Da década de 1980 até os dias atuais, o tratamento da aids evoluiu e abriu caminhos para deter a progressão da doença e proteger os pacientes de infecções oportunistas – aquelas que tiram vantagem da fraqueza do sistema imunológico de quem convive com os efeitos do HIV, o vírus da aids. Na contramão do avanço, não se vê queda na taxa de mortalidade (por 100 mil habitantes) pela doença, em Pernambuco, desde 2012, quando se atingiu 6,7 óbitos por 100 mil habitantes. Com base em 2016, percebe-se que o índice praticamente se mantém – e numa época em que o Brasil se tornou o primeiro país da América Latina a incorporar o dolutegravir, considerado atualmente o melhor medicamento para o HIV, segundo o Ministério da Saúde (MS). A taxa atual de mortalidade no Estado é quase três vezes maior do que a atingida em 1999 (2,3), quando MS passou a disponibilizar 15 medicamentos antirretrovirais.
Então, se atualmente há chances de o tratamento ser mais bem-sucedido, em comparação a décadas passadas, uma dúvida desponta neste Dia Mundial de Luta contra a Aids: o que deu errado no combate à mortalidade? Os dados apresentados, no último dia 23, pelo MS, no Relatório de Monitoramento Clínico do HIV, dão pistas para respostas. A pasta reconhece que a adesão à terapia antirretroviral é um desafio a ser enfrentado no País. Cerca de 70% das pessoas vivendo com HIV (com, pelo menos, uma dispensa de medicamentos em 2016) seguiam corretamente o tratamento. A taxa de abandono ou interrupção da terapêutica, contudo, é de 9% – e permanece constante desde 2013.
“A mortalidade relacionada à aids está condicionada a dois fatores: à adesão ao tratamento e à detecção tardia da soropositividade para o vírus. Há um hiato de tempo entre a contaminação e o desenvolvimento de sintomas, quando aparece a baixa da imunidade. Esse intervalo pode durar de dois a quatro anos. E geralmente é nesse momento que a pessoa descobre a doença, o que aumenta a chance de mortalidade”, frisa o infectologista Tomaz Albuquerque, do Hospital Esperança e do Correia Picanço, que é referência estadual para o tratamento da aids. No caminho oposto, segundo o médico, a detecção do HIV, em poucas semanas após a contaminação, faz a chance de morte por aids ser reduzida.
O depoimento de Tomaz está em sintonia com a ciência. Um estudo publicado, em dezembro de 2016, pelo periódico científico The Lancet mostrou que a detecção da aids na sua fase avançada mais do que triplica o risco de morte entre as pessoas que vivem com aids e que participaram do levantamento.
“A má adesão ao tratamento é outro detalhe associado aos óbitos. Alguns pacientes iniciam as medicações e não continuam a tomá-las regularmente, além de não respeitarem os horários e as doses prescritas. Isso está fatalmente vinculado a um risco aumentado de resistência viral e, consequentemente, à progressão da doença e à falha terapêutica”, explica o infectologista. Ele acrescenta que, nesse contexto, a imunidade piora e dá brecha a infecções oportunistas e ao câncer, frequentemente relacionados aos óbitos dos pacientes.
É por isso que hoje o diagnóstico precoce, seguido da adesão ao tratamento, é a máxima a ser seguida. Gerente do Programa Estadual de Infecções Sexualmente Transmissíveis (IST)/Aids, François Figueiroa lembra a importância da testagem para quem teve alguma possível exposição ao vírus. “Ofertamos o teste rápido semanalmente em ações promovidas pelo programa. A população também pode encontrá-lo em postos de saúde, nos Centros de Testagem e Aconselhamento e nas organizações não governamentais. Precisamos informar para que a população se teste”, reforça François.
Uma crise de gastrite forte levou um universitário de 25 anos a investigar a causa do incômodo. Os exames não mostraram alterações e o gastroenterologista indicou a realização do teste de HIV para o jovem. “Foi o meu primeiro exame, aos 19 anos. Com o resultado em mãos, li a palavra ‘reagente’ e perguntei à enfermeira do laboratório o que significava. Ela disse que, pessoas como eu, tinham que morrer de aids. Não foi nada bom”, recorda. Sobre a forma de exposição ao vírus, ele atribui à transmissão via sexual. “Não usava com frequência a camisinha.”
O universitário representa a segunda faixa etária que reúne a maior parte dos casos de aids em Pernambuco desde 1983, quando foram iniciadas as notificações da doença. Entre 20 e 29 anos, já são 6.565 casos (26% do total), atrás apenas da população entre 30 e 39 anos (9.280 casos, representando 36,7% dos registros). No entanto, é na faixa etária de 20 aos 29 anos que se concentra a maior fatia de pessoas que possuem o HIV, mas não desenvolveram a doença. Desde 2014, são 2.348 casos, no Estado, nessa idade, representando 35,11% do total de notificações das pessoas com HIV.
“Acredito que os jovens têm um papel importante para mudar a realidade da aids. Mas infelizmente esse pessoal não se previne como deveria. Com ideia (falsa) de que a doença não mata como no passado, as pessoas deixam de lado a prevenção, que é a forma mais eficaz que temos de não contrair o vírus”, diz o universitário, hoje integrante de grupos que atuam na defesa dos pacientes. “Se eu dissesse que é fácil ter aids, estaria mentindo. É preciso lidar com o estigma o tempo inteiro, mas é possível viver com qualidade de vida”, declara o jovem.