No começo de 2012, as iniciativas editoriais voltadas para a internet ainda eram tímidas no Brasil, na visão da consultora digital Gabriela Dias. Foi naquele período – um pouco antes da chegada das lojas virtuais do Google e da Amazon por aqui, um dos marcos no crescimento do setor de e-books – que ela começou a gestar, ao lado da curadora e crítica de arte Daniela Name, um projeto que fosse além da ideia de reproduzir um livro na web. Surgia dali a proposta de criar um aplicativo para relacionar trechos das obras de Machado de Assis à ruas e ponto tradicionais da cidade do Rio de Janeiro.
Mote para a exposição O Rio de Machado de Assis, em cartaz no museu Museu de Arte do Rio (MAR), o programa está disponível para o público a partir do próximo dia 2 de outubro, em versão gratuita para dispositivos móveis com iOS e Android. O aplicativo não só traz passagens, tiradas dos principais romances do Bruxo da Cosme Velho, como também curiosidade e referências visuais de como as ruas eram antes.
“A ideia era não fazer um livro comum. Nós queríamos libertar o conteúdo do corpo físico que é um livro”, conta Gabriela Dias. A inspiração para o projeto com Machado veio do aplicativo Dickens Trail (Trilhas de Dickens, em tradução livre), que sugeria diferentes passeios pela Londres do escritor britânico. A pesquisa propriamente dita começou no início de 2014. “O que selecionamos é o que tem valor literário e geográfico”, aponta a consultora digital.
Uma das vantagens do programa é relacionar a literatura com o mundo palpável. “Machado fica próximo do tempo atual, dos espaços físicos que temos. Com sorte, o aplicativo pode romper barreiras, ajudar a acabar com traumas de colégios”, comenta Gabriela. Parceira no projeto, a crítica Daniela Name ainda ressalta que passear pelo Rio de Machado comparando-o com a cidade hoje é revelador da história urbana da capital fluminense.
“Dá para notar, principalmente, os efeitos das reformas por aqui. O Rio era uma cidade muito marítima, inclusive no Centro. Com os sucessivos aterros e a retirada do Morro do Castelo, a cidade se distanciou do mar”, analisa Daniela. “Outro coisa curiosa é que em Memorial de Aires, o último romance de Machado de Assis, e também em Esaú e Jacó, quando estão entediados, os personagens saem para dar uma caminhada na Praia de Copacabana deserta. É difícil de imagina Copacabana sem ninguém hoje, mas era um lugar deserto e distante naquela época.”
Daniela ainda diz que Machado, apesar de toda da universalidade de sua obra, não escapava ao carioquismo. “É evidente esse lado. Ele é um carioca que nasceu em um lugar periférico, o Morro do Livramento e virou uma celebridade cultural, parte de elite da época. Ele foi testemunha dos subúrbios e dos salões”, aponta.
Além do aplicativo, o projeto O Rio de Machado também criou um perfil nas redes sociais para o escritor, com o mesmo nome. Na página, é o próprio Joaquim Maria – os primeiros nomes do Bruxo do Cosme Velho – que se comunica com os leitores. Em outro projeto, para divulgar a obra de Machado na França, a Universidade de Blaise-Pascal, em Clermont-Ferrand, na França, também criou um perfil no Facebook, Machado de Assis, le sorcier de Rio. O projeto, uma parceria com a Academia Brasileira de Letras, conta com um seminário com estudiosos como José Luiz Passos, Nelson Pereira dos Santos e João Cezar Castro Rocha.
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