Não foi nada programado, mas nova fornada de livros da editora Linguaraz, comandada pelo escritor Pedro Américo de Farias, calhou de reunir a obra de três mulheres. Ainda que sejam muito distintos entre si, os versos de Socorro Nunes, Clarissa de Figueirêdo e Mariana Tabosa ganharam um certo simbolismo involuntário: viraram uma afirmação da necessidade de publicar e ler mais escritoras.
O primeiro lançamento aconteceu no Festival Recifense de Literatura – A Letra e a Voz, em agosto, que abordou a escrita feita por mulheres. Agora, as três autoras e o editor voltam a se reunir sábado, dentro da programação da Feira Nordestina do Livro (Fenelivro), que trabalha a mesma temática – amanhã também fazem um lançamento em João Pessoa.
“Criei o selo com a ideia de ser aberto a novas perspectivas, sem estabelecer um recorte ideológico ou teórico do que é para nós a literatura”, explica Pedro Américo. “Foi uma coincidência boa serem três mulheres, ainda mais em um ano com dois festivais literários dedicados às escritoras. A Linguaraz não é uma editora feminista: o que buscamos são autores que tenham uma preocupação com a linguagem e suas variantes, sempre com um olhar contemporâneo.” Os livros têm formato pequeno e custeio colaborativo, com um preço final acessível: R$ 15.
Primeiro, Pedro Américo decidiu publicar o livro de Socorro Nunes, sua companheira, que lança O Que Ficou da Fotografia. Em um sarau no Centro de Educação da UFPE, ele conheceu a poesia de Clarissa Figueirêdo, que editou com ele o seu Tempos de Alice. Por fim, Clarissa indicou outro nome, o de Mariana Tabosa, que também despertou o interesse de Pedro Américo com o volume A Mulher-Fósforo. Outros nomes, incluindo homens, também seriam editados, mas os projetos não avançaram.
“Acho que foi uma felicidade que as nossas obras tenham se encontrado, mas esse não é um projeto de mulheres. Não gosto de falar em uma ‘literatura feminina’, não acredito nisso. Existe uma literatura feita por mulheres e elas ainda têm pouco espaço na composição de mesas em eventos literários, por exemplo”, analisa Clarissa.
Para Socorro, também foi uma “boa coincidência” a junção. “A literatura é um espaço de grandes encontros, e o nosso terminou ficando um pouco simbólico. Mas a literatura feita por mulheres não é diferente, é simplesmente literatura”, opina. “Do ponto de vista político, no entanto, é necessário falar da importância das mulheres na escrita. É um espaço importante para ser ocupado e debatido.”
Mariana diz que, depois de lançar o livro, começou a ter mais contato com essa questão. “Acho que existe a vivência feminina, que não é necessariamente a de uma mulher – falo isso do ponto de vista da psicanálise. Quando escrevo, não fico muito preocupada com isso: acho que as pessoas são muito masculinas em certos momento e muito femininas em outros. Mas ainda falo de fora, estou convivendo mais agora com as leituras feministas”, aponta.
As variantes da língua, do comportamento, da sensibilidade, da cultura e do gênero são o que interessa à Linguaraz. Nos três livros lançados, é possível notar essa diversidade pretendida.
A Mulher-Fósforo é a estreia de Mariana Tabosa na literatura. Dividido em quatro partes, vai desde de falar sobre ser “o feminino sem emoção” até um poema sobre a TPM. “É um pouco a minha história como escritora, não tinha coragem antes de publicar. Eu me interesso por uma literatura fluida, que possa caminhar pelo que homens e mulheres vivenciam”, aponta a autora. Além disso, nas suas leituras, ela não aponta nenhuma “vaca sagrada” que a guia, mas destaca o impacto de nomes como Clarice Lispector, Cecília Meirelles, Florbela Espanca, Milan Kundera, Ana Cristina César e Maria Gabriela Llansol – e claro, da vivência e da leitura do cotidiano. “Comecei a ler coisas completamente diferentes, como Bukowski, considerado machista. Tenho gostado do contraponto, ele me ajuda a pensar na concepção da minha escrita”, afirma.
Em Tempos de Alice, sua terceira obra, Clarissa de Figueirêdo defende uma literatura quântica – a escrita como um terreno de possibilidades. “O livro surgiu do questionamento porque nosso tempo se volta tanto a Alice no País das Maravilhas, uma obra sobre o destino comum e outros mundos e realidades possíveis”, comenta. Nos versos, ela brinca com releituras e citações de obras e autores como Drummond, Manuel Bandeira e Wislawa Szymborska. “Gosto de repensar esses textos a partir do local em que estou – nunca pretendo reconstruí-los, claro”, comenta. Outros nomes importantes para ela são Hilda Hilst, Cecília Meirelles, Frederico Barbosa, Pedro Américo, Renata Pimentel, William Blake e Bertolt Brecht.
No seu O Que Ficou da Fotografia, Socorro Nunes traz poemas que continuam e transformam seus trabalhos anteriores, Meu Samba (2015) e Miragem (2015). O Sertão do Araripe, o Rio Capibaribe e a matéria poética se misturam na obra. “A poesia nasce, acredito, da nossa experiência de vida: os lugares onde se viveu, as pessoas com que se relaciona. Também tenho um apreço pela metapoesia e pelo Sertão – ele é, para mim, que sou do Ceará, um lugar caro, de afeto. Traduzo o silêncio na minha voz poética, no meu modo de ver o mundo”, aponta. Das suas leituras, ela destaca nomes como Cecília Meirelles, Drummond, Almir Castro Barros, Manuel Bandeira, Euclides da Cunha, Adélia Prado e poetas contemporâneas como Ana Elisa Ribeiro, Micheliny Verunschk e Jussara Salazar.