Via crucis

Paixão de Cristo do Recife: briga entre filha de Pimentel e Apacepe se acirra

Lilian Pimentel e Paulo de Castro apresentaram seus projetos e trocaram acusações

Márcio Bastos
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Márcio Bastos
Publicado em 30/11/2018 às 21:07
Guga Matos/JC Imagem
Lilian Pimentel e Paulo de Castro apresentaram seus projetos e trocaram acusações - FOTO: Guga Matos/JC Imagem
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José Pimentel fez da Paixão de Cristo sua paixão, missão e obsessão. Foram mais de 40 anos dedicados ao projeto – primeiro na encenação de Nova Jerusalém e, a partir de 1997, na montagem do Recife. Viveu Jesus por quatro décadas e só deixou o papel aos 84, no começo deste ano, a contragosto. Sua morte, em 14 de agosto, causou comoção e, agora, seu legado é motivo de uma ferrenha disputa entre a única filha, Lilian, e os ex-companheiros da Associação Produtores de Artes Cênicas de Pernambuco (Apacepe).

Na manhã de sexta-feira (30), viu-se no Museu do Trem, na antiga Estação Central do Recife, uma procissão de atores e produtores que, um a um, tomam seus lugares no espaço montado para receber a coletiva de imprensa para o anúncio da nova Paixão de Cristo do Recife, organizada pela Apacepe.

Entre abraços e conversas colocadas em dia, pairava uma atmosfera desconfortável. O motivo foi a eclosão da disputa entre a família de Pimentel, representada por sua filha, Lilian, e os antigos parceiros de produção do ator e diretor, noticiada em primeira mão pelo Blog do Jamildo, na quinta-feira (29).

Primeiro a falar na coletiva, o produtor Paulo de Castro disse que essa seria uma Paixão de resistência e afeto. Instantes depois, sua voz embargou. “Quero começar dizendo que jamais deixarei de citar o nome de Pimentel. Não será nenhum juiz... Foram 44 anos (trabalhando juntos). Ele passou mais tempo comigo do que com a própria família. Tudo fizemos juntos; era meu irmão e meu pai”, disse, sem conter o choro.

Ele estava ladeado por Carlos Carvalho, diretor da nova montagem, que agora se chamará Paixão de Cristo do Recife – Jesus, a Luz do Mundo; pelo também produtor Antônio Pires, cunhado de Pimentel, e por Bruno Garcia, ator que interpretará Cristo. Presentes da coletiva também estavam vários ex-integrantes da montagem de José Pimentel, que agora participarão do novo projeto.

Praticamente do outro lado da rua, na Casa da Cultura, onde fica a sede do Sindicato dos Artistas e Técnicos em Espetáculos de Diversão de Pernambuco (Sated-PE), estava Lilian Pimentel, que aguardava para dar suas versões dos fatos, após o término da coletiva. Ela se diz indignada com a nova montagem não por ser contra a proliferações de espetáculos da Paixão, mas por sentir que a montagem da Apacepe fere a memória e o legado do seu pai.

Em uma sala compacta, ao lado do seu advogado, Rodrigo Scholz, ela diz que está sendo vítima de um “jogo sujo movido pela ganância”. Paulo de Castro diz que a procurou para falar da montagem, mas ela nega. “Meu desejo era que fizéssemos uma grande homenagem a José Pimentel, todo mundo junto. Todo mundo sabe que a Paixão de Cristo do Recife foi criada por José Pimentel e é associada a ele, que foi o maior incentivador da cultura em Pernambuco. Quero saber qual é o erro de uma filha querer continuar o legado do pai”, enfatizou.

Lilian tem os direitos sobre o texto do pai e diz que ele deixou por escrito as orientações para que ela perpetuasse sua visão artística. Ela reforça ainda que a produção deste ano não aconteceu com a produção da Apacepe. Foi realizada pela Gama, a mesma que deverá produzir sua versão do texto. Ela adianta que a nova produção terá direção de José Francisco Filho e Hemerson Moura, que substituiu seu pai no espetáculo deste ano, deve repetir o papel.

De acordo com o advogado Rodrigo Scholz, qualquer pessoa pode fazer a Paixão de Cristo, mas, a do Recife é naturalmente associada a José Pimentel e o uso do nome, assim como do capital simbólico do ator e diretor tem sido empregado indevidamente por pessoas fora da família. Paulo de Castro diz que uma homenagem a Pimentel estava programada no novo espetáculo, no entanto, se a família proíbe, não será feita. “Mas a presença dele com certeza torcerá por nós”, afirmou o produtor na coletiva.

TERRA DE NINGUÉM

O embate entre Lilian e a Apacepe parece irremediável e acusações pessoais são feitas de ambos os lados. Para se ter noção do imbróglio, programaram suas apresentações para o mesmo período, entre 19 e 21 de abril de 2019, no mesmo local, o Marco Zero. Ela mostrou um documento comprovando o pagamento da primeira parcela do uso do solo do local. Paulo de Castro afirmou que tem a mesma documentação.

A Prefeitura do Recife, por meio da Diretoria Executiva de Controle Urbano (Dircon), explicou que ainda não há autorização para nenhum evento no período da Semana Santa, quando acontece a Paixão de Cristo do Recife.

“A Regional Centro da Dircon recebeu dois pedidos de consulta prévia para a realização de evento no Marco Zero no mês de abril do próximo ano. O pedido de viabilidade não configura permissão ou autorização definitiva para realização de evento”, diz trecho da nota.

Outra questão espinhosa é a dos patrocínios. Até este ano, o espetáculo contava com aporte de R$ 250 mil da Prefeitura do Recife e R$ 150 mil do Governo do Estado. Tanto Lilian, quanto Paulo de Castro e a Apacepe garantem que o valor será repassado para eles. A questão, no entanto, é uma incógnita.
Ambos também afirmam que estão aptos a receber a Lei Rouanet. Paulo de Castro, inclusive, afirmou que já captou R$ 195 mil, valor que será utilizado para a construção do cenário, confecção de figurinos, gravação dos áudios e para pagar o cachê de Bruno Garcia.

Rodrigo Scholz afirma que entrou com um pedido de impugnação junto ao Ministério da Cultura (MinC) porque a equipe da Apacepe teria dado entrada no processo com uma procuração vencida, associada ao texto e à participação de Pimentel. Paulo de Castro afirma que o projeto já foi adaptado e está com o nome de Carlos Carvalho, em tramitação.
Procurado, o MinC não teve tempo hábil de acionar sua equipe técnica até o fechamento desta edição. Mas, se os dois projetos cumprirem com os requisitos da Rouanet, não há impeditivo para que captem.

Os ensaios da obra capitaneada pela Apacepe e os da família Pimentel já estão em andamento. As duas montagens têm planos ambiciosos. Lilian diz que haverá muitas novidades na encenação deste ano, como a presença de um grupo de dança da Guiné-Bissau e anjos que voarão suspensos sobre o público no boulevard do Bairro do Recife. Já Paulo de Castro conta que o cenário de Jesus, a Luz do Mundo vai correr sobre trilhos.

Até abril, quando será realizada uma dessas montagens no Marco Zero, muita coisa há de acontecer, como já preveem ambos os lados. A cidade também fica atenta. Segundo Lilian, muitos ambulantes e fãs da obra têm reforçado a importância do evento para a economia local.

Nesse processo, também se divide a classe artística – vale ressaltar que o tradicional espetáculo emprega muita gente, ainda que diante de várias dificuldades. A via-crúcis da Paixão do Recife apenas começou.

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