O discreto Evaldo Cabral de Mello entra na Academia Brasileira de Letras

O historiador pernambucano é um dos maiores conhecedores do Brasil Holandês e deve ser eleito nesta quinta (23/10) para a insituição
Do JC Online
Publicado em 23/10/2014 às 5:02
O historiador pernambucano é um dos maiores conhecedores do Brasil Holandês e deve ser eleito nesta quinta (23/10) para a insituição Foto: Crédito: Divulgação


Um dos maiores historiadores brasileiros, o pernambucano Evaldo Cabral de Mello tem uma trajetória de destaque nos círculos intelectuais do País. Principal autoridade para se falar no período da ocupação holandesa no Nordeste, o autor sempre recusou se tornar uma figura pública muito conhecida. O jeito discreto – ele só costuma conceder entrevistas a amigos e em raras ocasiões – nunca impediu que sua importância fosse confirmada por estudiosos e colegas. Nesta quinta (23/10), mais uma vez, ela será reiterada: Evaldo será conduzido a ocupar uma das vagas na Academia Brasileira de Letras (ABL).

A eleição acontece às 16h, mas ele é o único concorrente à cadeira que pertencia ao escritor baiano João Ubaldo Ribeiro, falecido no dia 18 de julho deste ano. A indicação de que ele finalmente havia se interessado pela vaga logo mobilizou os acadêmicos, que fecharam um acordo silencioso para garantir que ele será o mais votado. “O que pesou foi uma ocasião e um estado de espírito. Três amigos meus tiveram um papel importante em me convencer: o Eduardo Portella, o Alberto da Costa e Silva e o Alberto Venancio Filho”, afirma o autor pernambucano à Agência Globo. “Todos articularam a candidatura. Esperávamos por ele havia muitos anos”, confirma o historiador Alberto Costa e Silva, membro da ABL.

Evaldo nasceu no Recife, em 1936, quando seu irmão, o poeta João Cabral de Melo Neto já tinha 16 anos. “Quando ele veio para o Rio, eu tinha 6 anos. No fundo, convivi pouco com João, que só voltou ao Recife 11 anos depois”, já confessou o autor em entrevista. Seu interesse pela história o fez estudar a filosofia da disciplina, em Madri e em Londres, mas ele terminou também seguindo os passos do irmão na carreira diplomática. “Mas eu não tinha, especialmente, afinidade com o João. Sou uma pessoa mais moderada, mais comedida. João era obsessivo”, definiu.

Sempre discreto – o jornalista Geneton Moraes Neto o descreveu como alguém que “treme nas bases ao pensar na possibilidade de ser reconhecido por estranhos na rua” –, Evaldo começou a dar seus principais passos nos estudos históricos em 1975, com o livro Olinda restaurada: guerra e açúcar no Nordeste, 1630-1654, já dentro do período histórico que seria o alvo da maioria das suas pesquisas: o ciclo do açúcar no Nordeste brasileiro, especialmente dentro do período da Invasão Holandesa no Recife (1630-1654). Nas décadas seguintes, o autor se debruçaria sobre a relação entre a região e o centro administrativo da Colônia, a Restauração Pernambucana, o comércio internacional do açúcar e teceria, mais recentemente, até dois perfis biográficos: um do administrador Maurício de Nassau e outro do abolicionista pernambucano Joaquim Nabuco.

Defensor de uma história contada através das peripécias, em um formato que, de fato, possa compor a narrativa de um período, Evaldo sempre procurou enxergar, sem idealizações, personagens muitas vezes transformados em heróis. É, também, um crítico feroz da historiografia nacional, que costuma ser contada através da visão do Sudeste.

Mesmo distante das visões nostálgicas do período holandês, Evaldo destaca o momento em que Maurício de Nassau ficou no Recife, como um “episódio completamente excepcional na história colonial do Brasil”. O gestor é, para ele, uma das personalidades mais simpáticas da história brasileira e tinha, mais do que a bondade de uma visão artística, um verdadeiro faro mercantilista. Apesar disso, trouxe avanços significativos - como o novo imortal da ABL ressalta, a capital pernambucana passaria a contar com elementos que só poderiam, antes do período holandês, ser vistos na Europa, como jardins botânicos e observatórios celestes.

Segundo o historiador pernambucano Leonardo Dantas Silva, Evaldo pode ser considerado o mais conceituado historiador brasileiro. “Ele é o mais importante historiador do Brasil Holandês, continuador que foi dos estudos desenvolvidos por José Antônio Gonsalves de Mello, o seu grande mestre nesse simpático caminhar”, aponta.

O jornalista pernambucano Geneton Moraes Neto foi o primeiro a conseguir gravar uma entrevista com Evaldo para a TV. “Eu tinha curiosidade de conhecê-lo, e ele não foi tão resistente a ideia”, conta. Um dos traços marcantes do historiador, para ele, é o modo como ele foge a lugares comuns - não tem medo de confessar que não gosta de grandes paisagens e nem de declarar os perigos da defesa de uma identidade nacional, uma espécie de “narcisismo coletivo” para ele. “Acho que faz parte do temperamento dele, ele tem uma vida intelectual que pode dispensar essas aparições públicas. Se ele tivesse recusado a entrevista, acharia normal, talvez desse até parabéns a ele. Acredito que essa discrição de Evaldo pode ser um prevenção contra a vulgaridade e o exibicionismo”, aponta Geneton.

Leia mais no Jornal do Commercio desta quinta (23/10).

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