O ano de 2018 foi tomado por tantos eventos marcantes na política nacional que não é raro que alguns tenham ficado em segundo plano. A greve dos caminhoneiros, que ao longo de mais de dez dias paralisou boa parte do abastecimento regular de alimentos e combustíveis nas cidades brasileiras, é um exemplo disso. O protesto, motivado pelo aumento do diesel, parece hoje algo longínquo, um detalhe no percurso que culmina na eleição de um candidato de extrema-direita, Jair Bolsonaro (PSL).
No documentário Bloqueio, que estreia quinta (15), no Cinema São Luiz, os diretores Victória Alvares e Quentin Delaroche adentram um dos pontos de paralisação dos caminhoneiros em maio de 2018 no Rio de Janeiro. As câmeras observam cenas do turbilhão desses dias, dos discursos mais exaltados aos momentos mais cotidianos.
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Salvo um breve texto no começo e outro no fim para contextualizar eventos e datas, a obra traz um olhar contido, que raras vezes propõe perguntas aos personagens que aparecem. No contexto de uma greve difundida por redes sociais e Whatsapp, muitas vezes os próprios caminhoneiros são performáticos, indignados, conversam abertamente sobre os próximos passos, cantam hinos religiosos juntos, gravam vídeos com os seus celulares.
Através de uma boa edição, que elabora uma narrativa sem pesar na mão, Victória e Quentin revelam um pequeno microcosmo do Brasil de então (que é também o país de hoje). Sempre no ponto de bloqueio da BR 116, no Rio de Janeiro, o documentário mostra as faixas e falas pedindo intervenção militar – talvez a tônica constante nos discursos, em que vozes moderadas (e democráticas) são exceção –, grupos se reunindo para cantar a plenos pulmões o hino nacional ou canções religiosas, as críticas duras a Michel Temer e à corrupção e a circulação de fake news.
INTERVENÇÃO MILITAR
Bloqueio faz questão de apresentar no vídeo a constância do discurso que, em nome da corrupção, aceita ou exige o rompimento democrático. Alguns dos seus momentos mais interessantes são quando aparecem discordâncias em relação a isso. Em uma conversa, um homem critica a ideia de liberação do porte de armas. Em outra cena, já perto do fim da greve, alguém pondera que talvez só Lula conseguisse resolver e negociar a situação que levou à greve.
O abismo do Brasil aparece melhor quando na visita de militantes de outros movimentos sociais. Uma professora tenta conversar com alguns grevistas, concordando com as pautas que ajudam os caminhoneiros, mas discordando, por exemplo, de uma possível intervenção militar. Nesse debate, abre-se um fosso, uma distância que parece intransponível.
Há um retrato duplo do cenário político aí. De um lado, um discurso escorado nos atalhos de um falso bom senso sobre o absurdo da corrupção, e que se vê disposto a defender qualquer remédio (ou veneno) contra o problema. No outro, militantes com pouca ou nenhuma conexão com os grevistas tateiam alguma forma de diálogo, em um gesto que pode ser visto como oportuno ou uma tentativa desesperada de alcançar um movimento que se criou à revelia. Bloqueio não revela nada que estava oculto, mas é um retrato importante do que viria para o Brasil nos meses seguintes.