A explosão da violência no interior de Pernambuco

A região registrou 3.062 assassinatos em 2017, 66% dos registrados em todo o Estado
Leonardo Vasconcelos
Publicado em 11/03/2018 às 8:17
Foto: Foto Diego Nigro/JC Imagem


Onde antes se via tranquilidade, hoje se enxerga medo. O interior de Pernambuco nunca esteve tão violento. De acordo com os dados da Secretaria de Defesa Social (SDS) de Pernambuco, a região registrou 3.062 homicídios, mais da metade (66%) dos notificados em todo o Estado no ano passado. Nos últimos cinco anos, o índice de assassinatos no interior vem aumentando, mas em 2017 ele explodiu. Em algumas cidades, aumentou 400% em relação a 2016. Outras apresentam uma taxa de assassinatos superior a de países em guerra.

Desde 2012, o número no interior dos chamados Crimes Violentos Letais Intencionais (CVLI), que incluem homicídio, latrocínio e lesão corporal seguida de morte, vem aumentando e em proporção bem maior que a de outras regiões. Naquele ano houve 1.666 mortes. No ano passado, foi quase o dobro e pela primeira vez na história o índice ultrapassou a casa dos três mil: 3.062 mortes. Um significativo aumento de 470 em relação a 2016.

Foto Diego Nigro/JC Imagem
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Isso fez com que o Estado como um todo terminasse o ano passado com 5.427 homicídios, 21% a mais que em 2016 (4.479), o maior número já registrado e que ultrapassou pela primeira vez em uma década a marca de 2007 (4.591), quando o então governador Eduardo Campos (PSB), morto em 2014 em um acidente aéreo, deu início ao programa Pacto Pela Vida. O desafio era reduzir em 12% ao ano os homicídios. Mas, em vez disso, o índice cresceu. Está 18% maior em relação à época em que o projeto foi implantado.

A interiorização da violência não é novidade nem exclusividade de Pernambuco. O Brasil inteiro sofre com o fenômeno que pode ser explicado a partir de proporções, ou melhor de desproporções: a criminalidade tem se tornando exponencialmente grande onde a presença do Estado ainda é pequena. Ou seja os bandidos vêm agindo mais em regiões em que o efetivo policial e a estrutura de segurança são insuficientes.

Este aumento da violência no interior pernambucano, como os números demonstram, é uma constante nos últimos cinco anos. Todavia, em 2017 houve uma explosão de violência na região. Em alguns municípios como Tacaratu e Cedro, ambos no Sertão, o aumento do número de homicídios atingiu 400% no ano passado em relação a 2016. Outro município que apresentou grande crescimento em termos percentuais foi Cachoeirinha (340%), no Agreste, que deu um assustador pulo de 5 homicídios em 2016 para 22 em 2017.

O designer Reginaldo Apolinário diz que o clima na cidade é de medo constantemente. “Não tem um horário em que você ande na cidade tranquilo. É crime de dia e de noite. A gente tenta evitar sair de casa ao máximo. No mês passado, os ladrões levaram o carro de um amigo meu. Aqui a bandidagem está grande, principalmente por conta do tráfico de drogas”, denunciou.

Outros municípios do interior também apresentam dados negativos. Cupira, no Agreste, por exemplo, registrou a alarmante taxa de 171,5 homicídios por 100 mil habitantes (só perdendo para os 198,5 de São José da Coroa Grande, no Litoral Sul). Durante um ano foram 41 assassinatos, em uma cidade de quase 24 mil pessoas. A taxa de mortos por 100 mil habitantes em Pernambuco é de 57,09 e a do Rio de Janeiro, que devido à violência está sob intervenção federal – a primeira desde a Constituição 1988 – é de 40. A Organização das Nações Unidas (ONU) considera “aceitável” uma taxa de até 10 homicídios por 100 mil pessoas.

Entre os 41 assassinatos registrados em Cupira está o do irmão de uma estudante que preferiu não se identificar. O crime foi no começo do ano passado, quando ele estava chegando de carro à casa da mãe. “Ele ligou antes pra avisar que estava chegando e minha mãe foi esperar na calçada. Quando ele ia parando o carro na frente da casa veio um cara de moto e deu seis tiros, um pegou na cabeça e foi fatal. Minha mãe assistiu a tudo”, contou. Perplexidade que infelizmente é vista em quase todo o interior de Pernambuco.

CARTÃO-POSTAL MANCHADO 

Quem diria que a cidade de São José da Coroa Grande, antes pacata e cobiçada pelos turistas entraria para a lista das mais violentas. Com pouco mais de 20 mil habitantes, a cidade do Litoral Sul pernambucano contabilizou 41 assassinatos em 2017, um aumento de 128% em relação ao ano anterior (18). Isso fez com que ela tivesse a assustadora taxa de 198,5 homicídios por 100 mil pessoas, disparada a maior de Pernambuco e superior à de cidades em guerra.

Para se ter uma ideia, a Organização das Nações Unidas (ONU) considera que 30 assassinatos a cada 100 mil pessoas já é índice de locais em conflito. No ano passado, a organização não governamental mexicana Conselho Cidadão pela Seguridade Social Pública e Justiça Penal, que faz a lista das cidades mais violentas do mundo, considerou Caracas, capital da Venezuela, a mais perigosa do mundo pelo pelos 119 assassinatos por 100 mil habitantes. O levantamento foi feito considerando dados de 2015.

Até o fim do mês passado houve em São José da Coroa Grande 11 assassinatos, entre eles um triplo homicídio e uma chacina envolvendo cinco pessoas. As mortes aconteceram em um espaço de apenas três dias, entre 15 e 17 de fevereiro. A maioria dos crimes, segundo a polícia, tem relação com o tráfico de drogas. A polícia diz ainda que bandos rivais disputam entre si o controle pela comercialização de entorpecentes na região.

O que era um cartão-postal na região virou quase cidade fantasma com a fuga dos turistas. Não à toa, mesmo em dias de sol tem sido difícil achar alguém nas areias da praia. Muito menos gente disposta a dar entrevista. A técnica de enfermagem, Valdenira Soares, do Recife, foi uma das poucas que se dispuseram a falar com a reportagem. “Trabalhamos demais e precisamos nos divertir. É pedir a Deus que ocorra tudo bem porque nós viemos em paz e com fé pretendemos voltar assim”, disse.

Entre os comerciantes a maioria também se negou a falar com a imprensa. Um deles, inclusive, que não quis se identificar relatou ter dado entrevista sobre a onda de homicídios no local e logo depois sofreu ameaças. “Chegou um cara aqui e perguntou se eu não tinha medo de morrer por ter falado aquilo na TV”, contou. Um barraqueiro, que também preferiu omitir a identidade, relatou a queda nos lucros. “O movimento caiu pela metade, um prejuízo grande pra gente que depende disso. A violência tá muito grande, espanta todo mundo”, afirmou.

Outro famoso destino do Litoral Sul que saiu do roteiro dos visitantes e entrou no noticiário policial foi Enseada dos Corais, no Cabo de Santo Agostinho. A até então tranquila localidade foi palco de cinco assassinatos em menos de 48 horas dos dias 21 a 22 de fevereiro, entre eles houve um triplo homicídio. O Cabo de Santo Agostinho contabilizou 92 assassinatos no ano passado, 28% a mais que em 2016 (72).

O barraqueiro e presidente da associação de microempreendedores da orla de Enseada, Crélio José da Silva, está desolado em meio as cadeiras vazias na praia. “Quem não tem medo? Nós mesmos só estamos aqui porque temos que ganhar o pão de cada dia. Agora, me diga, como a pessoa vai sair de casa pra vir para um lazer e ficar sossegada sabendo que pode assistir a um crime ao seu lado”, questionou Crélio Silva.

 CARUARU VIROU A CAPITAL DO MEDO

Quinze para as seis da noite. Mal começa a escurecer no Salgado, bairro mais populoso e violento de Caruaru, no Agreste, e o comerciante José Saturnino já se apressa para fechar seu depósito de bebidas. Pede para a equipe de reportagem esperar um minuto enquanto termina de trancar o estabelecimento. “Tem que ficar de olho, não pode se descuidar. Na hora de abrir ou fechar a loja é sempre assim. É atenção o tempo todo”, disse, rapidamente, depois de verificar os cadeados no portão.

Em frente ao depósito, enquanto conversa, desvia o olhar seguidas vezes para a rua quando passam motos ou carros diminuem a velocidade. “Morei minha vida inteira aqui no Salgado, hoje não mais, mas sei bem como é aqui. É um bairro com muita gente, muito movimentado e tem que ter cuidado. Infelizmente o clima aqui e na cidade inteira é de insegurança”, afirmou.

Maior e mais populosa cidade do interior pernambucano, Caruaru é também a que apresenta maiores números absolutos de criminalidade na região. A Capital do Forró se transformou, segundo os moradores, na capital da violência. Ano passado, foram registrados 262 homicídios, o terceiro maior índice do Estado, só perdendo para o Recife (791) e Jaboatão dos Guararapes (398), à frente, portanto, das outras cidades da RMR. Em relação a 2016, foram 37 a mais, o sexto município que mais cresceu em números absolutos. Caruaru tem hoje uma taxa de 74,5 homicídios por 100 mil pessoas.

Uma prova da sensação de insegurança em Caruaru foi a noite do dia 26 de maio do ano passado, quando nada menos que sete assassinatos foram registrados. Entre eles, houve uma chacina de quatro jovens entre 16 e 21 anos no bairro do Salgado. Os outros crimes aconteceram no bairro José Liberato, na Vila do Aeroporto e no Maria Auxiliadora. Na mesma noite, uma senhora, que não teve a identidade revelada, ao descobrir que seu filho havia sido assassinado na chacina do Salgado sofreu um infarto e morreu.

No ano passado, o jornalista Alexandre Farias, que tantas vezes relatou a criminalidade no noticiário local, foi vítima da violência. Foi atingido na cabeça por uma bala perdida, no dia 16 de setembro, quando voltava à noite para casa, no Alto do Moura, e acabou em meio a um tiroteio entre policiais e bandidos. Até hoje está internado em um hospital do Recife.

O crime aconteceu em frente à oficina do artesão Cícero José da Silva, no Alto do Moura. “Foi um dia terrível que mostrou o quanto estamos desprotegidos aqui. Um carro cheio de bandidos atirando pra todo lado. Aquela bala perdida podia ter atingido qualquer um de nós. Estamos torcendo muito por Alexandre”, contou.

 

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homicídios interior Pernambuco violência
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