A economia chegou ao fundo do poço, os cofres públicos estão vazios, e os protestos nas ruas são cada vez mais violentos. Mas é Carnaval e, por quatro dias inteiros, cariocas e turistas vão sambar na cara da crise.
O maior Carnaval do mundo começou nesta sexta como a anestesia perfeita para uma cidade em crise, que já nem se lembra dos Jogos Olímpicos e que espera receber um milhão de turistas e um bilhão de dólares até a Quarta-Feira de Cinzas.
Apesar de os blocos de ruas já estarem há dias em ritmo de esquenta, o Rio teve um início de carnaval atípico.
Pela primeira vez na história, o prefeito não entregou as chaves da cidade ao rei Momo, monarca de todos os excessos, que simbolicamente administra a "Cidade Maravilhosa" nos dias de folia.
O rei Momo recebeu as chaves da secretária da Cultura, Nilcemar Nogueira. Nem sinal do prefeito, o ex-bispo evangélico Marcelo Crivella.
"Sua mulher está doente", declarou a secretária aos jornalistas.
"Está com uma gripe muito forte", reforçou o presidente da Riotur, Marcelo Alves.
Para começar, o Carnaval das vacas magras obrigou as escolas de samba a usar de engenhosidade para conseguir montar seu espetáculo e colocar milhares integrantes na avenida.
Além da falta de dinheiro, a insegurança também levou ao menos 37 cidades a cancelar o Carnaval, segundo o jornal Folha de S. Paulo.
Várias localidades no Espírito Santo ficaram sem a folia depois que a greve da Polícia Militar deflagrou uma onda de violência que deixou 140 mortos em apenas uma semana no início de fevereiro.
No Rio, onde cinco milhões de pessoas devem participar da maior festa a céu aberto do mundo, a violência também é uma grande preocupação.
Além dos assaltos e homicídios recorrentes, nas últimas semanas proliferaram as manifestações violentas contra os planos de austeridade do governo estadual pelas mesmas ruas onde a partir de agora dançarão e cantarão milhares de foliões.
Para piorar, o governo federal decidiu retirar na quarta-feira o reforço de 9.000 militares que, durante nove dias, patrulhou os principais pontos turísticos para reforçar a segurança em meio à greve policial.
Este será, de fato, o primeiro Carnaval do presidente Michel Temer depois do impeachment de Dilma Rousseff e terá um tom político.
Nas ruas, sairão blocos como o "Fora Temer", e o Sambódromo também não deixará de lançar seus dardos políticos ao ritmo de samba.
As mais de 70.000 pessoas presentes na avenida verão as escolas abordando temas bem delicados.
A Mangueira, campeã do ano passado, dedicará seu enredo à diversidade religiosa, com uma exaltação à umbanda e ao candomblé, o que incomoda muito os evangélicos.
A São Clemente atravessará a Marquês de Sapucaí falando das vergonhas da corrupção e evocando a história de um ministro do rei francês Luís XIV, uma figura muito familiar aos brasileiros acostumados com o escândalo do Petrolão.
A crítica mais violenta talvez seja a da Imperatriz Leopoldinense contra os poderosos agroempresários, pois farão uma ode à natureza e às tribos do Parque do Xingu.
"Acho que o Carnaval parece uma festa - e, de fato, é -, mas é muito mais do que isso. Muitas vezes serve para nos fazer sublimar por alguns dias os problemas da vida", declarou à AFP o comediante Gregório Duvivier, membro de vários blocos de rua, como o "Ocupa Carnaval", e criador do portal humorístico Porta dos Fundos.
"Acho que ele é ainda maior no momento de crise, porque é ainda mais necessário. Ele serve para unir um país muitas vezes dilacerado por desigualdades de todos os tipos, onde todos se encontram na rua", conclui.