Apaixonado pelo teatro, Hermilo Borba Filho marcou a arte do Nordeste

Legado do artista para os palcos, com visão de uma arte nordestina, é relembrado
Márcio Bastos
Publicado em 08/07/2017 às 15:11
Legado do artista para os palcos, com visão de uma arte nordestina, é relembrado Foto: Acervo Leda Alves/Divulgação


Intelectual de sensibilidade aguçada, ourives da palavra, que transitou por diferentes gêneros, Hermilo Borba Filho é um dos pensadores mais importantes da cultura brasileira no século 20. Teatrólogo, jornalista, escritor, diretor e tradutor, entre outras empreitadas, Hermilo sempre foi, em essência, um homem de teatro. Por isso, dentro de do vasto legado deixado por ele, suas contribuições para o teatro brasileiro, especialmente o nordestino, estão entre as mais profícuas.

Nascido há exatos cem anos (completados ontem), no Engenho Verde, em Palmares, Mata Sul do Estado, Hermilo Borba Filho desenvolveu ainda jovem seu fascínio pela arte, especialmente o teatro. Nos anos 1930, inicia suas experimentações na área como ator e ponto (indivíduo que “soprava” as linhas para os atores”) na Sociedade de Cultura Palmarense. Estreia como dramaturgo em 1935 com a peça Felicidade. No ano seguinte, passa a residir no Recife.

Na capital pernambucana, exerce a função de ponto junto ao importante grupo Gente Nossa, comandado por Samuel Campêlo e, após experiências como encenador no Grupo Cênico Espinheirense, ingressa no Teatro de Amadores de Pernambuco, em 1942, como aponta o pesquisador Antonio Cadengue em seu livro sobre o TAP. Para o coletivo encabeçado por Valdemar de Oliveira, traduz obras como A Evasão, de Eugène Brieux, e O Leque de Lady Windermere, de Oscar Wilde. Inquieto, porém, sai do grupo em 1945, por não concordar com as diretrizes estéticas e se lançou em um processo de maior experimentação.

Nessa época, entender o teatro enquanto arte popular, ou seja, do povo, passa a ser uma preocupação explícita de Hermilo (ver mais na vinculada). Durante uma de suas palestras, feita quando assume o Teatro de Estudantes de Pernambuco, ouviu de Valdemar de Oliveira que as grandes obras de arte são feitas para a elite, ao que refutou afirmando que “basta lembrar que [O TEATRO]nasceu na Grécia, nos anfiteatros, viveu e ainda vive nas festas populares”.

O projeto de democratizar o acesso à obra teatral fez com que Hermilo e o grupo realizassem diversas experiências, apresentando espetáculos em espaços públicos e, inclusive, um espaço chamado A Barraca, pensada para ser itinerante. Nesse período, Hermilo já passa a traçar com mais intensidade conexões com artistas populares, a exemplo de poetas populares. Do grupo, participaram nomes como Ariano Suassuna.

“Hermilo dizia que o bom teatro sempre foi do povo. No entanto ele nunca conseguiu o diálogo desejado com o povo, o que foi um grande sofrimento para ele. Apesar da qualidade técnica, poucos espetáculos de Hermilo foram sucessos de público. Mas, ele não era um homem de se lamentar e de insistir no erro, então estava sempre experimentando, tentando algo novo”, explica o professor de teatro e diretor de Cultura da UFPE, Luís Reis.

Com a dissolução do TEP, Hermilo, Ariano Suassuna, Gastão de Holanda José de Moraes Pinho e outros artistas e intelectuais fundam o Teatro Popular do Nordeste (TPN), onde aprofundam suas propostas estéticas e intelectuais.

RENOVADOR

Prolífico, Hermilo Borba Filho foi um incansável trabalhador do teatro. Pensava a arte como um todo, no campo teórico e prático. A generosidade era um de seus traços mais conhecidos, conseguindo reunir profissionais de diversas áreas em seus projetos artísticos, a exemplo de Francisco Brennand, que criou cenários para ele, e Capiba.

“Ele tinha uma visão muito ampla da arte. Você jamais ouviria Hermilo dizer ‘isso não é teatro’. Ele foi uma pessoa que abriu muitos caminhos, que lutou por um teatro não colonizado. Hermilo é um dos grandes nomes do teatro da América Latina do século 20. As pessoas não levavam a sério as expressões do povo e ele foi o primeiro homem erudito a dizer que originalidade estava ali”, reforça Luís.

Falecido em 1976, Hermilo Borba Filho renovou a cena pernambucana, influenciando também o cenário artístico de outros estados do Nordeste.

“A obra dele é atualíssima. Hermilo tem uma frase em que diz que a arte dele é comprometida com as dores dos homens e, de fato, é. Acima de tudo, é uma obra comprometida com o povo brasileiro”, reflete o encenador e gestor Carlos Carvalho.

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