Pacientes de câncer de mama enfrentam via crúcis na Justiça

Direito à reconstituição mamária, anestesia, quimioterapia oral e isenção do Imposto de Renda sobre os proventos são alguns dos direitos desses pacientes
Moema Luna
Publicado em 09/10/2015 às 7:03
Direito à reconstituição mamária, anestesia, quimioterapia oral e isenção do Imposto de Renda sobre os proventos são alguns dos direitos desses pacientes Foto: Foto: Sérgio Bernardo/JC Imagem


A maior preocupação do paciente com câncer de mama e de seus familiares deveria ser a luta pela cura da doença. Direcionar as energias e atenções para o tratamento, a recuperação e o bem-estar da mulher. Mas associado ao desgaste trazido pela doença, o paciente e seus familiares muitas vezes precisam enfrentar outro mal tão temível quanto o câncer: a burocracia do setor de serviços ligados à saúde, que nega ao paciente o cumprimento de seus direitos. 

De acordo com a advogada Diana Câmara, a judicialização da saúde tem garantido a manutenção de benefícios básicos, muitas vezes negligenciados tanto por operadores de planos de saúde quanto pelo Sistema Único de Saúde (SUS). Direito à quimioterapia oral, medicamentos, reconstituição mamária e anestesia, por exemplo, são garantidos por leis nem sempre cumpridas. Tudo isso torna o que já é difícil ainda pior.

De liminar em liminar, o sentimento de impotência diante da burocracia leva as famílias a preferir vender o que têm e a se endividar para ganhar tempo e impedir o avanço da doença, do que perder tempo aguardando decisão judicial.

Especialista em direito do paciente, a advogada é autora do livro que versa sobre o assunto: Câncer 360º Orientações para uma Vida Melhor, lançado em 2013 pela Carpe Diem.

“O Tribunal de Justiça tem sido sensível às questões relativas à saúde. As decisões liminares são céleres, principalmente em relação ao câncer porque tempo é vida”, diz Diana Câmara, fazendo uma ressalva ao andamento dos processos. 

Entretanto, a também advogada e especialista em direito do paciente, Antonieta Barbosa luta na justiça há 17 anos pelos seus próprios direitos. Em 1998, Antonieta descobriu um câncer na mama esquerda, passou por uma quadrantectomia e pela reconstrução mamária.

Passado o susto, Antonieta iniciou uma pesquisa na legislação, buscando seus direitos, o que resultou em diversas ações judiciais, algumas das quais, após 17 anos de luta, ainda não foram solucionadas pela Justiça, devido à enorme quantidade de recursos e manobras jurídicas possíveis na legislação brasileira.

O depoimento das mulheres é muito semelhante ao descrever o sentimento no momento em que recebem o diagnóstico de câncer de mama: “É como uma sentença de morte”. Foi exatamente esta a descrição feita pela advogada. Ela superou a doença e todos os entraves que a burocracia impõe ao paciente.

Para ajudar outras pessoas acometidas pela doença, escreveu Câncer Direito e Cidadania – Como a Lei Pode Beneficiar Pacientes e Familiares, já na sua 15ª edição, uma referência nacional para médicos, pacientes e advogados, publicado pela Editora Atlas.

Antonieta foi vítima de situações denominadas por ela de absurdas. De acordo com a legislação, quando o funcionário público se aposenta por doença grave pode requerer remuneração integral e isenção do Imposto de Renda (IR) sobre os proventos, direitos que foram negados à advogada, pelos quais ela luta desde 1999. Outra batalha enfrentada por ela foi a isenção de impostos na compra de veículo adaptado à sua limitação física, somente conseguido a partir de liminar judicial. 

Este último benefício justifica-se nos casos em que a mastectomia exige o esvaziamento dos gânglios linfáticos axilares. Após a realização desse procedimento, a mulher sofre com a redução da sensibilidade, força, defesa e mobilidade do braço. Caso não seja orientada a fazer a drenagem e a fisioterapia corretamente, poderá desenvolver um inchaço que compromete definitivamente o membro afetado. O problema acarreta trauma psicológico, segregação social e até aposentadoria precoce. 

Como essa mulher passa a ter limitações e necessidade de adequar-se à nova realidade, faz-se necessário que as condutoras de veículos troquem o carro manual por um automático, que exige muito menos esforço.

JUDICIALIZAÇÃO

“Todo paciente tem direito a iniciar seu tratamento em, no máximo, 60 dias após o diagnóstico. Porém, a estrutura das unidades de saúde existentes não consegue suprir a demanda por atendimento, seja por falta de profissionais de saúde, de medicamentos ou de leitos hospitalares. Em consequência, a lei é solenemente ignorada”, afirma a advogada.

A reconstrução mamária é outro exemplo com o qual Antonieta Barbosa tem se deparado. Apesar da existência de duas leis federais obrigando o SUS e os planos de saúde a fazer o procedimento gratuitamente, são recorrentes as queixas de pacientes que não conseguem exercer esse direito. 

“Em alguns casos o plano nem autoriza nem nega, fica ‘cozinhando’ o paciente”, enfatiza Diana Câmara, que reforça o depoimento de Antonieta ao acrescentar que a mama é o maior símbolo de feminilidade. Ela considera a mastectomia uma amputação tão drástica e nociva à auto-estima da mulher que, por isso, não pode ser considerada estética. Embora a jurisprudência reconheça esses direitos, contraditoriamente a Justiça é contestada o tempo todo.

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