Brasil, 2029. A maconha foi legalizada com uma ampla rede de comércio regida pela lei. Entre os contrastes da ficção e a realidade, Pico da Neblina, série original da HBO que estreou neste domingo (04), parte desse cenário para entender os impactos de um panorama complexo e bem distante dos tempos atuais.
Com direção geral de Quico Meireles, filho do premiado cineasta Fernando Meireles (que também codirige alguns episódios), a obra gira em torno do jovem traficante paulistano Biriba, que decide deixar a vida do crime e adaptar seus conhecimentos para vender o produto na legalidade. Ao seu lado, Vini, vivido por Daniel Furlan – o Renan, do Choque de Cultura –, atua como um sócio investidor com pouca experiência no ramo. No meio disso, Biriba tem que encarar seu passado no tráfico, encarnado na figura do seu amigo Salim (Henrique Santana).
Sem visitas ao passado, Pico na Neblina, conta Quico, se debruça ao longo dos seus dez episódios sobre a realidade que se apresenta. “Já na primeira cena a gente anuncia que a maconha foi legalizada. Não mostramos nenhum debate que, por exemplo, levou a isso acontecer. A série vai pensar depois disso; como reagiriam os empresário, o comerciante ilegal, os personagens”.
Apesar de se situar nesse futuro ficcionalizado, Quico destaca que a série também ressoa atual e, sobretudo, brasileira. “As imagens, como os atores se comportam, como a cidade é mostrada, é tudo muito brasileiro e também paulistano. A gente buscou mostrar um lado de São Paulo que pouco se vê; saneamento precário, a realidade de classes menos abastadas. Pensamos tudo isso quando íamos decupar a cena, no comportamento da câmera, na montagem – sempre executando uma coisa diversa e viva”.
Os esforços de Quico se direcionaram também para conceber o drama que gira em torno do tema central. Afinal, além de pensar num futuro distante, a série discute como esse fato refletiria sobre vivências negras e periféricas. Nesse sentido, a presença de Luís Navarro como personagem principal da trama foi fundamental. Natural de Cohab 1, Zona Oeste de São Paulo, a construção de Biriba foi influenciada diretamente pelo ator.
“Eu acho que é interessante a quebra desse estereotipo: um traficante empresário. É uma tentativa de sair de uma vida dura para tentar uma melhor, uma mais digna. É importante também essa representatividade, que os jovens vejam isso e aspirem mudanças”, conta Navarro. “Eu venho da periferia, conheço muita gente que foi pelo caminho do tráfico, enquanto eu tive a oportunidade de estudar”, completa.
A legalização da erva no Brasil sempre foi um tema polêmico, principalmente na esfera política atual. Sobre isso Quico alerta: “É uma história, sobretudo, bonita – construída pra que você consiga se relacionar com os personagens. No meio desse acirramento político, podem achar que a série se posiciona favorável ou não. Eu acho que pelo contrário, a série é sobre humanos. Se você for contrário, vai gostar do mesmo jeito de quem é favorável”.