FEMINICÍDIO

'Ele tinha câmera dentro de casa, era obsessivo', diz mãe de fotógrafa assassinada na Madalena

A família esperou pelo suspeito Raphael Cordeiro Lopes, 32, em frente à delegacia

AMANDA RAINHERI
Cadastrado por
AMANDA RAINHERI
Publicado em 11/02/2020 às 18:17
Foto: Jailton Júnior/ JC Imagem
A família esperou pelo suspeito Raphael Cordeiro Lopes, 32, em frente à delegacia - FOTO: Foto: Jailton Júnior/ JC Imagem
Leitura:

A família da fotógrafa Leandra Jennyfer da Silva, de 22 anos, assassinada no último domingo (9) pelo companheiro, na Madalena ,Zona Oeste do Recife, quando voltava de uma prévia de Carnaval, passou esta terça-feira (11) em frente à Delegacia do Cordeiro, à espera Raphael Cordeiro Lopes, 32. A expectativa era de que o suspeito se entregasse à polícia. Mãe de Leandra, a também fotógrafa Josiane Oliveira, de 44 anos, conversou com a reportagem do Jornal do Commercio sobre o caso. Leia abaixo.

>> Polícia investiga furto na casa de jovem morta no Recife

>> Número de mulheres assassinadas em Pernambuco preocupa especialistas

>> Ciara Carvalho: Arma dentro de casa encoraja feminicídio

Confira a entrevista:

Jornal do Commercio - Vocês estão desde cedo esperando em frente à delegacia. Receberam alguma informação de que Raphael iria se entregar hoje?

Josiane Oliveira- Ouvimos muitas coisas. Que ele já tinha sido preso, que viria hoje... Não vamos sair daqui enquanto ele não chegar. Não tenho noção nenhuma de onde ele possa estar, mas sei que não vamos sair até que apareça. Quero olhar pra ele e perguntar por que ele fez isso com minha filha.

JC - Como têm sido os últimos dias?

Josiane - Eu vim almoçar hoje. Desde domingo eu não tomava um café, não jantava. Também não quis tomar nenhum remédio para me acalmar. Nem uma garapa eu aceitei. Eu disse que queria estar lúcida para ir com minha filha até o fim. Tem horas que nem lágrima mais eu tenho. Chega uma hora que você seca, mas é uma dor que não tem fim.

JC - E os filhos de Leandra?

Josiane - O mais velho, de seis anos, já vivia comigo. O mais novo, de um ano e meio, também está na minha casa. Não sai de perto de mim. Quando saí do velório, parece que ele sabia. Me abraçou, com a lagriminha escorrendo no olho. Ao mais velho, contamos que a mãe virou estrelinha. Ele chorou, porque sabe que estrelinha não volta. Mais tarde, quis saber o que houve com a mãe. Expliquei que ela precisou ir pro hospital com uma dor e o médico disse que não teve jeito.

JC - No velório, Raphael chegou a mandar mensagem para a senhora. Ele tentou fazer contato novamente?

Josiane - Não. No único momento que resolvi tirar um cochilo nesses últimos dias, me veio na mente de pegar o celular. Foi então que eu vi ele on-line. Perguntei por que ele fez isso comigo, por que fez isso com minha filha, o que ele pensou pra tirar a vida da mãe do filho dele, de tirar o direito do menino de crescer com a mãe por perto. Foi Deus que me deu forças. Não é fácil você falar com o assassino da sua filha. Mais tarde, ele mandou aquele texto, dizendo que foi legítima defesa.

JC - O que a senhora achou da justificativa dada por ele?

Josiane - Não se pode dizer que foi legítima defesa. Que defesa é essa? Como pode dizer que foi acidente? Quem não quer provocar um acidente nem arma tem dentro de casa. Não existe defesa.

JC - Como era a relação de Leandra e Raphael?

Josiane - Eles estavam juntos há três anos e era muita briga. A menina que cuidava do filho deles já presenciou uma situação em que achou que ia morrer. Ele (Raphael) disse que ia matar todo mundo. Nesse dia Leandra foi dormir na casa da irmã e, quando ele chegou em casa e não viu ela, surtou. Começou a atirar dentro de casa, com criança dentro. O filho mais velho dela também contou que viu Raphael empurrar Leandra em uma briga.

JC - Vocês perceberam esse comportamento violento desde o início do relacionamento?

Josiane - No início, a gente não via violência nenhuma. A gente só foi saber das coisas depois que tudo aconteceu. Pode ser que um vizinho soubesse, uma amiga soubesse, mas ninguém avisa pai e mãe. Nem ela contava, porque sabia que a gente iria bater de frente. Ele mesmo afastou minha filha de mim, pra evitar que eu falasse algo. O pai dela nunca gostou dele, desde o primeiro dia. Eu fui por Leandra. Ela parecia feliz. Se minha filha está feliz, eu também estou.

JC - Eles já haviam terminado o relacionamento antes?

Josiane - Já. Inclusive, há cerca de 15 ou 20 dias, eu tinha tirado ela de casa. Disse: 'vem cá, você vai se submeter a isso? Você não depende dele pra nada, tem mãe e pai.' Mas eles tentaram voltar novamente. Às vezes, você culpa alguém por voltar para um relacionamento, mas não sabe as promessas que fizeram pra que ela voltasse. Voltou porque amava demais, ou porque não queria criar o filho longe do pai, eu não sei. A verdade é que a gente nunca sabe, às vezes a gente dorme com o perigo na cama.

JC - É verdade que Raphael instalou câmeras dentro de casa para monitorar Leandra?

Josiane - É verdade, sim. Ele pode até dizer que foi por outro motivo, mas eu tenho certeza de que era para cuidar os passos dela. Ele tinha uma obsessão.

JC - O que a senhora acredita que aconteceu naquela noite?

Josiane - Ele usou droga na festa em que eles estavam e ela não aceitava isso. Ele tinha dito que não faria mais e usou de novo aquele dia. Eu acredito que ela queria ir embora. Leandra tentou se comunicar comigo por volta de 5h30 da manhã. Mandou uma mensagem dizendo "mainha". Eu acho que ela queria dizer que estava saindo de casa. Eu não estava lá, mas eu sinto o desespero da minha filha.

JC - E agora, qual o sentimento da família?

Josiane - Eu quero justiça. Não é justo você tirar um pedaço de alguém assim e ficar impune. Não quero que ele enrole a justiça com isso de que foi acidente. Ele não pode permanecer em liberdade. Se der esse direito a ele, só vai aumentar a impunidade, para que outras mulheres também sejam vítimas. Ao invés de diminuir a violência, só ajuda a aumentar.

Últimas notícias