Miró da Muribeca mostra seu penúltimo olhar sobre o mundo

O poeta pernambucano escreveu seu novo livro para continuar a viver
Diogo Guedes
Publicado em 06/08/2016 às 6:07
O poeta pernambucano escreveu seu novo livro para continuar a viver Foto: Ricardo B. Labastier/JC Imagem


Miró decidiu que não ia morrer agora. No ano passado, pouco antes de lançar o livro, aDeus, o poeta pernambucano ficou internado por 14 dias, com acompanhamento para ganhar peso. Recuperou-se, mas, há dois meses, decidiu, por conta própria, que precisava de uma ajuda constante e se internou em uma clínica para tratar do alcoolismo. Miró, que já viu a data da sua morte ser alvo de apostas, escolheu que não queria ir embora. Não aceitaria que estava no capítulo final da sua vida: ainda queria dar um penúltimo olhar diante do mundo.

O poeta – parte viva da literatura recifense – se inspirou numa frase de um médico que o atendeu para criar o título do seu mais novo livro, O Penúltimo Olhar Sobre as Coisas, (Mariposa Cartonera). A obra é lançada sábado (6/8), dia em que Miró completa 56 anos, na programação da Feira do Livro do Vale do São Francisco, com um recital.

“Ouvi a frase de um médico, que disse que eu ia ficar com ‘lapsos de esquecimento’ – eu entendi que eram ‘lápis de esquecimento’ e até disse a ele que era poético. Ele me recomendou que, quando fosse sair dos lugares, prestasse atenção se estava levando tudo comigo, que eu desse um penúltimo olhar para as coisas. Eu disse a ele: ‘Além de médico, você é poeta’”, recorda Miró da Muribeca. Além disso, ao falar em um penúltimo olhar, decidia que não estava pronto para se despedir de nada: havia um desejo de viver.

São 28 poemas em uma obra reflexiva sobre o cotidiano. Os seus poemas, tão associados à declamação, ganham um tratamento visual, com palavras em tamanhos diferentes. “A gente tentou refazer no livro o que ele estava fazendo com os envelopes e cartazes, que tinham essa pegada de dar destaque a determinadas palavras. Alguns desses poemas que circularam pela cidade estão na obra, outros são inéditos” aponta o editor Wellington de Melo.

“Os poemas foram feitos no período em que passei sem beber e depois já internado no Instituto Raid, que tem me ajudado muito. Não foi feito num delírio, foi feito em momentos de sobriedade. Estou aprendendo coisas novas, entendendo parte da minha psicologia, sendo ajudado por amigos como Cida Pedrosa, Wellington de Melo e Wilson Freire”, conta Miró, que viu reflexos disso na sua escrita. “Estou mais forte.”

Tudo isso porque o poeta queria continuar a criar. Os versos são o único ofício que diz saber fazer: “São a melhor coisa que posso fazer com minha vida. É o que me dá forças, o meu amor. Se não fosse eles, eu estaria morto”.
Para ir para Petrolina, Miró saiu por dois dias do internamento. No dia 18 de agosto, vai sair novamente, também por um motivo literário: o lançamento de uma nova edição de Miró Até Agora, com uma seleção de poemas que sai agora pela Cepe Editora. Mais tarde, ainda deve lançar seus livros em São Paulo.

Os planos não param por aí. Ela já prepara um novo livro, Amanheceu, que vai falar sobre a esperança que é abrir os olhos e saber que ainda está vivo. “Não quero festejar a vida com conhaque, com bebidas. Brinco com meus amigos que quero celebrar com inhame, com melão”, define. “Pelo que passei, eu sinto que recebi uma segunda chance de estar em pé, falando com você agora. Eu sei que não posso perder essa chance.” Miró tem muitos penúltimos olhares, muitos poemas, ainda para fazer.

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