Pesquisa traça o perfil de usuários de crack e o impacto do Programa Atitude

Levantamento feito pela UFPE mostra que aprovação do projeto atinge 97% dos entrevistados
Ciara Carvalho
Publicado em 02/08/2016 às 7:00
Levantamento feito pela UFPE mostra que aprovação do projeto atinge 97% dos entrevistados Foto: André Nery/JC Imagem


O cômodo é pequeno – só quarto e sala – mas é o lugar onde Alexsandro Francisco dos Santos encontrou dignidade e esperança. A maior parte dos móveis ele ganhou, mas a geladeira, o fogão e a panela de pressão, orgulha-se em dizer, foram comprados com o seu dinheiro. Alexsandro é um sobrevivente. Há dois anos, está longe do crack e do álcool. Sabe que, se tomar um copo de cerveja ou uma dose de cachaça, talvez não consiga parar mais. Aos 36 anos, voltou a estudar. Faz planos. Espalhou currículo. Procura emprego. O aluguel do quarto e sala custa R$ 300. É pago pelo Atitude, principal programa estadual de assistência a usuários de drogas. “Eles me ajudaram a ter vontade de viver novamente. Se não fosse o Atitude, eu já estaria morto”, diz, com a consciência de quem já tentou, por duas vezes, tirar a própria vida. Pesquisa inédita revela que um contingente expressivo de usuários, assim como Alexsandro, conseguiu parar ou reduzir o consumo de droga após participar do programa.

Cerca de 60% diminuíram a frequência e 38% conseguiram largar o vício, enquanto estavam no projeto, criado em setembro de 2011. O levantamento foi feito pelo Núcleo de Estudos e Pesquisas em Criminalidade, Violência e Políticas de Segurança Pública da Universidade Federal de Pernambuco (UFPE). Os pesquisadores traçaram o perfil dos beneficiários do Atitude e o impacto sobre o consumo de crack e o medo da violência. O estudo aponta que a maioria das pessoas atendidas faz uma avaliação positiva do projeto: 97% recomendariam para um amigo ou parente e 77% dão notas acima de 8 para o programa. Os dados completos serão apresentados hoje, às 9h30, na Faculdade de Direito do Recife.

A divulgação da pesquisa acontece em um momento delicado do Atitude. Desde o segundo semestre do ano passado, o programa vem sofrendo cortes de orçamento, com redução de pessoal e fechamento de alguns serviços. A coleta dos dados foi feita exatamente no período anterior ao contingenciamento do programa: o primeiro semestre de 2015, nos meses de fevereiro e março. Foram analisados o cadastro de 5.714 usuários, além de entrevistas individuais e grupos focais com beneficiários, familiares e profissionais do programa.

O Atitude foi idealizado como um dos braços do Pacto pela Vida, criado para reduzir o alto índice de homicídios registrados em Pernambuco. O projeto tinha como meta atender, prioritariamente, usuários de crack ameaçados de morte. A pesquisa revela que esse objetivo vinha sendo atingido, uma vez que 77,2% dos usuários afirmaram se sentir mais seguros quando estavam participando do projeto. Cerca de 65% dos entrevistados disseram já ter sofrido algum tipo de ameaça.

O levantamento foi coordenado pelo professor e pesquisador da UFPE José Luiz Ratton e pelo pesquisador Rafael West. Ao investigar o impacto que o programa causa na relação de dependência dos usuários, o estudo contatou que, antes do Atitude, cerca de 82% das pessoas atendidas faziam uso diário de drogas. Após envolvimento nas ações do programa, esse percentual caiu para 22%. “O levantamento comprovou, com dados científicos, um sentimento que já existia de que o Atitude ajuda a construir uma percepção de qualidade de vida para o usuário. Mesmo os que não largam a droga, têm acesso a serviços de saúde, orientação psicóloga e de direitos que afetam positivamente suas vidas”, afirma o pesquisador Rafael West.

 

 

Diante da avaliação positiva apontada pela pesquisa, ele espera que a divulgação do levantamento contribua para uma retomada dos serviços suspensos. “É um programa cujo resultado mais expressivo é salvar vidas. A redução de investimentos compromete os resultados obtidos. Torcemos para que haja uma decisão de manter e incentivar o programa. Os dados mostram que o Atitude vinha conseguindo seu objetivo”, avalia Rafael West.

A maior prova desse resultado, ele ressalta, é o alto grau de confiabilidade de quem mais importa neste trabalho: os próprios usuários. “Eles se sentiam respeitados dentro do programa. Esse sentimento é fundamental para ajudar numa decisão tão difícil como a de reduzir ou interromper o uso de drogas, principalmente o crack”, destacou.

O perfil feito pelo levantamento mostra que a maioria dos usuários do Atitude é negra ou parda, jovem, heterossexual, com baixa escolaridade e desempregada. Justamente o perfil que se observa entre vítimas de homicídio, presos do sistema penitenciário ou pessoas em situação de vulnerabilidade social.

TAGS
pesquisa droga programa atitude crack
Veja também
últimas
Mais Lidas
Webstory