A funcionária pública aposentada Célia Mamede da Silva, 71 anos, conheceu o Morro da Conceição quando o lugar ainda não era urbanizado. “Eu morava em Santana (Zona Norte do Recife), vim para cá pequenina e envelheci no Morro. As ruas eram de barro, tinha muito mato e pouca casa. Madrugava para pegar água descendo as ladeiras e ia a pé para a escola em Casa Amarela (perto do mercado público)”, relembra Célia.
Ela é filha de Mamede da Silva, falecido há mais de 20 anos e um dos moradores antigos do lugar. Motorista de caminhão e de carro particular, era seu Mamede quem ajudava a carregar mercadorias para ocupantes da colina, quando não existia a Rua Itacoatiara (subida de veículos) e a Estrada do Morro da Conceição (descida de veículos), nem a linha de ônibus 612 – Morro da Conceição.
No processo de urbanização do bairro, o terminal do ônibus foi implantado na frente da residência da família Mamede Silva. “Agora, tudo é mais fácil, chorei quando chegou água encanada em casa, o sofrimento era muito grande”, diz Célia. O Morro recebe água num rodízio de 24 horas com o produto e 72 horas de interrupção do abastecimento, diz a coordenadora técnica da Companhia Pernambucana de Saneamento, Bruna Borges.
Célia Mamede destaca a participação do padre Reginaldo Veloso na urbanização da comunidade, que pertencia a Casa Amarela e tornou-se independente em 1988 com a Lei municipal nº 14.452. A legislação redefiniu as coordenadas geográficas do Recife e criou os atuais 94 bairros da cidade. Pároco do Morro, padre Reginaldo foi afastado da igreja em 1989. “É um amigo, um padre como aquele o Morro não viu igual”, ressalta.
A família de seu Mamede vive na mesma casa (antes de taipa e agora de alvenaria) na Praça do Morro da Conceição, espaço de convivência dos moradores desde a ocupação da encosta. Célia começou a assistir às missas quando a igreja ainda era uma capela, prédio antigo preservado no bairro. O atual santuário, maior e com paredes de vidro, fica entre a capela e a imagem da santa, uma escultura de ferro francesa que mede 3,5 metros e tem 1.806 quilos de peso.
O Morro mudou, mas a fé em Nossa Senhora continua a mesma, diz Célia Mamede. “Tinha perdido contato com minha irmã mais velha, que se mudou para o Rio de Janeiro, fiz uma promessa aos pés da santa, e pouco tempo depois uma pessoa localizou minha irmã em Duque de Caxias. Daqui só saio para o cemitério”, declara.
Nascida no Morro da Conceição há 45 anos, a dona de casa Marisete Albino ressalta a importância de padre Reginaldo no desenvolvimento da comunidade. “Nada foi fácil, o calçamento das ruas, a proteção das barreiras, as escadarias nas encostas são conquistas da população, reunida no Conselho de Moradores, com apoio da igreja. Mas ainda precisamos de coisas”, reforça. Pelo Censo de 2010, o bairro só tinha 15% das casas com acesso a esgoto, enquanto o percentual no Recife era de 55%.
Marco religioso português no Morro da Conceição, a imagem de Nossa Senhora teve papel decisivo na ocupação da encosta, confirma a arquiteta da Secretaria de Planejamento do Recife Adriana Figueira. “Ela é o que chamamos de fato urbanístico para a ocupação de uma localidade”, diz Adriana, que pesquisou o assunto para a dissertação de mestrado A Grande Mãe – um Estudo Sobre o Imaginário do Lugar, defendida em 2000 na Universidade Federal de Pernambuco (MDU-UFPE).
As ideias higienistas dos governos na década de 1930, a criação da Liga Social Contra o Mocambo em 1939, a expulsão das famílias pobres das áreas centrais do Recife e a migração de moradores do interior em buscas de melhores condições de vida na capital contribuíram para aumentar a população do Morro, acrescenta Adriana.
A proximidade do lugar com a Avenida Norte, inaugurada em 1946 nas imediações da antiga Estrada de Ferro Recife-Limoeiro, também ajudou a atrair novos habitantes para o Morro, uma das primeiras alternativas de moradia popular espontânea na cidade, diz a arquiteta. O Morro da Conceição fica entre o Alto José do Pinho, Casa Amarela, Vasco da Gama e Alto José Bonifácio.