Quando a arquiteta Virgínia Ory, 38 anos, relembra o passado não tem dúvidas em elencar os melhores momentos. São as mais inesquecíveis passagens da infância. Era nessa época em que ela aproveitava para brincar livremente, a principal e mais divertida ocupação das crianças. Este mês, temporada de férias escolares, os pequenos estão em casa, sem muitas obrigações para desempenhar nessa rotina corrida, às vezes parecida com dias de gente grande. Por isso, a brincadeira é livre. E os especialistas garantem: não só faz bem, como é essencial para o desenvolvimento do ser humano.
Mãe de três crianças (Luiz, 9; Pedro, 6; e a caçula Elisa, 3), Virgínia não abre mão do brincar no cotidiano dos filhos. Tanto que, há sete anos, decidiu abrir com o marido a própria loja de brinquedos na capital pernambucana. “Procurávamos brinquedos pela cidade e não encontrávamos o que queríamos. Sentíamos essa necessidade de encontrar artigos diferentes. E, se nós tínhamos essa necessidade, outros pais também poderiam pensar o mesmo. Por isso resolvemos abrir nosso próprio negócio”, conta.
O objetivo, ressalta Virgínia, é deixar que os pequenos sejam os protagonistas das atividades. “É da natureza da criança produzir um mundo próprio na brincadeira com qualquer coisa que o adulto disponibilize. Meus filhos aprenderam a brincar com o que tivessem à disposição deles”, pontua a arquiteta. Para isso, a criatividade é peça chave no processo. “É importante criar brincadeiras dentro de casa, principalmente nessa época de chuvas. Nós inventamos histórias, desenhamos, jogamos e pintamos no tempo livre. Sobretudo, estimulamos para que eles sejam independentes e criem suas próprias brincadeiras”, defende.
De fora, parece óbvio chegar à única conclusão possível: o brincar é puro, e somente, entretenimento. Mas para os especialistas, esse ofício desempenha papéis muito mais importantes, essenciais para a formação do indivíduo a longo prazo. “As pessoas partem do pressuposto de que o brincar foi feito apenas para oferecer diversão. Apesar de ter a função de distrair os pequenos, a brincadeira representa muito mais para a criança. É através dela que os pequenos expressam a forma como veem o mundo”, explica a psicóloga Marília Pereira, especialista em terapia cognitivo-comportamental e doutora em neuropsiquiatria e ciências do comportamento.
Além de representar o elo entre a criança e o mundo externo, as brincadeiras auxiliam no desenvolvimento de processos cognitivos necessários para o crescimento saudável de todo ser humano. Compreensão do mundo social, consolidação da personalidade, expressão corporal, comunicação verbal, coordenação motora e desenvolvimento da criatividade são apenas alguns itens de uma lista extensa. O brincar pode até ajudar a elucidar conflitos enfrentados pela criança no contexto no qual ela está inserida. “Nos jogos simbólicos, a criança, muitas vezes, acaba recriando situações do cotidiano, como, por exemplo, um conflito familiar. É através dessa brincadeira que os pais ou responsáveis conseguem acessar a esfera mental dos pequenos. Dessa forma, é possível identificar certas situações e trabalhar maneiras de transformá-las”, alerta a psicóloga.
Outro aspecto positivo das brincadeiras é que elas não são benéficas apenas para os mais novos. A algazarra também pode trazer ganhos para os pais. “No brincar, a família tem a oportunidade de fortalecer os vínculos afetivos, que têm sido prejudicados com as inúmeras atividades do dia a dia. Esses momentos criam lembranças para a vida inteira e não só mudam o comportamento da criança, como impactam o adulto”, reforça a especialista.
Uma das queixas de Virgínia quando se tornou mãe era que a maioria dos brinquedos disponíveis no mercado não instigavam aprendizado e desenvolvimento das crianças. O problema, acredita a empresária, se tornou pior nos dias atuais. “Muitos pais que nos procuram querem encontrar uma maneira de resgatar a criança desse mundo digital. Não que o brincar na tecnologia não seja válido, mas eles querem arrebatar a criança com brinquedos que promovam também a socialização”, conta.
A tecnologia é um fato consolidado da sociedade. Não há como imaginar o universo lúdico das crianças sem interferência dos recursos digitais. “A brincadeira permite à criança lidar com várias funções sociais. Os jogos eletrônicos limitam a criação dessas funções e o universo simbólico do pequeno, além de diminuir o repertório de interações”, pondera Marília.
O segredo é dosar. E, principalmente, dar autonomia. “As preferências da criança devem ser respeitadas”, reforça a psicóloga.