A escritora americana Catherine Nichols fez um teste: submeteu o resumo e algumas páginas do seu romance ao crivo de agentes literários de duas formas. Em uma versão, utilizava o seu nome real; em outra, assinava a narrativa com um nome masculino. No texto que escreveu para o site Jezebel neste ano, a autora conta com clareza a diferença gritante entre os resultados. Com o próprio nome, recebeu apenas duas respostas interessadas no manuscrito, enquanto com sua “persona” masculina, com o mesmo romance e a mesma descrição, obteve 17 solicitações de envio do romance.
O caso de Catherine é didático para mostrar como mercado editorial, crítica, curadores e até leitores são – conscientemente ou inconscientemente – mais fechados para obras feitas por mulheres. Com esse cenários em mente, o projeto #ReadWoman2014 nasceu pelas mãos Joanna Walsh buscando ressaltar a necessidade de ser ler cada vez mais autoras. No Brasil, a hashtag inspirou o #LeiaMulheres, movimento que estreia neste sábado (12/9) o seu clube do livro no Recife, coordenado pelas jornalistas e críticas Carol Almeida e Priscilla Campos.
Neste primeiro encontro, a partir das 15h30, no Edifício Texas, os leitores vão conversar sobre o volume de contos Seminário dos Ratos, de um dos maiores nomes vivos da literatura brasileira, a escritora Lygia Fagundes Telles. Com atividade mensal, o clube já tem a data de sua segunda edição, dentro da programação da Bienal do Livro de Pernambuco, no dia 8 de outubro, com participação de Fabiana Moraes, deste JC. Serão o tema da conversa as obras de duas autoras negras: Quarto de Despejo, da mineira Carolina Maria de Jesus, e Amada, da americana e Nobel da Literatura Toni Morrison.
O #LeiaMulheres tem clubes do livro em oito cidades brasileiras. “A ideia nasceu para combater esse gargalo da circulação de obras feitas por mulheres que existe no mercado cultural como um todo. São mercados historicamente machistas, em que o lugar da fala na literatura, na música ou no cinema é predominantemente do homem branco, de classe média e com um viés eurocêntrico”, comenta Carol Almeida. “A iniciativa é fruto de um debate intenso, levantado nos últimos não só pelo feminismo, mas por outros grupos que questionam a pouca presença de certas vozes que refletem a diversidade da sociedade”.
Criar um clube de leitura hoje, em um tempo em que se dedicar a um livro parece cada vez mais raro, parece até démodé, como Carol brinca. “Mas as pessoas têm tido um interesse maior do que esperávamos, ficamos até com medo do espaço não dar conta. Tenho certeza que a conversa será muito boa”, comenta a jornalista. Para Priscilla, o evento é uma forma de não só dar atenção a autoras e temas relevantes, mas também promover um diálogo direto entre interessados em livros.
A escolha de começar com Lygia Fagundes Telles veio depois de algumas outras ideias. “Não queríamos nos repetir – pensamos em Hilda Hilst, mas decidimos deixar mais pra frente e trazer um livro que também seria muito importante para o contemporâneo”, destaca Priscilla. “Acho que Seminário dos Ratos traz questões exatas de hoje, apesar de ter sido escrito na ditadura. Temas como machismo, política e uma ideia do fantástico, do poético que tenta resistir. Isso é o hoje e, parece, que não está sendo muito discutido na literatura contemporânea brasileira.” Carol, por sua vez, lembra que o livro tem sua atualidade ao lembrar o que era o regime militar.
“Já estamos muito animadas para o segundo encontro, quando colocaremos a questão da mulher negra, que é duplamente invisível na arte”, adianta Carol. Além disso, ela alerta que a proposta não é um debate formal – a conversa é descontraída e aberta, e ela e Priscilla devem apenas mediar o bate-papo. “Estou doida para ouvir o que as meninas e os meninos têm a dizer sobre esse livros de autoras incríveis”, confessa Carol.