Angu remonta sua Ópera

Companhia Angu de Teatro traz de volta ao Recife sua montagem mais pop
Bruno Albertim
Publicado em 17/04/2013 às 11:47
Companhia Angu de Teatro traz de volta ao Recife sua montagem mais pop Foto: Rodrigo Lobo / JC Imagem


Uma família segue sua felicidade inofensiva entre torradas e xícaras de leite morno até que a condição de homossexual do cachorrinho da casa vem a público – quando ele se enamora de outro peludinho da vizinhança. Narrado num ritmo alucinante e metalinguístico de uma típica rádio-novela dos anos 1950, o episódio O cão é um dos pontos altos de Ópera, uma das mais festejadas montagens do Coletivo Angu de Teatro que, depois do sucesso da temporada recente no Rio de Janeiro, cumpre uma curtíssima agenda, nestes sábado e domingo, no Santa Isabel

Baseado em quatro contos de Newton Moreno, o espetáculo parte de questões ligadas ao que o clichê convencionou chamar de “universo gay” para problematizar tensões ligadas à(s) identidade(s) na sociedade brasileira. Acidamente bem humorado, deixa, contudo, qualquer panfletarismo vulgar de lado e conduz os embates com um humor vertiginoso, indomável, quase nervoso.

A montagem do Coletivo Angu sob a direção de Marcondes Lima não só captura como potencializa o texto de Moreno, agora com a homossexualidade como pano de fundo (frente e lado) para a dramaturgia acrobática do pernambucano, mais uma vez, exibir sua capacidade expressa de “montar e desmontar estórias e personagens”.

Dono de alguns dos mais prestigiosos prêmios nacionais do teatro brasileiro, Moreno, para quem não o conhece, é o mesmo autor por trás de As centenárias, ponto brilhante nas carreiras recentes de Andrea Beltrão e Marieta Severo. O pernambucano atualiza elegantemente a velocidade do humor popular nordestino, verbo afiado, e é frequentemente saudado não como “um”, mas “o” autor de sua geração.

As desventuras de Surpresa, o tal cachorrinho desviado, abrem o espetáculo estruturado em quatro narrativas distintas. Como espiral, a encenação de O cão vai crescendo em voltas até que o surrealismo cotidiano exploda por meio das consequências sobre a vida familiar do romance entre o pastor-alemão e um vira-latas. O desespero da Tia Dedé, arquetípica solteirona e guardiã da moral interpretada brilhantemente por Arilson Lopes, assim como a militância pueril de um Tatto Medinni cheio de inteligência cênica nos arrancam, às gargalhadas, das poltronas.

Em O troféu, o ator Fábio Caio mostra porque é artilheiro nas pantomimas, um dos melhores cômicos a serviço dos palcos locais, ao protagonizar uma fotonovela dos anos 1960 para expor o drama de Pedro (ou Petra): um jovem nada à vontade em seu corpo e condição masculinas. Também metalinguístico, o episódio Culpa busca inspiração nas telenovelas da década de 1980 para falar de Augusto, um soropositivo em busca de um novo parceiro para seu namorado. Já Ópera é uma espécie de micro-ópera pós-moderna que trata da submissão de um barítono por um garoto de programa. Nesta montagem, Carlo Ferrera substitui André Brasileiro como o cantor.

Homenagem que é ao grupo Vivencial Diversiones que marcou a cena marginal dos anos 1980 com travestismo e deboche político, a montagem é pontuada por números musicais inspirados nos clássicos de transformismo que pagam, por si, o ingresso. Como no embate hilariante de Arilson Lopes/Rita Pavone e Ivo Barreto/Tina Turnner
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Montado pela primeira vez em 2007, Ópera é o grande blockbuster da Angu, uma companhia que vem se destacando pelo sólido repertório baseado em autores nordestinos contemporâneos. Percorreu mais de dez cidades brasileiras, sempre com salas lotadas. Longe de ser uma peça underground, fetiche de gueto, é farto de humor inteligente, reflexivo e ácido, capaz de fazer corar de rir as bochechas até de um Marco Feliciano.

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