, com oferta de serviço e infraestrutura.” Ao longo dos anos, as casas padronizadas entregues pela prefeitura ganharam novos arranjos. Muitas hoje são residências com primeiro andar, outras viraram pontos comerciais. Cada morador foi, aos poucos, fazendo as melhorias que o bolso permitiu.