Ainda sob a tristeza da morte de Nelson Pereira dos Santos, no último dia 22 de abril, o cinema brasileiro sofreu ontem outra grande perda com a morte do cineasta Roberto Farias, aos 86 nos, no Rio. De acordo com informações da direção do Canal Brasil, do qual era sócio-fundador, o cineasta lutava contra um câncer. O velório será hoje, das 9h às 17h, na Capela 1 do Memorial do Carmo, no bairro do Caju. “O Brasil perdeu um dos seus maiores cineastas, o cinema brasileiro uma de suas principais lideranças e nós do Canal Brasil, um grande e queridíssimo amigo. Uma perda irreparável”, escreveu Paulo Mendonça, diretor-geral e sócio do Canal.
Durante todo o dia, cineastas e amigos de Roberto Farias, que há 11 anos presidia a Academia Brasileira de Cinema, publicaram mensagens sobre a importância do cineasta fluminense, nascido no dia 27 de março de 1932, em Nova Friburgo. “Grande homem do cinema brasileiro”, escreveu o produtor Flavio Ramos Tambellini. O cineasta paulista Roberto Gervitz também expressou seus sentimentos no Facebook: “Muito triste, perdemos mais um grande cineasta, um homem de grande importância para a política cinematográfica brasileira. Um homem do cinema. Muita tristeza. Meus sentimentos à família.”
Diretor, roteirista, produtor e gestor, Roberto Farias foi um dos mais talentosos homens de cinema do Brasil. Praticamente, ele sabia fazer de tudo num set filmagens e nas ilhas de pós-produção. A única posição que ele nunca ocupou foi a posição de ator. Talvez relevasse a atuação por causa do irmão Reginaldo Faria, 80 anos, que atuou nos seus dois filmes mais famosos, O Assalto ao Trem Pagador, de 1962, e Pra Frente, Brasil, de 1982. Em 2012, eles foram homenageados na 7ª Mostra CineOP, em Ouro Preto, onde contaram muitas histórias. “Ele é ator desde os três anos, quando eu pedia para ele fazer cara triste e cara alegre”, relembrou Roberto. Já Reginaldo, emocionado, falou que sempre foi chamado pelo irmão para fazer cinema. “Desde pequeno que ele me leva pela mão, eu devo tudo a ele”, afirmou.
Conta a lenda que o nome dele ganhou um “s” por causa de um erro de cartório. Por causa disso, existem os Farias e os Faria. Além de Reginaldo, Roberto tinha outros três irmãos: Riva (também produtor e distribuidor), Rogério e Ana. Com os irmãos, os filhos, que também se tornaram cineastas (Maurício, Mauro e Lui), e os sobrinhos (entre eles Marcelo e Candé Faria, filhos de Reginaldo), Roberto virou o chefe de um clã familiar dedicado ao cinema.
Roberto Farias teve uma formação cinematográfica forjada na prática. Aos 18 anos, quando foi estudar na Escola de Belas Artes, no Rio, conseguiu um cargo de assistente de direção na Atlântida Cinematográfica, a produtora das chanchadas. Durante sete anos, foi assistente de direção de Watson Macedo em filmes como Aviso aos Navegantes (1950), Aí vem o Barão (1951), É Fogo na Roupa (1952), O Petróleo é Nosso (1954) e A Grande Vedete (1958).
Diante desse aprendizado, não seria diferente o início da carreira do jovem friburguense, que dirigiu o primeiro longa-metragem aos 25 anos. A partir de um argumento próprio, ele desenvolveu o roteiro de Rico Ri à Toa (1957) com o irmão Riva, sobre um chofer de praça (o genial Zé Trindade) que ganha um prêmio na loteria e se sente deslocado como rico quando passa a sofrer constrangimentos por causa de suas origens. O ritmo das chanchadas ficaria no sangue Roberto Farias por mais dois longas: em No Mundo da Lua (1958) e Um Candango na Belacap (1961), em que dirigiu Grande Otelo e Ankito.
A guinada para o cinema policial de forte teor social aconteceu um ano antes de ele dar adeus às chanchadas, no subestimado Cidade Ameaçada (1959), em que segue a vida de um bandido que aterroriza a cidade São Paulo. Em tudo diferente do que já fizera, Cidade Ameaçada acabou sendo um rascunho para o filme mais conhecido de sua carreira, o thriller Assalto ao Trem Pagador (1962). Clássico instantâneo, o longa-metragem é uma aula de tensão e crítica social, com a história da ousada quadrilha de favelados que, sob o comando de Tião Medonho (Eliezer Nascimento), assalta o trem pagador da Estrada de Ferro Central do Brasil, no interior do Rio de Janeiro.
Aprovado como artesão de grande gabarito numa época que o cinema brasileiro estava convulsionado pela política – justamente durante a explosão do Cinema Novo –, Roberto Farias deu outra tacada certeira quando realizou uma trilogia com o cantor Roberto Carlos, no auge da Jovem Guarda. Entre 1978 e 1971, ele dirigiu Roberto Carlos em Ritmo de Aventura (1968), Roberto Carlos e o Diamante Cor-de-Rosa (1971) e Roberto Carlos a 300 Quilômetros por Hora (1972).
Até 1986, o cineasta continuaria a dirigir filmes. Quase todos foram sucessos de bilheteria, pois poucos cineastas brasileiros tiveram o domínio do gosto popular como ele. Seu último longa-metragem, a comédia Os Trapalhões no Auto da Compadecida, que o próprio dramaturgo Ariano Suassuna adaptou, era a prova de que não existia barreiras no seu fazer cinematográfico.
Em 1982, Roberto Farias foi um dos primeiros cineastas a testar a censura e a abertura política com a realização de Pra Frente, Brasil, um thriller político sobre os porões da tortura, que se passava durante os fogos de artifícios da Copa do Mundo de 1970. Depois que se dedicou à produção de filmes dos filhos, o cineasta foi trabalhar na TV Globo, onde dirigiu minisséries e seriados a partir da década de 1990.
Paralelamente à carreira de cineasta, Roberto Farias teve uma intensa participação como distribuidor e gestor. Na década de 1960 e começo da década de 1970, ele esteve à frente da Difilm (a principal distribuidora dos filmes do Cinema Novo ) e da Ipanema Filmes (especializada em comédias e filmes policiais). Entre 1974 e 1978, esteve à frente da Embrafilme, na época em que o cinema brasileiro teve sucessos como Dona Flor e Seus Dois Maridos (1976) e Xica da Silva (1976). Esta ligação com o mercado continuou presente com a criação da Academia do Cinema Brasileira, à qual foi um dos fundadores e primeiro presidente. Seu legado para o cinema brasileiro é imenso.